O QUE É INSPIRAÇÃO?
Parte A - Conceituação
Prosseguindo no desejo de ampliar o escopo dos "Mistérios da Criação Literária", caímos nessa "questão elementar". Pois, o sentido está na própria palavra: inspira+ação. Ao mesmo tempo a questão é complexa porque continuamos não sabendo o que inspira a ação. Desse modo a palavra adquire ares de misteriosa, e de qualquer modo, essencial para o fazimento da literatura.
Inspiração é o oposto da expiração; é o complemento da respiração; é o alento da realização; é um bocado de coisas, que ninguém sabe direito o que é. Mas tudo indica que ao inspirarmos, algo mais que ar é absorvido pelos pulmões. Que algo mais é este que causa tanta polêmica entre os escritores? Uns dizem que sem inspiração não dá para escrever; outros acham que ela pode até atrapalhar o processo criativ
Antes de vermos o que os escritores falam, vejamos o que diz o Dicionário de Filosofia e Ciências Culturais, de Mario Ferreira dos Santos, um grande filósofo brasileiro, infelizmente, desconhecido do grande público.
"Ao examinarmos a aspiração, vimos que quando o espírito humano, no seu dinamismo, dirige-se aos valores puros, como liberdade, justiça, a aspiração torna-se inspiração. Na inspiração, a imaginação criadora dirige-se para a realização de novas formas de cultura, sobre qualquer dos aspectos que as consideremos. Há, na inspiração aparentes acasos, que parecem dirigidos para uma finalidade, embora siga através de fluxos e refluxos. No pensamento de todos os povos, atribue-se sempre a inspiração à influência de um numem, que o concede ao homem. Entretanto, o estudo da emergência nos permite compreender que já possui o homem, em sua inteligência, suficiente poder para realizar algo de novo e de criador, sem que tal afirmativa implique a negação ou a desvalorização das investigações que se processam, quanto à interferência de poderes superiores extra-humanos.
Fala-se muito na inspiração dos artistas. Esse misterioso poder de criação. espontâneo, que parece como se uma potência exterior viesse em auxílio daquele.
Muitos artistas realizam obras num estado de mínima consciência, apercebendo-se do que fizeram quase ao fim ou ao término do que encetaram. Alguns chegam a afirmar um caráter de mediunidade, como se o artista não passasse de um instrumento dócil às mãos de um ser misterioso que o guiasse na realização da obra, como Mozart, que ouvia os seus concertos, num só ato, escrevendo-os, depois, por memorização. Se muitos homens de ciência e artistas realizam seus trabalhos através de um hercúleo esforço de meditação, de reflexão, de análise meticulosa, outros, porém, são de uma espontaneidade extraordinária, e suas obras surgem como por encanto, e são realizadas como por um esforço único, de um único impulso.
Tais fatos, embora assinaláveis, não têm encontrado na psicologia uma explicação satisfatória. A complexidade com que se revestem, as características individuais, que os cercam, impedem um estudo como psicologicamente se deveria fazer.
Ultrapassam os métodos puramente extensistas da ciência e penetram em terrenos onde as medidas carecem de significação.
As genialidades possuem esse poder de criação quase espontâneo, embora se encontrem, entre os homens de gênio, aqueles que realizam obras através de um grande esforço reflexivo.
No entanto, são sempre assistidos desse poder criador extraordinário, num grau bem desenvolvido. Suas intuições criadoras são, depois de esboçadas espontâneamente, examinadas friamente para o acabamento final, mas se apresentam ao espírito num impulso único, surgem como se fossem ditadas por potências misteriosas. É natural que a Psicologia não possa ainda oferecer uma explicação satisfatória neste terreno.
No século XIX, estiveram os psicólogos mais preocupados com os aspectos fisiológicos da Psicologia. Não eram examinados os aspectos profundos do subconsciente e do inconsciente. Nestes casos, todas as regras dadas pelos associacionistas malogram. Aqui não há o automatismo, porque aqui há uma autonomia criadora.
Não é apenas nas obras dos artistas que se dão tais casos. Também na obra dos filósofos e dos cientistas há muito de imaginação criadora. É partindo dela que muitas grandes descobertas foram iniciadas".
O dicionário comum, o "Aurelião", diz apenas que é "(1) o ato de inspirar-se ou de ser inspirado; (2) Ato de introuzir o ar nos pulmões, de inspirar; (3) Qualquer estímulo ao pensamento ou à atividade criadora; (4) Por extensão, o resultado de uma atividade inspiradora; (5) Pessoa ou coisa que inspira: inspirador. (6) Entusiasmo poético; estro. (7) Em termos teológicos, significa uma moção divina, que segundo a crença cristã, teria dirigido os autores dos livros canônicos da Bíblia".
Quanto a origem da palavra, O Dicionário Etimológico Nova Fronteira da Língua Portuguesa, não consta; mas consta inspirar:
vb. 'introduzir ar nos pulmões, incutir, infundir, fazer penetrar no ânimo' / xv, insperar xv / Do lat. inspirãre // inspirAÇÂO / xvi, spiraçõ xiv / Do lat. inspirãtio -õnis // inspirADOR xvi // inspirATIVO 1881 // inspirATÓRIO 1844. Cp. ESPIRAR, EXPIRAR.
Inspira+dor * Inspira+ação
Na Enciclopédia Mirador, curiosamente, a palavra INSPIRAÇÃO não consta. Mas aparece no índice a palavra inspiracionismo remetendo para crítica. Nos diversos conceitos e histórico da palavra crítica, chegamos na transição do século XVIII, onde se lê "Ao lado do sensualismo é decisivo o papel desempenhado pelo inspiracionismo, resultante da redescoberta de Longino. Ela se iniciara já em 1554, com a edição de Robortello, mas só alcançou a divulgação necessária com a tradução de Boileau, em 1674. A influência que Longino exerceu divide-se em duas fases distintas que quase se parece tratar de dois autores diferentes. O primeiro Longino é aquele cuja idéia de sublime aí se traduz na préciosité do estilo, na afetação grandiloquente da formosura. O sublime aí se identificava com o grandioso e se ajustava o hino à natureza, entoado pelo sensualismo. No segundo Longino, o realce passa à emoção e à secreta inspiração do poeta. A emoção do sublime - ékstasis - se converte no 'entusiasmo' ou 'paixão', espécie de emoção racional erguida contra a mesquinhez".
Ao cairmos na filosofia, vemos que o buraco é mais fundo do que pensávamos. Mas, nossa tarefa é exatamente esta: aprofundar o assunto. Numa segunda fase, vamos verificar a produção bibliográfica sobre o tema, o que há de publicado relevante na área. Nessa tarefa, gostaríamos de contar com a ajuda do prezado leitor, em nos enviar qualquer bibliografia (com resumo, se possível) sobre este ou qualquer dos outros temas propostos na obra "Mistérios da Criação Literária".