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Grandes entrevistas

 

Antonio Carlos Secchin

Entrevista conduzida por Luís Antonio Cajazeira Ramos, publicada na siite http://www.jornaldepoesia.jor.br (19/09/205)

Luís Antonio Cajazeira Ramos: — Em sua bagagem para três dias em Salvador, apenas seus livros de crítica literária: João Cabral de Melo Neto e Machado de Assis. Você não trouxe sua poesia. O crítico é mais importante do que o poeta?

Antônio Carlos Secchin: — O crítico acha que sim, mas o poeta pensa o oposto. No fundo, acho que ambos estão certos e errados. A poesia (pelo menos pretensamente) costuma invadir a linguagem do ensaísta Secchin, e um olhar autocrítico severo nunca abandonou o poeta Antonio Carlos.

LACR: — Sua tese de mestrado tem como objeto genérico a mesma do doutorado: João Cabral. Por quê? Comodismo, identificação, questão de método, idolatria?

ACS: — Costumo dizer que, como estudo a obra dele há mais de 20 anos, em breve serei o primeiro cidadão a reivindicar junto ao INSS uma aposentadoria em João Cabral. Faltou acrescentar que, além das teses de mestrado e doutorado (que, juntas, formam o livro João Cabral: a poesia do menos, TOPBOOKS), dediquei a ele o pós-doutorado, e preparei as edições dos Primeiros poemas (Faculdade de Letras da UFRJ) e a coletânea Os melhores poemas (Global). Quando analiso sua obra, a imagem que me ocorre é esta: um obsessivo falando de outro. É por aí, suponho, que ocorre uma identificação.

LACR: — As releituras exaustivas da obra cabralina foram transferidas para sua criação poética? Se não (ou se sim), onde residem suas influências?

ACS: — Minha poesia é completamente diversa da dele. Estudo os seus textos para aprender como ele faz, magistralmente, a poesia que eu não devo nem quero fazer. Um grande poeta não costuma deixar herdeiros, e sim produzir epígonos. A luz que vem de lá ofusca os que desejam chegar muito perto; a saída, então, é inventar outros caminhos. Um poeta apenas mediano abre espaços que não explora a fundo e, aí sim, permite que os sucessores levem às últimas conseqüências seus gestos desbravadores (penso aqui em Mário de Andrade). O artista maior abre mil portas, mas as deixa trancadas quando vai embora.

LACR: — Você é um jovem, um doutor antes dos trinta, trabalhado desde cedo para uma leitura crítica da literatura e da cultura. Essa formação acadêmica bitola ou alavanca?

ACS: — Acho quase impossível aspirar a ser um bom escritor sem estar provido de um lastro extenso de informação, acadêmica ou não. A crença ingênua na palavra “pura”, “espontânea”, ruiu com o Romantismo. Hoje em dia, um poeta “espontâneo” está condenado a repetir, à revelia, o discurso dos 570 poetas que ele não leu. A ignorância não lhe serve mais de alibi. Sou professor universitário desde os 23 anos, e não sei em que outra atividade profissional eu encontraria tanta receptividade e estímulo para me ocupar do que realmente me interessa: o diálogo entre a palavra e o mundo.

LACR: — A crítica acadêmica ou em profundidade perdeu o pouco espaço na mídia, hoje ocupado pelo resenhismo polivalente. Há uma crise da crítica?

ACS: — O que vem ocorrendo é uma danosa e artificial segmentação do discurso crítico. Em geral, quando se escreve para a universidade, o tom se torna pesado, pedante, capricha-se no vocabulário como se palavras mais arrevesadas conferissem profundidade a pensamentos muitas vezes rasteiros. Por outro lado, o espaço da mídia banaliza-se com palpiteiros de toda espécie, que mal sabem distinguir entre um verso e uma linha. As resenhas se transformam em trombetas encomiásticas e se confundem com releases das editoras, numa espécie de ação entre amigos para inflar a vaidade dos autores. O ideal é que o texto escrito para os jornais não abdique de seu caráter crítico a tal ponto que possa — por que não? — também circular na Universidade. E que o texto produzido na Universidade, se transposto para um periódico, abdique da opacidade de linguagem, caso deseje surtir um mínimo de efeito.

LACR: — Ninguém fica imune à salada cultural contemporânea, à televisão, ao espetáculo, à globalização, ao banal. Como integrar isso tudo com trabalho intelectual e criação literária?

ACS: — Não penso que seja possível ficar imune à globanalização da cultura. O simulacro, o trivial, a bijuteria e o pensamento prêt-à-porter são realidades tão ostensivas quanto o foram os saraus e os lampiões no século XIX. Num e noutro caso, não houve impedimento para que se produzisse boa e má literatura. Descarto o apocalipse e não engrosso o coro dos contentes. O talento, quando existe, desafina o coro e adia o fim do mundo.

LACR: — Alguém escreveu ficção no Brasil depois de Machado de Assis? O que é a ficção brasileira?

ACS: — É alguma coisa dividida entre a família de José de Alencar, composta dos querem “explicar o Brasil”, e a família dos Assis, que querem “se explicar, no Brasil”. Ambas deram seus belos frutos: Jorge Amado, na primeira, Clarice, na segunda. Sem falar (viva a nossa mestiçagem!) nos rebentos híbridos: Graciliano, Guimarães.

LACR: — Harold Bloom aponta dois poetas, Pessoa e Neruda, de culturas periféricas, como os do século XX, o que muitos consideram exotismo Há lugar no cenário mundial para a poesia lusófona, particularmente a brasileira?

ACS: — Infelizmente, não. Ninguém lê em português, tradução de poesia é quase impossível e o retorno comercial é nulo. A fortuna de Pessoa se deve ao fato de que uma parte de sua estupenda obra se expressa numa “poesia de pensamento”, de índole mais filosófica e com menos jogos verbais explícitos ( veja a “Tabacaria “, por exemplo), o que a torna mais suscetível de ser bem traduzida. Perde relativamente pouco, ao contrário do que ocorreria com um Jorge de Lima, que perderia tudo.

LACR: — Depois de meio século do Concretismo como poesia oficial, para que direção caminham os horizontes da poesia brasileira?

ACS: — Não penso que o Concretismo tenha sido a poesia oficial das últimas décadas. A grande referência, mesmo sem manifestos ou palavras de ordem, foi João Cabral. Que ele tenha sido erigido em patrono de algumas seitas não diminui Cabral, nem legitima as seitas. De minha parte, entendo o poeta como um solitário profissional. Dois poetas juntos já vira complô; três, academia. O poeta deve ser, literalmente, um desorientado e um desconfiado da direção que lhe apontam. Se já sabe para onde vai não vale a pena chegar lá.

LACR: — O que é que tem dentro do acarajé, além de vatapá, camarão, pimenta, ACM e Carlinhos Brown?

ACS: — Segundo o Aurélio, tem massa de feijão-fradinho frita em azeite de dendê. A poesia também é uma massa mestiça, produto de várias misturas, embora nem todos os ingredientes que você citou sejam palatáveis para o meu gosto.

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Entrevista conduzida por Aleilton Fonseca, extraida do site http://www.carlosribeiroescritor.com.br em 16/09/2015

O poeta, crítico e professor Antonio Carlos Secchin (1952), publicou recentemente seu mais novo livro, Cinqüenta poemas escolhidos pelo autor”, pela editora Galo Branco, numa coleção que conta com grandes nomes da poesia brasileira contemporânea. Pouco antes, o autor havia publicado seletas poéticas do poeta neo-parnasiano Mário Pederneiras e do poeta romântico Fagundes Varela, numa tentativa de resgatá-los do esquecimento crítico e do limbo editorial. Com estudos agudos e uma poesia vigorosa, Secchin é hoje um dos mais ativos intelectuais do país. Em 2004, ao tomar posse na Academia Brasileira de Letras, o poeta tornou-se, e ainda permanece, o mais jovem imortal da Casa, como um emblema de uma renovação que começa a despontar nos horizontes acadêmicos neste início de século 21. Nesta entrevista. o autor fala do seu trabalho como poeta e crítico.


Aleilton Fonseca – Como o poeta Antonio Carlos Secchin se situa no panorama da poesia brasileira atual?

Antonio Carlos Secchin – Fora dos grupos de índole belicosa que dividem o mundo da poesia entre “aquilo que nós fazemos” e “a idiotice dos outros”. Espanta-me que, num circuito de leitores tão rarefeito como o da poesia, se perca tanto tempo enfatizando-se os possíveis equívocos alheios daqueles que não seguem o catecismo em que cada grupo inscreveu os mandamentos da sua inabalável “verdade” poética.

AF – No seu caso, que relações há entre o criador e o crítico no trato diário da literatura?

ACS – Como professor e crítico, tento levar a poesia aos alunos e leitores, por meio de uma linguagem que não os atemorize ou intimide, mas que, ao contrário, soe como convite acolhedor à fruição de uma das mais fascinantes aventuras do espírito humano. Como poeta, noutra escala, também busco elaborar uma mensagem que seja transitiva. Num e noutro caso, trata-se de compartilhar um texto onde fique visível e audível a paixão pela palavra.

AF – Em que medida a condição de poeta interfere na tarefa de lecionar literatura para alunos que serão professores, não necessariamente escritores, num país de pouca leitura?

ACS – Às vezes, tento deixar o poeta do lado de fora da sala, mas nem sempre consigo impedir que ele acabe entrando pela janela… Você, que é também escritor, decerto já terá vivenciado a experiência em que alguma percepção de momento, alguma chispa de combustão poética, ilumina o que havia preparado para a aula, levando-a a inesperados desdobramentos. Estou sempre receptivo a essas incursões do imprevisível. Quanto aos alunos, parto da premissa de que eles podem, até, pouco ou nada saber, só não devem desejar não saber. Tento aferir com cuidado o solo de (des)conhecimento de onde parto,e então procuro fazer os alunos moverem-se com alguma segurança a partir desse “ponto zero” comum à turma.

AF – Você faz parte da histórica antologia 26 poetas hoje, organizada por Heloisa Buarque de Holanda. Em que você ainda participa daquela proposta e em que seus caminho o afastaram daqueles companheiros?

ACS – A rigor, nunca participei da proposta daquele grupo, dos chamados “poetas marginais”, a supor que ali houvesse de fato alguma proposta consensual. Desde aquela época, nos anos 1970, me movia uma preocupação com o rigor do texto que era minimizada, quando não ridicularizada, por vários dos mais proeminentes nomes do movimento. Sempre temi que o exacerbado elogio do “espontâneo”, então vigente, acabasse acobertando e fomentando o desleixo e a ignorância.

AF – O que o livro Todos os ventos representa em sua poesia?

ACS – Ambas as coisas. Apesar de não muito volumoso (Ivan Junqueira denominou-me “ o poeta do pouco”), reúne, revista, minha produção anterior, na segunda metade do livro, e poemas escritos a partir de 1998, que são os meus preferidos. De modo sintético, diria que procurei, nos textos mais recentes, ampliar a faixa de comunicabilidade, sem renunciar à demanda do rigor construtivo.

AF – Se a crítica vem perdendo/perdeu espaço e credibilidade, a que atribuir isso?

ACS – Em boa parte, à ausência de leitores. Costumo dizer que há mais poetas do que leitores de poesia, na medida em que nem mesmo os poetas costumam ser assíduos leitores de seus pares… ou ímpares. Por outro lado, parece-me fundamental, sob pena de afastar ainda mais o leitor do livro, que o crítico leve em conta a especificidade do veículo onde escreve. Uma resenha em jornal será inócua se exibir-se com linguagem característica de uma aula de pós-doutorado.

AF – Pode-se levar a sério o debate da crítica, quando um crítico elogia um autor citando certos aspectos que outro, não menos aparelhado, enumera como defeitos irremediáveis? 

ACS – Nada mais instável do que a bolsa de valores literários. A função da melhor crítica talvez seja a de compreender, mais do que a de julgar. Entender a proposta do outro (mesmo que em divergência com nossos valores), a partir dos pressupostos de formulação dessa proposta, em vez de liminarmente desqualificá-la . O desconhecimento disso leva a fundamentalismos do tipo “a grande poesia morreu com o século XIX” ou “só a vanguarda interessa”.

AF – Entre o resenhismo superficial e o peso da crítica acadêmica pode haver um ponto de equilíbrio?

ACS – O resenhismo só é superficial quando se restringe a ser peça publicitária, ação entre amigos ou acerto entre desafetos. O equilíbrio reside numa soma de fatores, que passa pela consistência da formação teórica, pelo conhecimento do legado clássico, pela abertura a novos discursos, sempre considerando que nenhuma versão do literário, presente ou pretérita, proscreve as demais .O crítico ocupa o mais valioso espaço de intermediação entre livro e leitor; o desejável é que não aumente o fosso entre ambos.

AF – Sua carreira de crítico está ligada ao estudo da poesia de João Cabral de Melo Neto. Este é um projeto encerrado ou os estudos prosseguem?

ACS – É capítulo encerrado. Após 28 anos de contínua contribuição pedi aposentadoria proporcional ao tempo de serviço cabralino. Determinado poeta expressou ciúme, dizendo que eu só estudava Cabral, mas fiz-lhe ver que já havia publicado matéria sobre mais de 50 outros poetas brasileiros, ele inclusive… Quanto a possíveis contribuições acerca da compreensão do universo cabralino, convido o leitor a tirar suas próprias conclusões, se tiver coragem de enfrentar as 300 páginas de João Cabral:a poesia do menos.

AF – Numa comparação histórica, a literatura brasileira está melhor hoje do que no passado?

ACS – A literatura me parece mais plural, o que em si não é mérito nem demérito, mas conseqüência de suas novas e maiores possibilidades de circulação, inclusive eletrônica. A canonização é circuito que se dissemina por várias frentes: a crítica de jornal, a sala de aula, a presença em antologias, a inclusão como objeto de dissertações e teses, a inserção da obra e do autor em histórias literárias e – por que não dizer? – os canais de relação pessoal e de acesso ao poder de determinados autores que pressurosamente se autocanonizam, na ilusão de já estarem degustando previamente um naco da glória póstuma; esses, em geral, são os primeiros a serem esquecidos…

AF – Num mundo pragmático e globalizado, qual a saída da literatura; adequar-se ao mercado ou resistir?

ACS – Não sou apocalíptico, creio que sempre haverá literatura para todo tipo de demanda. A literatura do sim, do conforto, continuará interessando ao público. No outro lado estarão os autores que interessam à humanidade.

AF – No mundo de hoje, a poesia é veleidade, necessidade ou resistência?

ACS – Em “Despedida de Orfeu”, Murilo Mendes define o poeta como “criptovivente”. Penso que o poeta é um decifrador às avessas: em vez de traduzir os signos desconhecidos numa linguagem compreensível, ele cifra os signos comuns numa linguagem própria, poética, desestabilizando os marcos de segurança que assentavam palavras e as coisas em lugares preestabelecidos. Nesse sentido – o da prática de deslocamentos – o discurso do poeta é sempre social, ainda quando fale de nenúfares e nuvens.

AF – Recentemente, você trouxe à tona dois autores esquecidos: Mário Pederneiras e Fagundes Varela. Qual a valia de se reler hoje esses poetas considerados secundários?

ACS – Quando visito os sebos, me deparo com dezenas de poetas (que em geral são colocados em prateleiras de difícil acesso) à espera da mão que os retire do limbo e da leitura que os devolva à vida. Os poetas contemporâneos dispõem de todos os meios para se fazerem ouvir. Gosto de passear no silêncio clamoroso dos esquecidos no passado, para tentar distinguir, entre eles, os que de fato estão mortos — e deixo-os em paz — e os que estão apenas adormecidos.

AF – Seu livro mais recente é uma seleção de 50 poemas escolhidos pelo autor. Qual o critério dessa seleção e o que ela representa na sua bibliografia?

ACS - Na antologia, revela-se o poeta como crítico de si próprio, exposto aos riscos de qualquer ato de leitura, inclusive o dos erros e acertos na avaliação dos textos. Segui um duplo critério: escolher poemas que me parecessem menos imperfeitos e fornecer uma amostragem das várias facetas, às vezes antagônicas, que tento cultivar.

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Entrevista concedida a Rodrigo de Souza Leão para o Balacobaco, publicada no site http://www.gargantadaserpente.com (16/09;2015)

 

No tempo em que o dinheiro é quase tudo, quem são esses homens e mulheres que se dedicam a poesia? Quem é o poeta brasileiro? Por que você escolheu a poesia (ou foi escolhido)?

A poesia é o oposto do pragmatismo. Não apenas tempo, palavra é dinheiro. A poesia diz não a essa ordem; e (fina ironia) às vezes até consegue ser remunerada para dizê-lo. Creio que ninguém consegue ser poeta em tempo integral. Mas, se aproveitarmos as frestas e os momentos em que ela aparece, isso já dá para reavaliar e melhorar todo o restante, quando, mesmo não estando presente de forma direta, ela se manifesta nos efeitos duradouros que deixou.

No poema SOBRE CRUZ E SOUSA - CISNE você escreve à maneira simbolista. É esse o objetivo do poeta no século XXI? Recriar o passado é uma ambição pós moderna e da sua poesia?

Se num poema for possível destacar só o conteúdo, ou valorizar apenas a forma, é porque o texto está ruim. Quanto ao "Cisne", foi tentativa de homenagear Cruz e Sousa através de uma linguagem próxima à dele, encenando um combate entre o cisne simbolista e o parnasiano, que ganhou a disputa na hora, mas a perdeu na História.

O poema VER é rico em metáforas e imagens. O que deve haver num poema de sua autoria?

De preferência, um olhar novo sobre o que escrevo. Daí a importância fundamental da metáfora, com sua capacidade de deslocar aproximações já preguiçosamente sedimentadas na língua.

Em SOBRE ALVAREZ DE AZEVEDO - É ELE está escrito: "Leva canções de amor e medo./ Cachoeiras de metáforas,/oceano de anáforas, virgens a quilo". Com quantas metáforas se faz um poema? Quando o poeta, como falava João Cabral, está perfumando a flor?

Cabral, ao dizer que "flor é a palavra flor", não desmetaforiza, mas cria nova metáfora, a literal, se assim posso dizer. O cosmético significa os perfumes expostos no balcão do lugar-comum. O poeta tem que compor com sua química própria, senão será apenas um balconista da palavra alheia.

BIOGRAFIA utiliza de antítese para a obtenção do efeito desejado. Você tem um projeto para escrever o poema que surge? Como é o processo de elaboração do poema?

É como consta de "Biografia": "numa hora eu já o levo / outra vez ele me guia". É como numa corrida de revezamento, com obstáculos. A diferença é que nunca temos certeza se de fato conseguimos transpor a linha de chegada, ou se embarcamos num atalho errado...

"E um crítico, maldizendo a sua sina,/rosnaria feroz/contra minha verve/sibilina" está no seu poema intitulado CONFESSIONÁRIO. A função do crítico não é a de entender os hermetismos? Um crítico que é poeta está mais capacitado para falar de poesia?

O crítico pode sinalizar acessos ao texto, mas tendo a humildade de enfatizar que há outras inúmeras e não-ditas portas de entrada. O crítico-poeta, de um lado, estaria mais capacitado a falar de poesia pelo fato de praticá-la; mas, por esse mesmo fato, pode tornar-se dogmático, ao querer enxergar nos outros poetas o modelo de poesia que ele, crítico, pratica.

Você é professor. Não há um fosso entre poetas e a universidade? Como construir uma ponte onde seriam trocadas as experiências?

No meu caso, levo sempre poetas à universidade. E nas aulas, na medida do possível, tento levar os universitários à poesia.

O que a nossa literatura perdeu com a morte de João Cabral de Melo Neto? Qual o legado que o poeta deixou?

Deixou um imenso território, que não poderá ser ocupado por ninguém. Costumo dizer que o artista de exceção fecha os caminhos que abriu, pois sua marca é tão inconfundível que, trilhando esses caminhos, só se poderá produzir um pastiche. Gostaria que na lápide poética de Cabral estivesse escrito: NÃO ME IMITEM. Isso seria benéfico para a poesia brasileira.

Hoje o poeta é um intelectual que fala 9 línguas, faz traduções, resenhas, críticas, ensaio etc. A poesia se sofisticou? A obra poética não está ficando em segundo plano?

A poesia brasileira contemporânea ostenta marcas de sofisticação intelectual, sem que isso implique necessariamente ganho qualitativo. Ter mais acesso à informação não significa saber transformar essa informação em poesia. Se é no corpo-a-corpo com as palavras que se faz o poema, às vezes o corpo excessivamente paramentado do artista pode até dificultar a consumação do ato...poético.

É possível dividir a poesia brasileira de hoje em grupos? Quais seriam eles?

Sempre é possível dividir o que quer que seja. No panorama atual, vejo mais "facções" do que "grupos". Me parece algo excessiva e ostensiva a briga pelo poder, a intriga da miúda "vida literária", o embate para saber quem ocupa o posto número l, e por aí vai. A poesia, felizmente, não tem nada a ver com isso.

A revista POESIA SEMPRE passou por diversas mudanças. Como é ser editor da revista? Quais são as mudanças para o ano 2000?

Não mais edito Poesia sempre, e espero que a revista possa sobreviver às intempéries das restrições orçamentárias do Governo, pois, de todas as publicações dedicadas à poesia, creio que é a mais aberta à multiplicidade de tendências.

As editoras não apostam e nunca apostaram na poesia. O que é necessário para que a poesia se torne o que foi na antiguidade? É um perigo falar de poesia pop?

Jamais a poesia voltará a ser o que foi na Antigüidade, até porque hoje seu discurso enfrenta muito mais concorrentes; quanto a isso, não sou nostálgico nem otimista. Acho que a poesia continuará a ser uma exigência de poucos, e sou avesso a sua facilitação porque, muitas vezes, vende-se como poesia o que não passa de um seu grotesco simulacro.

Como utiliza a internet? Quais os sites prediletos?

Quase exclusivamente para e-mails, recebimento e envio de artigos e poemas... Também freqüento o "Jornal de poesia" e algumas livrarias.

Tem algum mote?

Não. Prefiro sempre a glosa, que pode, inclusive, contradizer o mote...

Qual o papel do escritor para a sociedade?

Qualquer um, desde que não seja carbono.

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Entrevista concedida a Ademir Pascale editor do site www.cranik.com em 6/2/2009

 

Ademir Pascale: Como foi o início da sua trajetória como escritor?

Antônio Carlos Secchin: Quando, na adolescência, descobri que a literatura não é o lugar das poucas coisas que aconteceram, mas das inumeráveis coisas que poderiam ter acontecido: o espaço do possível e do impossível, para além da estreiteza da vivência anódina do cotidiano.

Ademir Pascale: Quais são as principais influências na construção de suas obras e com qual autor você mais se identifica?

Antônio Carlos Secchin: Do ponto de vista de minha formação de crítico, estudei por mais de 20 anos a poesia de João Cabral e, curiosamente, sua presença quase não se vê em minha obra poética. Acho que devemos estudar os grandes nomes não para imitá-los, mas exatamente para, ao perceber sua grandeza, sabermos que é necessário ir por outros caminhos.

Ademir Pascale: Como foi a experiência em garimpar tesouros literários e encontrar a rara obra "Espectros" de Cecília Meireles? Onde os interessados poderão encontrá-la?

Antônio Carlos Secchin: Encontrei Espectros, o primeiro (e renegado) livro de Cecília Meireles, no acervo particular de um livreiro de São Paulo. A obra era considerada perdida. Foi incluída na edição do centenário da autora, que preparei, em 2001, para a Nova Fronteira.

Ademir Pascale: Como um exímio colecionador de obras raras e um dos principais bibliófilos do país, existe alguma obra em sua biblioteca que se destaca das demais? Se sim, qual e por quê?

Antônio Carlos Secchin: Minha biblioteca comporta mais de 10 mil títulos, com ênfase na literatura brasileira. Frente a esse conjunto, seria injusto ou impossível destacar um só título. Mas, como todo bibliófilo, posso dizer que o melhor livro é aquele que ainda virá. Se considero o acervo completo, o prazer da busca se extingue.

Ademir Pascale: E o que você diz sobre "O Guia de Sebos" (Editora Lexikon)?

Antônio Carlos Secchin: Foi iniciativa pioneira de fornecer aos interessados um mapeamento dos sebos de várias capitais. Deu-me grande trabalho e satisfação fazê-lo, em suas muitas edições. Hoje em dia, ele não poderia dar conta da multiplicação de sebos na Internet, mas não deixa de ser um guia seguro para quem faz questão de percorrer "ao vivo" as estantes dos sebos.

Ademir Pascale: Como Dr. em Letras, professor, grande escritor, exímio colecionador de obras raras e membro da Academia Brasileira de Letras, ocupante da cadeira de nº 19, no seu ponto de vista, o que precisaria ser feito para que o brasileiro se interessasse mais pela leitura?

Antônio Carlos Secchin: Uma intensa política de incentivo à leitura que se iniciasse no segmento inicial da educação. Se não se entra na leitura pelo primeiro vagão, depois ela só virá a reboque.

Ademir Pascale: É notório o crescimento no interesse por parte dos leitores brasileiros, por obras dos gêneros Fantasia, FC e Horror. Na sua opinião, quais seriam as principais influências causadoras?

Antônio Carlos Secchin: A facilidade desses gêneros, ao trabalharem com emoções em estado bruto. Quanto mais elaborados e complexos forem os sentimentos expressos numa obra, provavelmente menos leitores ela conquistará, mas aí, mesmo com perda de leitores, é a literatura que sai ganhando.

Ademir Pascale: Quais são as suas dicas para os que desejam ingressar no meio literário e futuramente publicar um livro?

Antônio Carlos Secchin: Ler o máximo, escrever o mínimo - em geral, tende a ocorrer o contrário...

Perguntas Rápidas:

Um livro: A rosa do povo, de Carlos Drummond de Andrade
Um(a) autor(a): Guimarães Rosa
Um ator ou atriz: Kaká de Carvalho, em Meu tio, o Iauaretê
Um filme: Amarcord, de Fellini
Um dia especial: O de minha lembrança mais antiga: a véspera de fazer 3 anos.
Um desejo: Não esquecer nenhuma véspera da infância: as do aniversário, as do Natal, a véspera de ver o mar pela primeira vez.

Ademir Pascale: Mais uma vez agradeço pela gentileza. Desejo-lhe muito sucesso. Um forte abraço.

Antônio Carlos Secchin: De nada, tudo de bom, Secchin.  

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