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Como escreve?

Jean Cocteau

"Escrevo com um simplicidade aparente - que, na verdade, é o resultado de cálculos matemáticos violentos -, a linguagem e não o conteúdo. Que é, por assim dizer, o trabalho depois-do-fato, porque lamentavelmente, nossos veículos de comunicação na escrita são as convenções. Se Picasso desloca um olho para fazer com que um quadro ganhe vida, ou cria uma colisão, que dá a impressão de multivisão, isso é uma coisa; se desloco uma plavra para recuperar algo de sua força, isso é uma outra coisa muito, muito mais dificil. Os tradutores, confundindo minha simplicidade com insubstancialidade, acabam me traduzindo de forma superficial, já me disseram. Rosamond Lehmann diz que sou mal traduzido em inglês. Tiens, na Alemanha pensaram em traduzir meu La difficulté d'être como 'a dificuldade de Leben'; nunca! é 'a dificuldade zu sein'. A dificuldade de viver é outra coisa; impostos, complicações e coisa do gênero. Mas dificuldade de ser - ah! de estar aqui; de existir... Veja bem ,a gente não conhece aquilo que faz. É impossível fazer o que se pretende. O mecanismo ésuitl demais para isso, secreto demais. Apollinaire decidiu que iria copiar Anatolo France, seu modelo, e falhou magnificamente. Criou uma nova poesia, pequena, mas válida. Alguns fazem uma coisa bastante diminuta, como Apollinaire, e recebem grande reconhecimento, como ele afinal recebeu; outros fazem uma coisa enorme, com Max Jacob, que foi o verdadeiro poeta do cubismo, e não Apollinaire, e o resultado - o que se ganha e a reputação - é ínfimo. Baudelaire escreve um verso altamente elaborado e então - tout à coup! - poesia... Eu me sinto habitado por um força ou ser - do qual conheço muito pouco. Ele dá as ordens; eu obedeço. A concepção do meu romance Les enfants terribles me ocorreu através de um amigo, do que ele me contou sobre um grupo de pessoas: uma família isolada da vida em sociedade. Comecei a escrever: exatamente dezessete páginas por dia. Fluía bem. Eu estava gostando. De verdade. Havia, na história real, alguma ligação com os Estados Unidos, e tinha algo que eu queria dizer sobre os Estados Unidos. Puf! O ser em mim não queria escrever sobre isso! Bloqueio total. Um mês inteiro só olhando a p papel feito bobo, incapaz de escrever o que quer que fosse. Então um dia, ele começou de novo, à sua maneira".

Fonte: Os escritores 2: as históricas entrevistas da Paris Review. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.

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