Alain Robbe-Grillet
“Flaubert também ficou famoso por causa do processo conta do processo Madame Bovary e não por causa de Madame Bovary. Esses equívocos, no fundo, não têm importância alguma. Devemos beneficiar-nos também dos mal-entendido, pois é preciso sempre saber aproveitar as chances que a vida no oferece”.
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/02/1997 – José Castello
Alberto Moravia
"Eu não gostaria de ser mal-entendido: Flaubert era um gênio, à sua maneira. Isso não é negar que ele tenha matado o romance, com sua fixação na palavra, na perfeição formal. O romance não se pode basear apenas na escrita. Não é fato formal, verbal, linguístico, assim como a poesia. Alterar uma palavra numa poesia é destruí-la. Já o romance se baseia em estruturas: se uma palavra for apagada, nada acontece. As estruturas se reduzem a duas ordens de fantasmas formais: personagens e situações. Como se vê, estamos num âmbito de expressão análogo ao da pintura e da música. Se as estruturas do romance forem intuições perfeitas, a palavra pouco importa. Balzac, esse grande narrador, não pode ser considerado estilista. O próprio Dostoievski, ao que parece, escrevia bastante mal, mas suas estruturas são rigorosas, dominadas por uma necessidade absoluta. Suas personagens se ligam mutuamente... O restante importa menos. A mesma coisa se poderia dizer acerca de Balzac, de Dickens... Flaubert não é menos romântico que Stendhal. Mas aqui é preciso usar de um pouco de sociologia: enquanto Stendhal encarna a burguesia francesa em sua expansão revolucionária, Flaubert a exprime no momento em que ela se fechou em si mesma. Seu romantismo já está murcho, a trivialidade de sua imaginação romântica vem acompanhada pela obsessão de um absoluto rigor estilístico: mas essas duas coisas não se fundem, ou se fundem mal. São coisas diferentes. Eu, por exemplo, nasci narrador, contador de fábulas: quando criança, estando sozinho, contava romances a mim mesmo. em voz alta. Tratava-se de instinto, de impulso obscuro e violento que não tinha qualquer necessidade de escrita. Ainda hoje há quem diga que escrevo mal. Pois é, Flaubert escreveu bem demais, ao menos em Madame Bovary. A educação sentimental é obra já fluída, há mais estrutura, menos obsessão estilística: mas também aí falta o instinto do narrador. Nem se fale das obras mais detestáveis de Flaubert, como Salammbô. A narração fica inteiramente emperrada. Não segue adiante, fica estagnada. Ouve-se uma espécie de 'ronrom' insuportável".
Fonte: AJELLO, Nello. Moravia: entrevista sobre o escritor incômodo. São Paulo: Civilização Brasileira, 1986.
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