“Vladimir Nabokov disse que os dois grandes males do século 20 são Marx e Freud. Ele estava absolutamente certo. Freud saturou nossa cultura. As pessoas agem baseadas na teoria freudiana m quase tudo e o ignoram totalmente. Sou muito suscetível ao modo como a teoria freudiana teve sucesso, porque, como romancista, criei personagens com backgrounds totalmente freudianos. O pressuposto básico de Freud é que nenhum de nós é responsável pelo que somos. O que somos é conseqüência do que nossos pais nos fizeram, do que nossa cultura nos fez, do que a sociedade nos fez, das injustiças que sofremos. Portanto, somos em essência vítimas. O que fazemos como sociedade é buscar respostas simples. O freudianismo é uma resposta simples: Se o que todos fazem é apenas conseqüência do que lhes foi feito quando crianças por seus pais ou sua cultura, então eles não são realmente responsáveis. O que precisamos fazer é colocá-los num programa de psicanálise, que eles param de ser um assassino em série ou o que seja. Isso é por demais simplista. E, no entanto, domina o pensamento de nosso século, principalmente de nosso sistema jurídico. Tomei a decisão de não criar personagens freudianos porque constatei que os melhores personagens que encontrei estão na obra de Charles Dickens e ele nunca ouviu falar de Freud. Algumas resenhas dizem que meus personagens não têm profundidade suficiente, porque não sabemos porque eles são o que são. Um de meus editores disse certa vez: ‘Não sabemos o que existe no passado desse sujeito para torná-lo o que ele é hoje’. Queria que eu fizesse um retrospecto mostrando como seus pais abusavam do personagem. Um troço freudiano surrado. Em Dickens, havia a idéia de que o caráter é o que você faz e isso define a pessoa. Acho que isso faz sentido. Creio no livre-arbítrio e na escolha individual e creio que criamos nossas vidas à medida que avançamos”.
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/12/1996 – Nick Gillespie |