Os métodos operacionais do Metrô/SP
J.D. Brito
Não há quem não se encante com o Metrô de São Paulo, particularmente no que se refere a ordem, limpeza, freqüência e pontualidade, requisitos básicos exigidos pelos usuários. Mas tal encanto tem um custo e uma razão de ser. O custo é altíssimo: um km. de metrô pode custar 100 milhões de dólares. Além dos custos de construção, tem os custos de operação e manutenção. Quanto custa uma escada-rolante? E a segurança?
Em princípios da década de 1970 eu trabalhava lá, e vendo a montagem de tantas escadas, questionei com meu chefe:
- “Seishun, isso não é um luxo!? Se tivéssemos menos escadas rolantes, não poderíamos fazer mais linhas e estações com estes recursos?”
- “Poderíamos, mas as estações não teriam condições de evacuar todos os passageiros no tempo que precisamos para operar toda a linha”. Foi a resposta curta e grossa, pois japonês não gosta de falar muito.
A razão de ser são os procedimentos adotados na implantação do Metrô, um novo meio de transporte. Nem tão novo, pois surgiu em meados do século XIX, primeiro que o automóvel; e, mesmo em São Paulo, já havia planos de implantá-lo desde primórdios do século passado. Mas não é desse atraso que queremos falar. Falemos de hoje: o Metrô de São Paulo é um dos menores do mundo, mas é o que o transporta mais passageiros por km. de linha em todo o mundo.
Em 1973 fui contratado para organizar o arquivo técnico do Departamento de Métodos Operacionais-OMT. Ficava na Rua Vergueiro, no Centro de Controle Operacional, um edifício muito moderno até para os dias atuais. Creio que foi o primeiro a utilizar vidros espelhados como “parede externa” na cidade de São Paulo. O Departamento contava com cerca de 160 funcionários, dos quais metade eram estagiários de diversas áreas. Eram tantos estagiários, que, o lugar em certas ocasiões tinha um “ar” de campus universitário. O estudante entrava lá e ficava lendo os manuais técnicos durante meses antes de começar a trabalhar efetivamente em algum projeto.
Para completar o “ambiente universitário”, o OMT tinha como uma das funções elaborar os manuais técnicos para operar o Metrô, que seria inaugurado em 1974. Era uma verdadeira editora, uma fábrica de manuais de todos os tipos: de operação e de manutenção do trem, escadas rolantes, sistema elétrico, ventilação, bloqueios (sistema de arrecadação), iluminação, supervisão de estações, estacionamento (pátio), terceiro trilho (alimentação elétrica) etc. Dali saiam mais de 50 títulos de manuais para serem entregues ao Departamento de Operação-OPE, e daí aos operadores de cada sistema. Para realizar esse trabalho, o OMT contava com uma sólida estrutura montada em três sub-divisões: OMT-C, responsável pelo controle operacional, particularmente a parte eletro-eletrônica; OMT-P responsável pela produção de novos equipamentos, arquitetura e comunicação visual e OMT-O responsável pela edição e atualização dos manuais. O resultado final de todo o trabalho não era apenas a feitura dos manuais. Tinha também, como missão, estabelecer os parâmetros de qualidade operacional em todo o sistema metroviário.
Enquanto “editora”, fica evidente que a matéria-prima principal utilizada pelo Departamento era a informação. Não foi por outra razão que se fez necessário organizar um Arquivo Técnico, logo transformado em “Centro de Informações Técnicas”, o CITOMT, como passou a ser chamado. Em pouco tempo o setor constituiu-se numa ponte entre os funcionários do OMT e a Biblioteca, que ficava na sede da empresa, na Rua Augusta. O volume e a variedade de material arquivado passou a ser utilizado, também, por outros departamentos da Gerência de Operações-GOP. Além de organizar os documentos e estudos feitos pelo departamento, o CITOMT realizava pesquisas bibliográficas sobre temas de interesse dos técnicos e novas tecnologias necessárias à operação.
Certa vez Seishun me perguntou qual era a melhor biblioteca de telecomunicações no Brasil. Verifiquei e encontrei a Biblioteca do ITA-Instituto de Tecnologia Aeronáutica, em São José dos Campos. Era preciso instalar a telefonia móvel nos trens e não tínhamos conhecimento tecnológico sobre os sistemas modernos, de última geração, que o Metrô requeria. Fui até o ITA com a missão de só voltar quando achasse alguns artigos e relatórios técnicos sobre o que de mais novo houvesse sobre o assunto. Fiquei hospedado nas instalações do próprio ITA por 3 dias, vasculhando a Biblioteca o dia inteiro. À noite, passava um “pente fino” nas publicações encontradas, procurando especificar melhor o assunto procurado. Voltei com 128 artigos, relatórios, estudos-de-caso, etc. sobre telefonia móvel aplicada a sistemas metroviários.
Outro caso sobre pesquisa de informações ocorreu com um estagiário que me procurou para encontrar um artigo que fornecesse todas as informações sobre o funcionamento “ótimo” de um pátio de estacionamento. Segundo ele, o artigo deveria conter tudo, mas tudo mesmo, que não pode faltar num pátio moderno. Na dificuldade de encontrar o tal artigo, fui conversar com o engenheiro supervisor do estagiário para me inteirar melhor do que ele queria. Fui informado que foi pedido ao tal estagiário que pesquisasse todos os componentes utilizados e sistemas adotados na organização de um pátio moderno. Com o assunto “operação de pátios” em mente, encontrei 34 artigos e estudos sobre o tema e entreguei ao estagiário. Ele, de olhos arregalados na pilha de copias de artigos, reclamou:
- “Mas eu queria apenas um artigo que contivesse todas as informações sobre o pátio ótimo”.
- “Bem, talvez você tenha que escrever esse artigo a partir da leitura do que você tem aí”. Foi o que pude responder ao estagiário preguiçoso.
Este relato ficaria capenga para as pessoas que trabalharam no OMT, se não fosse acrescido de algumas linhas sobre o ambiente de trabalho reinante no Departamento. Uma das coisas que prevalecia no local era que não havia distinção de tratamento entre os estagiários e os engenheiros; entre o pessoal administrativo e os supervisores técnicos; entre as chefias e os subordinados. O que prevalecia era um ambiente amigável e cordial entre todos. Para se ter uma idéia do nível de amizade entre os funcionários, todos os dias algumas turmas se juntavam na hora do almoço para comer fora, determinados pratos, não importando a distância. Naquela época ainda não havia cartão de ponto e, vez ou outra, chegávamos atrasados para o período da tarde. Nunca ninguém foi repreendido por isso, pois o trabalho não feito à tarde era complementado à noite. Esse hábito de comer juntos em restaurantes especiais, ficou tão marcado no pessoal, que mesmo depois que o OMT foi extinto (1976), boa parte continuou se encontrando para um jantar de confraternização ao final do ano. Em dezembro do ano passado, 32 anos depois, conseguimos reunir uns 30 amigos em torno da mesa, alguns deles ainda trabalhando no Metrô.
Foi desse modo que o Metrô de São Paulo foi construído, e este relato é de um ex-funcionário alinhavando a memória na intenção de, quem sabe, algum dia, tenhamos a história do Metrô contada por quem a fez. Está dada a partida neste espaço que dispomos aos interessados.
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José Domingos de Brito
Bibliotecário fundador do Sindicato dos Bibliotecários; organizador da obra “Mistérios da criação literária” e editor do site Tiro de Letra, trabalhou no OMT no período de outubro/1973-novembro/1975.
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