“Há muitos livros que exigem pesquisa, mas quando se pesquisa para escrever ficção não se pesquisa da mesma maneira que para escrever uma tese. É evidente que se alguém quer escrever uma tese sobre as relações de parentesco — já que falávamos de etnologia — não pode deixar de ler Lévi-Strauss e toda uma série de autores que escreveram sobre o mito, sobre o totemismo. Se alguém quer escrever um romance pode muito bem não ler nada. Se quero escrever um romance sobre o Império Romano posso não ler nada sobre o Império Romano (estou pensando no romance Os idos de março, de Thornton Wilder, no qual se vê que o autor sabe muito sobre Roma e nada sobre a arte de escrever romances), posso fazer o que quiser porque há uma total liberdade. É claro que nem todos os escritores trabalham assim e que há diversos tipos de exigências para o texto em que cada um esteja trabalhando. As leituras podem ser puramente de informação, e também pode haver leituras de desinformação. Quando li num certo livro de história, há muitos anos, o relato que desenvolvi em O enteado, eram apenas quatorze linhas, e isso foi tudo o que vim a saber. Quer dizer, li coisas como Hans Staden e algumas crônicas do século XVII, mas sobre aquele personagem nunca mais li coisa alguma. E apaguei todas as alusões e referências históricas precisas. Certamente há leituras que não são de informação, mas de ambientação numa determinada atmosfera, e nesse sentido pode-se ler as coisas mais variáveis. São aquelas leituras que, por assim dizer, nivelam a pesquisa. Haveria que precisar esses termos, mas não temos tempo para isso aqui. Em todo caso, são leituras que inspiram no sentido de que dirigem o trabalho a certas zonas emocionais, semânticas ou de imagens que dizem respeito a determinadas problemáticas intelectuais, e que se depois não aparecem explicitamente no texto estão ali disseminadas, impregnando-o de maneira indireta. A despeito do trabalho de preparação de uma narrativa, que pode ser maior ou menor, a leitura é um prazer e uma necessidade, de modo que há núcleos de interesse muito diferentes e até mesmo contraditórios entre si, desde os filósofos pré-socráticos até os romances policiais. Mas não há de ser qualquer coisa, e sim aquelas que me dão prazer em ler e que me estimulam a escrever”.
Fonte: Novos Estudos (CEBRAP),São Paulo, n. 73, nov. 2005
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