por Alberto Moravia
"Não há dúvida de que politicamente Pirandello era cético. Estava ligado psicologicamente ao século passado e ficara muito impressionado com a agitação dos acontecimentos politicos do primeiro pós-guerra. Um dia não consegui conter-me e lhe perguntei sem rodeios: 'Perdão, mas por que o senhor se inscreveu no partido fascista? Que necessidade tinha de fazê-lo?'. Ele me respondeu textualmente assim: 'Se você soubesse, Moravia, que nojo me dava o parlamento!' Mas o fascismo também lhe dava ocasiões de se mostrar escandalizado, ainda que do jeito sossegado e um tanto falador que é típico dos céticos. Estávamos sentados em um café de via Veneto, devia ser lá por meados da década de 1930. Pirandello murmurava como que consigo mesmo: 'Que tempos! Inseminaram a princesa de Piemonte'. Inseminaram?, perguntei-lhe. 'Sim, veja bem, para que ela possa dar um pequeno herdeiro ao trono'. Não compreendi bem o que isso importava a ele. Talvez o episódio - tanto faz se real ou imaginário - abalasse algumas de suas categorias mentais, que eram no fundo as de um professor siciliano do começo do século XX e fosse considerado dramaturgo de verdade. Pirandello se vestia como se estivesse em 1890. Colete, uma corrente na algibeira. Um velo burguês de província. E no entanto passava muito tempo em Paris; uma vez o encontrei no trem, no vagão-restaurante. 'Arraneji um apartamento em Paris - disse-me - Sabe, em Roma não se consegue trabalhar... Pirandello era um homem de teatro, sem dúvida, Mas isso não me parece muito importante. Dizer de um escritor que é um dramaturgo nato, que tem o teatro no sangue e assim por diante, me dá a impressão de conversa de empresário ou de contra-regra, não de historiador da cultura ou de crítico literário. A questão de saber se o mecanismo teatral é ou não perfeito interessa - como diria? - ao ofício, não à poesia".
Fonte: AJELLO, Anello. Moravia: entrevista sobre o escritor incômodo. São Paulo: Civilização Brasileira, 1986.
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