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Enfermidade e criação

Delmino Gritti

     Aristóteles perguntava-se: Por que razão todos aqueles que têm sido pessoas excepcionais no que se refere à filosofia, às ciências, à poesia ou às artes, são claramente melancólicos?

     Desde a antiguidade, a criação artística foi relacionada com o estigma físico. A concepção de uma força superior era inseparável do sofrimento. Para Aristóteles, a melancolia era uma tristeza sonhada e vinculada à imagem do artista e era também uma mescla de humores que marca a natureza da personalidade.

     Para Sócrates, criar era um estado divino que nos faz sair das regras estabelecidas. Aqui cabe uma pergunta: Como explicar que tantos artistas enfermos puderam criar obras sãs e por outro lado, artistas sãos terem criado obras com aparência de enfermidade na sua origem? Há um provérbio que diz: Todas as dores gritam, só a saúde é muda.

     Não cabe dúvida que os grandes criadores não são pessoas comuns, mas muito diferentes dos simples mortais em muitos aspectos. Sabemos também que sempre são incompreendidos. A grande lucidez de olhar único converte-os em grandes visionários.

     Para Otto Rank, as neuroses em si não alimentam o artista. O artista cria apesar da neurose. A exaltação criadora é íntima da melancolia, irmã da depressão e filha da mania, mas também parenta próxima da loucura quando a obra já não consegue conter todos os efeitos. “São tão parecidos o gênio e a loucura”, afirma com segurança Diderot. E diz mais: “O comum dos mortais olha sem ver, o ser humano genial vê com tanta rapidez que quase o faz sem olhar”.

     Os criadores são seres fora do comum, fora do momento, fora de sua época. A grande lucidez de seus olhares únicos os torna visionários. Possuem em sua pupila uma visão terrível que nunca os abandona.

     “Ébrios de sonhos e intuição, no seu avance quase inconsciente sobre as águas do abismo, têm atravessado o raio estranho do ideal e este os tem penetrado para sempre. Um pálido suor de luz cobre seu rosto. A alma sai pelos poros. Que alma? Deus”, disse Víctor

     Nos criadores mesclam-se muito intimamente atitude filosófica, a busca poética e enfermidade depressiva que experimentarão dolorosamente esses insaciáveis sonhadores do absoluto.

     Platão no seu livro Fedro e em Teeteto, diz que os seres humanos geniais se enfurecem com facilidade e estão sempre fora de si mesmos. Dai a palavra êxtase que literalmente significa sair de si mesmo. Isto reflete muito bem o desdobramento da loucura ou da criação, o extravio do espirito alucinado, iluminado ou inspirado de acordo com o contexto em que se expressa.

     Há um provérbio latino que diz: “Não há grandeza de espirito sem uma parcela de loucura”. Portanto, sempre há certo delírio nos grandes espíritos e como disse acima, sempre são pessoas incompreendidas. As características psíquicas aberrantes que no comum das pessoas se consideram como morbidez, podem ser na criação artística fonte de originalidade e fascinação e poderia até constituir sua origem. Algumas enfermidades psiquiátricas podem ser entendidas como forma diferente de pensar. Assim foram caracterizados Miguel Ângelo, Beethoven, Virginia Woolf, Van Gogh e muitos outros. Deles se tem dito que sua arte deveu- se em parte aos transtornos psíquicos.

     Um exemplo de articulação entre gênio e loucura está no caso de A. Rimbaud. Ele representa o fulgor e a precocidade, mas também ao mesmo tempo a presença de sua loucura e a fuga preservadora. Escreve sua obra revolucionária (Uma temporada no inferno) em quatro anos, entre os dezesseis e dezenove anos, no transcurso dos quais consegue chegar ao mais profundo de si mesmo e “inventa” a poesia moderna.

     Diante de tudo isto diria que o criador assemelha-se a um vulcão que desperta, sua personalidade será intensa e duramente perturbada e que muitos artistas jamais recobram a paz.

     Em todas as biografias dos grandes criadores, sempre são retratados como seres excepcionais, que se revoltam contra a ordem social, retiram-se do mundo para refugiar-se no exilio da criação. Por esta razão são sempre considerados como seres não sociais e loucos.

Stendhal, na sua obra “Vida de Mozart”, diz: “Talvez sem essa exaltação da sensibilidade nervosa que chega até à loucura, não há gênio superior nas artes que requerem ternura”.

     “A solidão é a escola do gênio”, disse E. Gibbon.

     É possível dizer que um romance, um poema, uma criação artística é um grito frente uma situação de dor física ou psíquica?

     A dor é uma sensação subjetiva e dependendo do significado que lhe damos pode estimular em alguns escritores a expressão de emoções ou de ideias que de outra forma não aconteceria.

     Diz-se que T. S. Elliot escrevia seus melhores versos quando tinha gripe. No dizer da escritora Nuria Barrios, “a dor não é imprescindível para criar, mas sim uma das catapultas e uma das melhores. A literatura oferece a capacidade do esvaziamento, da fuga de si mesmo, de sair e contemplar o que acontece de outra maneira e acrescenta um valor terapêutico. Por isso, a dor funciona de maravilha como motor criativo”.

     Graciliano Ramos teve várias depressões e angústias. Para disfarçar a solidão, escrevia sempre que podia. Sofreu várias ameaças de morte. E quando estava com a saúde arruinada e sem dinheiro, não pedia nada a ninguém.

     Clarice Lispector sempre dizia que sua força estava na solidão. Escrever é uma maldição, mas é uma maldição que salva.

     Para Nélida Piñon, o livro não é gerado só pelo escritor. Ele é gerado pelas forças que eu engoli, que eu traguei, com voracidade, com antropofagia dentro de mim.

     “Quando você está feliz da vida, você não sente necessidade de nada, você está feliz. Você sente necessidade de expressão no momento em que falhou alguma coisa na sua vida. Eu penso que um estado puro de felicidade e beatitude é estéril”, disse Drummond.

     “A alegoria chega quando descrever a realidade já não serve. Os escritores e artistas trabalhamos nas trevas e como cegos verificamos a obscuridade”. (José Saramago)

     Para Olga Orozco, os castigos que sociedade inflige ao poeta, ao artista, por sua falta de adaptação aos seus valores que não são os seus, são paralelos aos que o poeta impõe-se a si mesmo por essa mesma inadaptação e que compreende uma intolerável gama de angústias, penúrias e infernos, até chegar às vezes à autodestruição.

     Para R. Juarroz, a arte exige muita dor, muito sacrifício, uma quota bastante grande de incompreensão, de marginalização. A arte não é uma debilidade. É uma força ainda que aniquile a quem a pratica.

     “En una vocación literaria, la neurosis puede actuar como freno o acelerador: ahoga en su nebulosa a la inteligencia, la sensibilidad, el deseo de escribir o, por el contrario, lo estimula, lo potencia. Esta última posibilidad es lo que suele llamarse “talento”. (Edgardo Dobry)

     “Quantas vezes, mergulhado em negras depressões, na mais desesperada angústia, o ato criador foi minha salvação e meu baluarte. Os grandes criadores realizam suas obras sob tensões que abalam suas existências. Escrever produzia-me dores de estômago e má digestão. Sofria de insônia e outros males. A arte nasce do desajuste, da ansiedade e do descontentamento do artista com este mundo. Escrever sempre foi um tormento muito grande. Não é um gozo e nem um passatempo”, disse E. Sabato.

     Dostoievski explorou o máximo nos seus romances as sensações que experimentava durante a enfermidade (era epiléptico), a qual lhe serviu a não menos de cinco de seus personagens, sendo o principal deles o príncipe Myshkin do romance “O idiota”. Caracterizou seus personagens com os mesmos sintomas que experimentava, em especial sua famosa irradiação luminosa anterior a seus ataques, que é característica na literatura médica. No encontro que teve com Demetrio Merejkovsky, autor de Leonardo da Vinci, pôs sua mão no ombro do iniciante poeta e lhe disse: Jovem, sofra primeiro. Depois escreva seus poemas.

     A aura chegava para ele como um êxtase que o afastava do resto das pessoas. Era semelhante àquela que experimentava De Quincey nos seus sonhos de ópio e Huxley quando se intoxicava com mescalina.

     Diz Dostoievski: “As forças vitais uniam-se convulsivamente ao mesmo tempo e me levavam a mais alta consciência que pudera alcançar. A sensação de viver, de ser, multiplicava-se dez vezes nesses momentos; todas as paixões, todas as dúvidas, todas as inquietações eram resolvidas numa grande paz; depois vinha uma tranquilidade cheia de ilusão e de harmoniosa alegria e esperança. E de repente parecia como se algo saísse da alma; uma luz radiante, desconhecida e indescritível pelo que se podia ver e reconhecer a mais íntima essência das coisas... este sentimento era tão forte e tão doce que, poder desfrutá-lo, ainda que só e por alguns segundos, com gosto daria dez anos de minha vida, e até a vida inteira. Que importa que seja uma enfermidade? Que me importa que seja normal ou anormal, se ao recordá-la quando já passou e gozo de saúde, ainda sinto esse momento como de uma perfeita beleza e harmonia, e faz surgir em mim emoções até então desconhecidas, sinto-me marcado por um sentimento de magnificência, de abundância e de eternidade e me reconcilia com todos; ela surge gloriosa e celestial na mais alta síntese da vida”. A epilepsia foi um importante ingrediente na sua vida e que teve muita influência em sua obra.

     Flaubert, também epiléptico, entre um e outro ataque nunca experimentava dificuldades para escrever. Ao contrário, o ajudava a expressar com grande rapidez e facilidade, uma linguagem concisa e bem descritiva. Pouco antes que apareceram as crises notava que aumentava sua produção literária. Madame Bovary foi escrita num período muito intenso de sua enfermidade.

      Para H. Michaux, escrever constitui uma atividade produzida a partir da angústia e da melancolia.

    Van Gogh: Suas telas as tem realizado num período particularmente turbulento, de sofrimentos e nos momentos em que precediam seus ataques epilépticos. Numa oportunidade confessa para seu irmão Théo depois de um ataque: “Estou em pleno furor de trabalho. Quanto mais disperso, enfermo e quebrado me torno, mais artista criador me sinto nesse grande renascimento da arte. Carrego a pintura na pele. Pintar é como tocar de leve o infinito”.

     Lord Byron chegou a afirmar que o apego à poesia é o resultado de uma mente inquieta num corpo incômodo (possuía um pé deformado).

     Frida Kahlo é um exemplo impressionante do fato de que uma enfermidade grave exerce uma influência determinante sobre sua vida e sua atividade criadora.

     Há outros casos muito interessantes sobre esta questão da enfermidade na vida dos escritores e artistas. Beethoven por exemplo, nunca assumiu sua enfermidade. Não só teve que arrastar desde cedo a penitência de sua surdez, como também foi durante toda sua vida um homem literalmente enfermo.

     Kafka também não aceita sua enfermidade (tuberculose). No entanto gosta de falar

dela, tanto nas cartas a seu amigo Max Brod, como à sua amada Milena; recria-se na sua peculiaridade e confessa dúvidas em relação à medicina, ao mesmo tempo em que constrói mundos simbólicos em torno da doença. Desde que meus sofrimentos não sejam grandes demais, ficaria muito contente em morrer. O que escrevi de melhor deve-se a essa capacidade que tenho de morrer contente, disse Kafka. Em seu Diário diz que a energia do desespero é como um autêntico parto, só tem saída na angústia e na loucura ou bem na obra. Se não se supera a crise mediante a obra, a angústia e a loucura acabam impondo-se.

     Oscar Wilde tentou fazer de seus sofrimentos e de sua morte uma obra de arte como pretendia fazer de sua vida.

     Blaise Pascal doente foi o maior dos sofredores, fortalecendo-se com os golpes recebidos como se fossem outros sinais de sua eleição. Depois de completar dezoito anos não houve um dia que não fosse atormentado pela dor. “Devemos aprender a beneficiar-nos do mal, que é constante, mais do que do bem, que é esporádico. Ao dirigir-se para sua irmã, disse: Tu não conheces os inconvenientes da saúde e as vantagens da enfermidade”. Morreu com trinta e nove anos, em razão de um tumor no estômago.

     E. Cioran, lendo o comentário que Pascal fez à sua irmã, considerou também a enfermidade como determinante na criação. “Não tenho escrito nada que não tenha surgido de um grande sofrimento. Todos meus livros são resumos de duras provas e desconsolos, quinta-essência de tormento e de fel, são todos eles um só e mesmo grito”. Acercou-se à poesia para entender que a angústia é benéfica. “Uma lágrima tem sempre raízes mais profundas que um sorriso. Um grito de desespero é muito mais significativo que uma observação sutil”.

     A. Strindberg diz: “São poucos os que possuem a fortuna de poderem tornar-se loucos, poder criar e dominar seus demônios”.

     Kant era melancólico e sofria de alucinações, e sua doença se revelava na extrema engenhosidade de que se valia para nunca ficar doente. “É inconcebível o que pode conseguir o ser humano, inclusive no meio de seus sofrimentos, com grande força de vontade. De fato, o sofrimento poderia ser o único meio de obter essa enorme vontade”.

     Rilke, em relação à leucemia que estava sofrendo, diz: “E eu, que jamais consegui olhá-la de frente, aprendo a suportar a indizível dor anônima. E no momento em que já não podia mais receber visitas, pergunta-se: Mas nós, a partir de certo grau de sofrimento, somos ainda nós”

     A obra de arte é o resultado de haver estado em perigo, do fato de ter ido até o extremo de uma experiência que nenhum ser humano pode superar. Isto significa que o criador aponta uma região mais além de si mesmo e a alcança.

     Diz-se também que o diamante só brilha quando é polido. Portanto, a enfermidade é um sintoma do seu próprio poder criador e não um sintoma de impotência. “Uma obra de arte é boa quando nasce de uma necessidade. E a natureza de sua origem a que a julga”.

     Pavese disse que ao sofrer aprendemos uma alquimia que transfigura o barro em ouro, a desgraça em privilégio.

     Freud, exilado em Londres, sabendo que o câncer iria “tomar seu lugar”, encarou a perspectiva de morrer como uma empreitada difícil, mas honrada. Até a véspera de sua morte, não deixou uma só vez de dar corda no relógio do consultório. Se Freud amava tanto a literatura, é porque ela restaura o que a vida nos faz perder.

     “Nos momentos de penúria agasalho-me com leituras. Os livros são meu esconderijo”. (Delmino Gritti)

     Maria Kodama, numa entrevista disse: Se Borges tivera boa vista, talvez não teria sido escritor.

     Para Kierkegaard, “o poeta é um ser desgraçado que tem o coração ferido por ocultos sofrimentos, porém os lábios estão formados de tal maneira que quando escapam deles suspiros e lamentos, estes soam como uma bela harmonia”.

     De acordo com Peter Sloterdijk, muitos escritores seguem instalados na certeza de que o real está escrito num manuscrito de dor, feiura e dureza. O estado natural do escritor é a desesperança, a antivida. "Quando me encontro feliz não escrevo, limito-me apenas a viver a vida", disse Julio Aumente.

     É uma ideia muito difundida que o artista obtém seu poder de alguma mutilação que padeça. A ferida da ostra é o que produz a pérola.

     Hölderlin possuía uma fé heroica na santidade e no poder nobre da dor. De acordo com alguns intérpretes mais entusiastas, seu poder criativo alcançou sua completa força e originalidade durante os anos de sua enfermidade.

     Novalis, o poeta da morte, que morreu de tuberculose aos 28 anos, experimentou um impulso místico: “Não será que a enfermidade é um meio para chegar a uma síntese mais elevada, um fenômeno de uma grande sensibilidade a ponto de transformar-se num poder superior?”

     Para Nietzsche, o sofrimento sempre era bem-vindo como incentivo para criar.

      Schopenhauer no seu agudo pessimismo sempre encontrava um valor positivo na dor por causa da intensidade da sensação que produz e atribui um valor negativo ao bem estar. “Sem a enfermidade e a angústia, eu teria sido um barco à deriva”.

     Edvard Munch também diz: “Sem a enfermidade e a angústia eu teria sido um barco à deriva”.

      Emily Dickinson num belo poema, diz: (...)      

                  O que perdi na enfermidade, foi perda?

                  Ou foi essa utilidade Etérea

                  Que se obtém ao medir o Túmulo

                  Para depois medir o Sol.

     Thomas Mann vai mais além da consideração da dor como um fato espiritual. No seu livro “A montanha mágica” e “Dr. Fausto”, a enfermidade não aparece como forma depravada

da vida, e sim como essência desta. Sustenta que há uma grande relação entre enfermidade e criação artística. “Os grandes artistas são grandes inválidos. A enfermidade é o meio pelo qual se adquire conhecimento”. O enfermo é o ser mais espiritual que existe porque sabe instintivamente que seu estado não introduz um desvio, e sim a constatação da essência patológica da própria vida. Virginia Woolf em sua ficção deplorava a pobreza da linguagem para descrever a enfermidade, a dor física e mental.

     Charles Pèguy dizia que ao escrever vivia no estremecimento. E quanto mais avançava, mais medo o possuía.

     Schumann (compositor) desfrutava alternativamente de períodos maníacos e depressivos e tinha, igual que Haendel e Van Gogh, uma assombrosa facilidade e rapidez para criar durante as fases maníacas.

     Heinrich Heine expressa poeticamente num poema:

                     Se meu mal bem pode ser a causa

                     Primeira de meu impulso criativo,

                     Minha criação expurgou meu organismo,

                     Criando recuperei saúde e juízo.

    Graham Greene também pondera: “Escrever é uma forma de terapia. Às vezes me pergunto como logram escapar da loucura, da melancolia, do pânico, que são estados próprios da condição humana, os que não escrevem, não compõem e nem pintam”.

     Proust sustentava que “tudo o que é importante foi criado por neuróticos. Eles criaram grandes obras. Desfrutamos de música deliciosa, belíssimas pinturas e milhares de pequenos milagres, sem nos determos a pensar o que tem custado aos seus criadores em insônias, dúvidas, sofrimentos, epilepsia e, o que é ainda pior, o temor à morte”. Ao dar-se conta que a criação é uma atividade solitária, refugiou-se na sua enfermidade para procurar a reclusão necessária que lhe permitiu sua obra sobre-humana.

     No dizer de Paul Auster, “todo artista, ya sea que se dedique a las artes visuales o a la escritura, es gente lastimada, dañada, herida. Creo que genéticamente ser artista y ser esquizofrénico es algo muy cercano”. Não cabem dúvidas que os grandes criadores não são

seres comuns, mas muito diferentes dos simples mortais em muitos aspectos. Há algumas anedotas em relação a escritores com referência a estimulantes que empregavam. Diz-se de F. Schiller que o aroma de maçãs podres lhe ajudava a evocar um estado de fantasia. E para isto sempre guardava algumas numa caixa de seu escritório. Outros escritores dizem de outros estimulantes, como o álcool e outras substâncias psicoativas. Só para dar um exemplo: M. Lowry necessitava de álcool desesperadamente para poder escrever. Suas alucinações têm algo de surrealismo. Além do álcool, no século XIX recorria-se geralmente ao ópio, em especial os poetas, tanto para estimular a capacidade criadora como para esquecer as agruras da vida. E assim aconteceu com muitos escritores da época e o mesmo se pode dizer em relação aos de hoje.

Depois de tantas declarações de criadores, não significa que o sofrimento seja um pré-requisito para a criação artística, nem que o artista tenha que estar doente para poder dar-nos uma ideia real do sofrimento. Nos grandes artistas a paixão por criar gera uma força de vontade tão poderosa como para vencer a pior enfermidade.

     Muito ainda falta por descobrir-se, igual que os ataques epilépticos de Santa Teresa eram o caminho para seu acesso místico à intimidade com Deus, ou se a enfermidade era incentivo e motor da pulsão criativa. Se a surdez de Beethoven, a angústia de Kant, a tuberculose de Bécquer, a neurastenia de Baudelaire e A. Tchekhov, a esquizofrenia de Van Gogh, a sífilis com seus conseguintes surtos de loucura de Maupassant e Nietzsche, a peculiar demência de Charlotte Brönte, Wilkie Collins ou Dostoievski, a gota de Conrad, a tuberculose de Stevenson e Kafka, o glaucoma de Joyce, o alcoolismo de M. Lowry, a adição às substâncias psicoativas de Burrougs, o câncer de Lampedusa e Turgueniev, a leucemia de Rilke, os problemas estomacais de Thomas Mann ou a pulsão à morte de Yukio Mishima têm algo a ver no seu inquestionável gênio artístico.

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Delmino Gritti é filósofo, escritor e trabalha há 50 anos com livros. Sobre ele, Moacyr Scliar comentou o seguinte: "Nunca vi Delmino fora de uma livraria. Parece e existe entre eles uma mútua e poderosa atração". É autor de Sobre o livro e o escrever (Liddo, Caxias do Sul, 2007), um tijolaço em dois volumes contendo quase 1200 páginas.

Leia também seu outro ensaio:

Mistérios da Criação

A vida dos escritores que comeram o

pão que o diabo amassou

 

 
 

 

 

 

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