"Primeiro de tudo aparece a idéia. Às vezes vagamente, não sei como, outras vezes por um acontecimento qualquer. O Mez da Grippe apareceu quando fui fazer uma matéria sobre a gripe espanhola em Curitiba. Fui para a biblioteca e comecei a pesquisar nos jornais da época, e logo de cara vi que o jornal governista procurava esconder a epidemia, e o jornal da oposição mostrava o que estava acontecendo, as mortes e tudo o mais. Estava pronto o livro, grande parte das imagens estava naqueles jornais. O meu trabalho foi o de concatenar tudo que eu tinha na cabeça e catar mais imagens que se encaixassem no que já existia, e se ligassem com as palavras, ou se transformassem em palavras, e assim me ajudassem a inventar a história. Juntando verdades com mentiras inventadas. Com Minha Mãe Morrendo foi mais fácil ainda. Às vezes memórias verdadeiras, às vezes memórias com pedaços esquecidos e coisas que, sei lá por que, não vêm na memória. E mentiras, mas sempre memória. Até hoje é assim: penso coisas que quero pensar e outras que não quero ou não sei o que são: aparecem. Aí foi como conto no livro: uma velha tia minha, preparando sua morte, juntou fotos de minha mãe e me entregou. O livro estava pronto, faltava apenas eu escrevê-lo e arrumar outras imagens, isso às vezes é difícil, às vezes é mais fácil. Pronto Minha Mãe Morrendo, eu senti que faltava alguma coisa, talvez contar que fim levou esse menino. Contar verdades ou coisas inventadas sobre ele. Tenho mania por dicionários etimológicos. Inventei o título do primeiro: Menino Mentido topologia da cidade por ele habitada. Menino não se tem certeza de que língua ele surgiu; mentido tanto pode
ter o sentido de inventado, como o de não deu certo: um ovo mentido é um ovo que gorou. Topologia é sinônimo de topografia e também significa ‘colocação ou disposição de certas palavras’. Feito o título, que fala de um menino de origem incerta e que não deu certo e como era a cidade em que ele habitou, a história dele devia ser contada em palavras, o livro estava pronto; eu já sabia que era o personagem e o que eu tinha que escrever sobre ele, e que imagens procurar. No Menino Mentido eu quis contar umas verdades e umas mentiras, que não estavam no Menino Mentido topologia da cidade por ele habitada. Foi coisa fácil. Acho que é assim que eu escrevo: aparece uma idéia muito vaga, eu começo a procurar as imagens – muitas vezes elas aparecem sem que eu as tenha procurado e se encaixam no texto e as idéias no transcorrer do trabalho se tornam mais claras, e o meu trabalho de escrever fica mais fácil. O mais difícil é o título. Não sei por que cismei que os títulos de meus livros têm que começar com a letra M. Isso que é o mais difícil para mim. Mas eu sempre dou um jeito".
Fonte: O Estado de S.Paulo, 12/08/ 2001.
|