“É difícil explicar esse processo. Mas eu diria que jamais consegui fazer um poema da maneira como Poe a descreve. Uma nota interessante é que eu jamais fiz um poema sob encomenda. Para mim, o momento em que se deslancha o fato poético é meio misterioso; quer dizer, acho que existe aí um problema de intuição, alguma espécie de percepção que se acumula e que subitamente te sugere uma palavra, uma imagem, que te ativa a sensibilidade. E naturalmente, aí, entram os conhecimentos, as aquisições culturais. É como se a gente estivesse todo o tempo se preparado tecnicamente para um momento que vai chegar; mas eu não posso dizer: vou escrever um poema daqui a uma hora; é impossível, tem que haver uma somatória, uma química interna que me permita encontrar as coisas que eu procuro; às vezes tomo nota de uma palavra, de uma imagem, mas não consigo, muitas vezes, realizar imediatamente. Paul Valéry dizia: ‘Os primeiros versos te dão os deuses, o resto você tem que fazer’”.
Fonte: RICCIARDI, Giovanni. Escrever 2. Bari: Ecumênica Editrici scrl, 1994.
“A princípio, há algum dado intuitivo, uma combinatória de palavras ou imagens que me ligam. A partir desse ‘acidente feliz’ entra a fabricação do poema. Ao lado da poesia espontânea, do aranca-toco sentimental, existe uma poesia-arte, como existe o futebol-arte. Esta é a poesia que eu pratico. Poesia de ‘faber’, operário ,artesão. E minha concepção de poesia está procundamente vinculada às artes visuais e à música é claro que – quando surge a idéia-instigação – tento logo ‘ver’ o poema projetado no espaço, materializá-lo graficamente e armar a sua constelação sonora. Em suma, como dizia Valéry, os deuses nos dão de graça o primeiro verso; mas cabe a nós construir o segundo... Como todo mundo, posso tomar nota de uma palavra em qualquer lugar. Mas trabalho basicamente no meu escritório, em mesa comum, em minha casa. De início, passava das primeiras anotações para a maquia de escrever (uma pequena Continental alemã, portátil, mas de teclas sólodas de metal, que me possibilitavam grande precisão datilográfica). Em 1953, quando fiz o Poetamenos , comecei a usar tintas coloridas e carbonos de cor com os quais, utilizando papel almaço, fiz as primeira versões – com até seis cores – que distribuía entre amigos. A partir da década de 1960, comecei a recorrer a outros métodos, passando das colagens de letras e imagens dos jornais e revistas (série dos Popcretos) aos fototipos (Luxo) e, finalmente, à letraset. Em alguns casos, desenho as letras (Viva vaia, Tudo está dito) ou projeto o layout ou executo um rough (caso dos Profilogramas ou das capas-poemas de vários dos meus livros). Uso também hidrográficas coloridas para estudos de cor. Desde os anos 1950, tive muito contato com os artistas visuais do grupo concretista (Cordero, Fiaminghi, Sacilotto, Mauridio Nogueira Lima, Geraldo de Barros), e aprendi muito com eles. A partir de1968, conheci Julio Plaza, pioneiro dos intermídia, e com ele pude realizar muitos projetos envolvendo os mais variados veículo. Desde Poemóbiles, objetos-poemas, tridemensionais que se movem à manipulação, até Caixa preta (com poemas e objetos - poemas em formas não convencionais) até as experiências com video-texto e o recente holograma executado por Moisés Baumstein a partir do projeto de Plaza sobre um dos Poemóbiles. Trabalhei ainda em um computador gráfico na versão do poema Pulsar, de que resultou o video-clip produzido pelo Olhar Eletrônico. Meu último poema, Anticéu, axigiu uma impressão especial em Braille, feita na Fundação do Livro do Cego. A primeira versão foi feita em maquina de escrever. O Braille eu executei batendo os pontos no verso do papel com o marcador no branco entre o azul e o vermelho, de modo a obter o relevo no anverso. Fiz uma pequena edição tipográfica. Finalmente surgiu o contato com o Omar Guedes, jovem mestre da serigrafia, que me permitiu realizar a impressão em cores do poema, numa versão mais requintada, para a qual reexecutei o texto em letraset”.
Fonte: Leia (S.Paulo) jun. 1986 – Ana Lúcia Vasconcelos
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