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Psicanálise
Vera Brant

“Desde 10, 11 anos eu tenho essa mania de escrever. Escrevendo, descarregava as coisas que estavam me chateando muito, pesando muito. Escrevia, escondia e depois jogava fora. Uma psicanálise minha, muito particular. Escrevi exatamente como vinha, sem preocupação de literatura. Teria uns dez livros se tivesse guardado tudo. A ciclotímica eu escrevi quando tinha 27 anos e morava no Rio... Não sei porque A ciclotímica ficou. Eu guardei o caderno escondidíssimo, com medo de que alguém lesse, vergonha de alguém saber o que eu sentia. Eu era uma menina muito trancada, sabe como é, aquele problema de ter madrasta, não tinha ambiente em casa, eu me sentia uma cadeira quebrada dentro de casa, aquela cadeira que ninguém sabe onde colocar. Depois de A ciclotímica eu continuei escrevendo e rasgando, honestamente não sei porque esse caderno eu guardei, eu rasguei tanta coisa... Eu fiz psicanálise em A ciclotímica. Olha a vida da Zélia, mulher do Jorge Amado, é pinto perto da minha. Eu não conto a minha vida um pouco por pudor, muito por não querer lembrar muita coisa que já consegui colocar no baú e que vai ficar lá. Agora, psicanálise eu faço escrevendo. Psicanálise é descarregar o que está atormentando, eu descarregava escrevendo. Como eu escrevi no livro, dormia cuspindo marimbondo e acordava assoviando, por isso me chamei ciclotimica... As pessoas achavam que não conseguiam me ferir. Conseguiam, mas eu descarregava e parecia ótima, aí elas ficavam com ódio mortal de mim. Mina avó, por exemplo, era uma pessoa muito ríspida, muti áspera, muito seca, muito cactus, mas eu espinafrei bastante com ela em A ciclotímica, então eu descarreguei... A Lígia, mulher do Fernando Sabino, me disse que se o livro pegar, os psicanalistas vão ter que arranjar emprego no futuro”.

Fonte: Leia (São Paulo), nº 70, agosto de 1984 – Helio Doyle  
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