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               MISTÉRIOS DA CRIAÇÃO

A vida dos escritores que comeram o

pão que o diabo amassou

Delmino Gritti

       A criação é o mais próximo da divindade que pode sair do ser humano, angústia de jamais atingir a plenitude da beleza e da alegria. Suspiro profundo do ser e não há nada que possa diminuir sua angústia. O artista sente profundamente que sua natureza está exilada no imperfeito, mas desejaria apoderar-se ainda na terra, do Paraíso entrevisto. O artista seria como Jacó lutando com o anjo, mas sempre vencido por ele, que o torna coxo e incompleta a sua obra. Escrever, esta ejaculação do espírito. Criar é a verdadeira solidão. A expressão da obra de arte exala certo aroma de suor e de agonia: um diálogo com o nada. O criador e o escritor são como parturientes. A pequena ou a grande alegria da descoberta, algo do pensamento profundo de seu ser na solidão. Que impulso induz o ser humano a se desviar do cotidiano para se entregar à contemplação de mundos sonhados? Qual o móvel, quais os fatores íntimos da criação artística?

        Convida-nos a literatura, a poesia a fugir do real ou, pelo contrário, nos dá acesso a uma realidade mais profunda? Quais as condições necessárias para a atitude criativa, pergunta Erich Fromm. “Antes de tudo, é indispensável estar perplexo”. Ferreira Gullar diz a mesma coisa em forma poética: “A rotina é o contrário da poesia”. E Paul Valéry tentou traduzir o momento da centelha criativa: “Às vezes eu observei esse momento em que uma sensação chega à mente; é como um lampejo de luz, que não ilumina tanto quanto deslumbra”. “Na criação, a imaginação é mais importante que o conhecimento”, diz Albert Einstein. É preciso ouvir também a imaginação, pois estamos onde não estamos. Imaginar é mais que ver. Raciocinar é repetir, enquanto que imaginar é criar. Para Byron, a poesia foi a lava da imaginação, cuja erupção evita um terremoto. Houve muitos escritores impossíveis e revoltados: Dostoievski, Nietzsche, Goethe e muitos outros com suas fraquezas terríveis, possuíam também asas gigantescas que iam além da solidão.

          Em relação a esses artistas e poetas da marginalização terrível, esses grandes infelizes, esses personagens maiores tocados por uma loucura e por sua vez iluminada e devastadora (Hölderlin, Van Gogh, Artaud, Rimbaud). A. Artaud foi um homem rebelde e sofrido, e por isso reclamou o legítimo direito de falar e cuspir na pestilência de uma sociedade perversa que torna a terra cada vez menos habitável. Rilke, em muitos quartos de hotéis em que passou, quantas lágrimas derramadas. Muitas vezes parecia sentir-se impotente e, por outro lado, uma tremenda força, sensibilidade, energia dentro dele em querer abraçar a beleza absoluta.

          No entanto, muitos, escritores, suicidaram-se e outros morreram na solidão e na miséria: Homero, Dostoievski, Artaud, Rimbaud, Maupassant, Machado de Assis, Graciliano Ramos, Luís de Camões, Miguel de Cervantes, Balzac, Fernando Pessoa, Baudelaire, Cesar Vallejo, W. Blake, Lamartine, Joseph Conrad, Leopardi, G.Orwell, Verlaine, Oscar Wilde, M. Proust, Nerval, Mario Quintana, Emile Zola, Torcuato Tasso e tantos outros.

Homero era pobre e teve origem plebeia. Sete cidades juram que foram seu berço. Talvez nelas Homero recitou em alguma noite em troca de hospedagem e comida.

Eurípedes, o grande escritor trágico grego, sua vida esteve marcada pelo signo das desgraças. Passou por muitas privações e morreu ao ser atacado por cães de um pastor.

Ovidio, nos seus últimos anos teve uma vida infeliz. Esteve exilado no Mar Negro.

Dante Alighieri nasce numa família arruinada. Teve uma vida bastante tumultuada. Sofreu vários intentos de assassinato. Seus livros foram queimados em 1497 em Florença. Teve que fugir por causa de seus credores. Em 1302 foi condenado à morte por não pagar uma pena pecuniária imposta e por isto teve que fugir para diversas cidades e finalmente para Ravena, que não abandona até que morre de malária. Os que viam Dante caminhar pelas ruas de Ravena, silencioso e magro, comentavam em voz baixa, com uma espécie de sagrado receio: “Aí vai aquele que esteve no inferno”.

Balzac, apesar de ter nascido de uma família abastada e abandonar o curso de Direito, que seu pai se opõe drasticamente, vive durante sete anos na pobreza mais absoluta. Morreu abandonado por todos e por tudo. A vida de um autor de romances raramente é romanesca. “Vou morrer escrevendo. Só deixarei de escrever quando as sombras me vierem empanar a vista”, disse ele.

Lima Barreto, mestiço e filho de um pai louco, viu-se obrigado a aceitar um emprego de funcionário na Secretaria da Guerra para, com um salário miserável, ter o que comer. Foi visto como alcoólatra e pobre. Um caso de gênio que sofreu preconceito por parte da sociedade da sua época.

Aleijadinho (Antônio Frederico Lisboa filho de uma escrava africana) O genial e desgraçado que esculpiu os majestosos profetas em pedra, com cinzéis amarrados nos cotos, em fase mais avançada do mal de lepra precisou ser carregado para todos os deslocamentos. Morreu pobre e cego num casebre de Ouro Preto.

Monteiro Lobato depois da volta dos EUA em 1931, ficou pobre, doente, sem casa e sem dinheiro. Foi perseguido, preso por defender o petróleo brasileiro e sua denúncia da cumplicidade dos governos com as multinacionais que manejam com o petróleo e outras riquezas minerais e criticado por causa de suas ideias. Seu nome estava proibido nos jornais e nas rádios e seus livros retirados das bibliotecas públicas. Muitos livros foram queimados nas igrejas porque não tratavam a religião com o devido respeito.

Graciliano Ramos passou por muitas dificuldades na vida. Plantou mamona e algodão, mas a safra foi ruim, os preços baixos. “Vivi meses aperreado, vendendo macacos e fazendo das fraquezas forças para não ir ao fundo”.

Carlos Drummond de Andrade publicou o seu primeiro livro, com tiragem de 500 exemplares, com dinheiro do seu próprio bolso.

Machado de Assis teve uma infância pobre e chegou a trabalhar como engraxate e vendedor de balas e doces para sobreviver. Filho de um negro pintor de paredes e de uma lavadeira de origem portuguesa que faleceu quando tinha 10 anos. Sua única irmã morreu vítima de sarampo com sete anos de idade. Era míope e sofria de epilepsia.

Hans Christian Andersen, filho de um sapateiro, nasceu no seio de uma família muito pobre, filho de cozinheiro e de uma lavadeira. Ficou órfão aos nove anos, esmolou pelas ruas de Copenhagen para poder comer, só conseguindo viver do que escrevia depois dos 30 anos de idade. Quando criança sentia pavor cada vez que via seu avô paterno perambulando pelas ruas por causa de sua loucura.

Bernard Shaw viveu bastantes anos na pobreza apesar de pertencer a uma família burguesa protestante. No inicio de sua carreira teve que ser sustentado pela mãe porque não conseguia vender seus livros.

Luiz Vaz de Camões nasceu pobre, viveu pobre, morreu mais pobre ainda. Sofreu muitas injustiças na vida. Uma vez esteve perdido em Moçambique e sem dinheiro. Um amigo o ajudou a voltar para Lisboa. Nos seus últimos anos de vida teve que mendigar. Para poder escrever os Lusíadas, teve que pedir esmolas. Morreu na miséria e foi enterrado como indigente, em cova rasa. De acordo com seus primeiros biógrafos, ao morrer não tinha nem sequer um lençol para mortalha.

Hölderlin foi chamado de louco sublime. Para ele, ser poeta era ser guardião da palavra, da palavra essencial. A poesia o conduziu à terrível e definitiva lucidez da loucura. Passou seus últimos 36 anos trancado na casa de um carpinteiro de Tubingen (Alemanha), numa torre sobre o rio Neckar. “Este gênio cobria-se de sombras e afundava-ss nos amargos poços de seu coração, mas, na maioria das vezes, sua estrela apocalíptica brilha de maneira maravilhosa”, disse Paul Celan. Escreveu suas últimas obras envolvido em grandes inquietudes espirituais.

Miguel de Cervantes, para permanecer na vida tinha que oferecer-se à morte. Vender seu sangue no mercado das grandes empresas negociadas em contra entre os poderosos e estender sua mão entre os mesmos mendigando auxílios. Foi vendido como escravo na Argélia. No final de sua vida viveu só, pobre e esquecido. De forma reservada recolheu-se ao convento, tomando o hábito da Ordem Terceira de São Francisco.

Miguel Hernández teve uma infância sofrida. Foi pastor de cabras, semianalfabeto e último poeta clássico da língua castelhana. Foi voluntário da República, mais assassinado que morto nos cárceres franquistas na idade de 31 anos. Na prisão escreveu “Nanas de la cebolla” ao saber que sua mulher tinha que alimentar-se só de pão e cebolas por causa da necessidade e a fome que passava sua família.

Emily Dickinson foi chamada de “Grande Reclusa”. Não teve sua literatura reconhecida enquanto viva, não publicou mais que onze poemas, quase todos anônimos ou firmados com outro nome. Só depois da morte teve seu reconhecimento. Depois da sua morte a família descobriu 1.800 poemas guardados no seu dormitório. Sua vida foi de solidão e silêncio.

Herman Melville foi autodidata. Teve um período de depressão que o obrigou a viver encerrado numa pequena casa de campo, sem falar, sem escrever, sem comunicar-se com ninguém. Há quem diga que foi um ataque de loucura, outros dizem que foi por causa da depressão. Foi quase completamente esquecido na velhice. Viveu seus últimos anos sustentado por amigos.

Virginia Woolf padecia de grave enfermidade maníaco-depressiva e afetada por um ânimo melancólico. Desejosa de obter aprovação e por ser vulnerável à crítica, quase desfalecia ao terminar cada um de seus livros.

R. M. Rilke teve uma infância infeliz. Teve um pai dominador que o forçou a frequentar a escola militar. Uma mãe pretensiosa que lamentava não ter uma filha e o vestia de menina até os onze anos. Inclusive era chamado de Soffia. Teve leucemia e também passou largos anos como um sonâmbulo junto ao abismo, sempre próximo da catástrofe esquizofrênica com experiências alucinatórias e mágicas, porém sem chegar a afundar-se nelas como Hölderlin.

Artaud passou fome, frio e câncer. Viveu na mais absoluta solidão moral, espiritual. Sempre atormentado, melancólico e ultrassensível. Queria um teatro que fora como um tratamento de choque para galvanizar as pessoas e emocioná-las para por fim a insuportável existência. Acabou morrendo como um cão; o jardineiro encontrou-o uma manhã, no hospício onde estava internado, sentado em sua cama com um sapato na mão. Nunca saberemos aonde ele dirigia-se nesse dia de sua última solidão.

Robert Musil, depois da chegada de Hitler ao poder, abandona a Alemanha e refugia-se na Suíça, onde sobrevive miseravelmente até à morte.

Rimbaud teve uma vida muito tumultuada. Na volta do Iêmen teve câncer e sua perna amputada. Muitas vezes, nas ruas de Paris alimentava-se com o pão velho que tirava do lixo e à noite dormia encolhido debaixo das marquises.

César Vallejo depois da prisão abandona sua pátria (Peru) e em Paris tem uma vida muito precária e passa fome constantemente.

Fernando Báez, na infância passou fome e miséria. Os livros, únicos amigos o ajudaram a esquecer da situação em que se encontrava.

José Marti sofreu trabalhos forçados na adolescência como escravo e nas salinas esteve a ponto de perder a vista. Foi deportado para a Espanha e depois para o México onde passou por muitas dificuldades.

Cabrera Infante, exilado em Londres, sem passaporte, sem saber se seu pedido de asilo seria aceito pelo governo britânico, sobrevivendo à duras penas com suas duas filhas pequenas.

Fernando Pessoa, aos cinco anos torna-se órfão de pai Estrangeiro em sua terra, foi um ser humano atravessado por uma solidão total que o levou a encerrar-se nos jardins de sua imaginação, pese as muitas qualidades pessoais. Personagem que passou a vida como um modesto funcionário, que vivia em pequenas pensões, (em 15 anos teve que mudar de casa vinte vezes) dedicando todo seu tempo à escritura. Uma personagem que negou honras e glórias. Tinha dó das estrelas. Sofria ao vê-las brilhando sem cessar, sem jamais descansar. Acreditou na alquimia do sofrimento que transforma o malogro em glória. Era uma pessoa tímida, sua família o desprezava, jamais teve um emprego fixo. Viveu apertado com dívidas e acossado pela pobreza.

José Saramago, nascido no seio de uma família de agricultores, trabalhou de serralheiro mecânico antes de dedicar-se ao jornalismo. Por causa de dificuldades econômicas da família impedem-no de entrar na universidade.

Henry Miller depois de fracassar em dezoito profissões diferentes (de coveiro a telegrafista), mendigou por muito tempo nas ruas de Nova York e Paris. Em Paris dormia em qualquer lugar, estendido num banco de uma sala de estação de trens, num banco de um parque, apenas com a roupa do corpo e que não era a sua. Ficou tão marcado com isto que mais tarde começou a sofrer de uma doença chamada “fagomania”, uma enfermidade mental. Mesmo estando alimentado, continuava com fome por todo o tempo. Era uma fome imaginária.

Ernest Hemingway chegou a comer pombas que capturou nos jardins de Luxemburgo enquanto viveu em Paris. Muitas vezes o fato de cheirar os sanduiches dos amigos, adquiria forças para viver.

Tennesee Williams também conheceu a pobreza e sempre ocultou sua origem por sentir vergonha.

Ezra Pound, caída a ditadura fascista, ninguém mais se lembrava dele. Sem uma lira no bolso atravessou a pé, como peregrino da Idade Media, diversas regiões da Itália. Um dia os americanos das tropas de ocupação prenderam-no, foi encerrado numa pequena jaula de arame farpado durante seismeses, debaixo de um sol arrasador. Depois o levaram para os EUA, onde pelo espaço de 13 anos foi trancado num manicômio: álibi encontrado para desviá-lo da morte.

James Joyce teve sua infância em Dublin na completa pobreza. Nos primeiros tempos de sua estada em Paris, passa fome e no final de sua vida estava quase totalmente cego. Às vezes passava dois a três dias sem provar nenhum alimento. Precisou de ajuda de alguns escritores amigos.

Gabriel Garcia Márquez passou fome em vários momentos de sua vida. Em Paris como correspondente, para poder sobreviver depois que os jornais colombianos El Espectador, depois El Independiente foram fechados pela censura de Rojas Pinilla, passou a catar garrafas vazias e jornais velhos, recebendo centavos de lojas locais. E de vez em quando pegava um osso “emprestado” com o açougueiro para fazer uma sopa. Em alguns momentos teve que esmolar e algumas vezes catar comida no lixo. Para poder escrever Cem anos de solidão teve que vender seu automóvel para que sua família tivesse dinheiro para viver enquanto ele escrevia, porém, o romance tomou-lhe mais tempo do que esperava. Escreveu todos os dias durante dezoito meses. Sua esposa teve que pedir comida a crédito no açougue e na padaria, assim como nove meses de aluguel a crédito com o proprietário.

Hermann Hesse aos quatorze anos já sonhava em ser escritor. Resiste à ordem paterna de estudar Teologia evangélica, fugindo da escola monacal de Maulbron. A policia o encontra nos bosques que havia em redor do mosteiro, vinte e três horas depois, sozinho e morto de frio. A partir desta data começa a padecer dores de cabeça e insônia e por isto considerava-se um endemoniado.

Juan Carlos Onetti, escritor uruguaio morreu em Madrid em 1994, com 84 anos. Antes da consagração literária foi porteiro- bilheteiro do Estádio Nacional de Montevideo e vendedor de máquinas de escrever.

Baudelaire órfão de pai aos seis anos. Foi obrigado a sair de Paris para Bruxelas por causa da cobrança de seus credores. Em maio de 1865 padece nevralgias e reumatismo que o deixam idiotizado e louco. Trata-se com doses massivas de láudano, beladona, ópio e quinina. Em 1866 sofre uma hemiplegia, o que lhe faz perder a razão e não poder falar. Passou seus últimos dias na cama, paralisado, custodiado por sua mãe.

Stendhal teve uma infância infeliz. Órfão de mãe desde os sete anos, cresceu sob a tutela de seu pai e de sua tia paterna. Seu livro Sobre o amor, em dez anos vendeu apenas 17 exemplares.

Gustave Flaubert, no final de sua vida passou por penúrias econômicas. Morreu de uma hemorragia cerebral. Para escrever “Madame Bovary” passou seus anos de patética tortura e um processo por suposta imoralidade.

Paul Verlaine, nos últimos anos de sua vida, tinha uma bengala que dialogava gravemente com as sombras. Morre como um indigente numa cama que não é sua, na casa de uma prostituta.

François Villon passou boa parte de sua vida na prisão e dez anos de exílio. Roubava para poder comer.

Marcel Proust, desde pequeno sofre de asma. Lamentando-se desta enfermidade, passou seus últimos 15 anos de sua vida retirado em seu quarto, na sua cama.

Albert Camus teve que interromper seus estudos por causa da tuberculose que o acompanhará pelo resto de sua vida.

Mario Quintana morreu pobre num quarto de hotel, despesas pagas por amigos.

Giacomo Leopardi teve uma vida desgraçada, marcada pelas enfermidades que o deixaram paralisado e quase cego desde a juventude.

Torcuato Tasso, muitas vezes teve que pedir esmolas para poder alimentar-se. Esfarrapado, caminhava a pé desde Ferrara (Itália) até Sorrento para visitar sua irmã. Conta-se que às vezes sentia-se obrigado a pedir a seu gato favorito a luz de seus olhos para ler e escrever seus versos, já que faltava até a luz de uma vela.

Luiz Ruffato, filho de uma lavadeira analfabeta e um pipoqueiro semianalfabeto, foi pipoqueiro, caixeiro de botequim, balconista de armarinho, operário têxtil, torneiro-mecânico, gerente de lanchonete, teve seu destino modificado pelo contato, embora fortuito, com os livros.

Silas Correa Leite, de origem humilde, foi engraxate, boia-fria e aos 16 anos foi garçom de bar para poder ajudar sua família. Passou fome e dormiu muitas vezes na rua.

Plinio Marcos era canhoto e sua infância, na escola várias vezes levou reguada na mão esquerda sempre que ela ameaçasse pegar o lápis. Isto de escrever com a esquerda era “coisa do demônio”, como na Idade Media. Eu também me lembro da professora que dava reguadas. Ser canhoto era um defeito que a escola tinha obrigação de corrigir.

Juan J. Fijman, poeta argentino, permaneceu trinta anos internado num hospital psiquiátrico.

Ernesto Sabato foi desde criança uma pessoa meditativa, um artista com um interior melancólico, mas ao mesmo tempo rebelde e tumultuoso. A ciência o limitava de forma atroz, de modo que foi lógica ter buscado o único canal que podia ajudá-lo a expressar, a vomitar sua tormenta interior: o romance. Porque a arte, como diz ele, é uma tentativa desesperada de comunicação, mediante uma linguagem, seja a palavra, a pintura ou a música que vai muito mais além da linguagem de todos os dias.

J. Swift era chamado de “pastor louco”. Na juventude prognosticou que morreria louco. Morreu louco aos 78 anos.

Charles Dickens foi assombrado na infância por credores oficiais da justiça. Quando jovem teve que abandonar os estudos e trabalhar em uma fábrica para ajudar a família.

Maupassant aos trinta anos é atacado pelos primeiros problemas de visão que, pouco a pouco, o deixarão cego. Numa carta escrita, ele grita como se quisera morder a morte: “O cérebro está gasto e ainda vivo, e não posso escrever: não enxergo mais”. Aos poucos começa a ter visões. Ainda vê com as palavras, mas agora vê o que não existe e não vê o que existe. Nos últimos meses de sua vida esteve internado num asilo e morreu completamente louco.

Platonov, escritor russo, nos seus últimos anos de vida viveu na miséria. Um de seus últimos ofícios foi o de varredor.

Gogol morreu louco. Viu-se moribundo, como que devorado por aquilo que elepróprio escrevera.

Tolstói morreu sozinho, trancado num vagão de trem, recusando-se a permitir que sua esposa, que estava chorando na plataforma, entrasse para dizer adeus.

Máximo Gorki aprendeu a escrever graças a um cozinheiro com que trabalha como auxiliar num vapor que navega pelo Volga. Cresceu na pobreza e defendeu a causa dos pobres por toda a vida. Josip Mandelstan morreu de fome e descuido num hospício-cárcere.

Oscar Wilde faleceu em Paris na miséria, vítima de uma meningite provocada por uma lesão sofrida nos dois anos de trabalhos forçados no cárcere. Os próprios filhos abandonaram o sobrenome paterno pela infâmia que seu pai carregava. Aqueles que não o esqueceram, fogem dele. Na França teve que usar até nomes emprestados como Sebastian Melmoth para fugir das zombarias por ser homossexual. Sobreviveu graças à generosidade dos amigos. Quando faleceu o diretor do hotel abonou a elevada dívida que o escritor havia contraído com o estabelecimento.

Edgar Allan Poe morreu na miséria e amplamente antipatizado em seu próprio país. Quando criança foi literalmente educado em um cemitério. Aprendeu matemática somando e subtraindo as datas gravadas nos túmulos.

John Milton ficou totalmente cego durante os últimos anos de sua vida. Assim mesmo logrou produzir vários escritos, entre eles sua obra-prima, o poema épico de dez mil versos O paraíso perdido, que relatou para sua filha quando ele estava cego.

Jack London cresceu em meio à pobreza do Cais de Oakland, onde sobrevivia como trabalhador ilegal e teve que mendigar muitas vezes comida nas ruas e esteve preso por vagabundagem. Ele foi quase inteiramente autodidata.

Aldous Huxley, autor de Um mundo feliz, não possuía uma boa visão. Aprende Braile para poder continuar lendo apesar dos problemas de sua visão: Gostava de ler na cama, na obscuridade, com o livro e as mãos debaixo dos cobertores.

George Orwell viveu maior parte do tempo de sua vida na miséria, primeiro em Paris e mais tarde em Londres. Em Paris dormia em colchões infestados de pulgas.

W. Blake teve sua vida em completa obscuridade. Enquanto viveu, foi considerado louco, maníaco. Nem mesmo seus amigos acreditavam no seu gênio. Assim mesmo continuou produzindo seus quadros impopulares, seus poemas épicos, menos populares ainda, vivendo como podia.

Jean Genet, abandonado pela mãe solteira nos primeiros seis meses e criado por camponeses humildes, refugiou-se nos livros e nos roubos, vagabundo e mendigo para reagir ao desprezo da sociedade. Estudou até os 13 anos, deu-se um banho de cultura e erudição, devorando e assimilando Mallarmé, Rimbaud, Dostoievski, Baudelaire. Aprendeu vários idiomas (alemão, espanhol, italiano, árabe, inglês). Tinha apurado conhecimento sobre música (Mozart) e pintura (Rembrandt). Esteve preso várias vezes. Ganhava alguns trocados como prostituto. Apesar de viver atrás de dinheiro, distribuía-o entre amigos quando este sobrava. Chegou a cultivar a experiência da pobreza extrema como condição indispensável para a produção literária. No final de sua vida passou por penúrias econômicas. Morreu de uma hemorragia cerebral.

Emile Zola também viveu muito tempo na pobreza. Era tanta que nem conseguia pagar o aluguel da mais miserável espelunca que habitava no bairro latino.

Kafka cresceu num gravíssimo conflito com seu pai, fruto da mistura de três culturas: a judaica, a de Praga e a alemã. Foi infeliz nas suas relações sentimentais, frustrado no trabalho e finalmente, gravemente enfermo. Morreu jovem. Suas irmãs morreram nos campos de concentração nazistas.

Emil Cioran, escritor que visitou quase todos os horrores. Apátrida, marginado, sem uma profissão útil, realizou um largo caminho de solidão em Paris, que mais tarde o projeta para a fama. Mesmo em situação de penúria, recusou-se a receber prêmios de alto valor monetário. Era um leitor empedernido. Teve muitas depressões, insônias e a única forma de sair delas era escrever, ler ou passear a qualquer hora do dia ou da noite. Quando escrevia sentia-se sempre desesperado. No final de sua vida padeceu o mal de Alzheimer.

Mohamed Chukri, escritor marroquino, autor de O pão nu, (livro traduzido para mais de 40 línguas) foi analfabeto até os 21 anos. Saiu de casa aos onze anos. Dedicava-se a buscar o pão de cada dia. Dormia nos cemitérios para escapar dos controles policiais noturnos. Viveu assim até os vinte anos. Aprendeu o alfabeto por conta própria. Foi vigia de uma escola e diz que aprendeu mais das crianças do que dos professores. A escritura converteu-se numa vingança e uma necessidade para exorcizar todo o acontecido.

Dostoievski. Disse Stefan Zweig “Espantoso que el mayor escritor ruso, el genio de su generación, el mensajero del infinito haya vagabundeado sin recursos, sin hogar, sin objetivo, de país a país. A duras penas encuentra pequeños asilos en buhardillas llenas de relentes y de miseria. El demonio de la epilepsia se agarra a sus labios”. Nasceu no manicômio que seu pai trabalhava como médico. Na infância teve permanentes contatos com enfermos mentais. O contato com os loucos teve uma influência muito grande na sua atormentada literatura. Esteve preso por formar parte de um grupo de intelectuais antizaristas. A ordem de fuzilamento não é levada a cabo, porém é mandado para a Sibéria a realizar trabalhos forçados. Depois da morte de sua esposa fica totalmente arruinado economicamente e teve que fugir de seu país para escapar de seus credores. Sofria de epilepsia. Sua vida foi um inferno. Viveu todas as adversidades, todas as tensões. Seguramente é o escritor mais profundo nas experiências interiores. Foi até o limite extremo.

Nietzsche, durante os últimos anos de sua loucura, mudo e prostrado, passava horas olhando fixamente suas mãos. Numa oportunidade  o encontraram na rua conversando com um cavalo. Chegou a escrever cartas a Cosima, esposa de Wagner, de quem se enamorou, referindo-se a ela como Ariadna e assinava as cartas como “crucificado”. As catástrofes serviram para aumentar suas qualidades humanas. Afundou-se como poeta e visionário; expiou seus êxtases e não seus raciocínios.

       Pessoas que uivavam como lobos desde as profundidades do desespero, são pessoas criadoras que pagaram um preço terrível por serem diferentes da maioria das pessoas: Nietzsche, Strindberg, V. Woolf Dostoievski, A. Nin, Clarice Lispector, Byron, Artaud, Rimbaud. Os artistas andam sempre pelas beiras e não no centro dos caminhos. São pessoas deslocadas. A dúvida, a pergunta constitui a eterna linguagem do artista diante de si mesmo e do mundo.

       Aqueles que se situam no fluxo criativo são sempre e inevitavelmente rejeitados, se não crucificados. O artista sempre esteve em conflito com o mundo em que se encontra. O fato de existirem artistas significa que a vida é quase insuportável.

       No artista, no escritor, há muitos momentos de convulsão. A criação entrega um fulgor de eternidade. “Onde há dor, há um solo sagrado e cresce o que salva,” diz Oscar Wilde. E Ernesto Sabato reforça: “Os grandes criadores realizam suas obras sob tensões similares aos tremores de terra.” Léo Ferré, escritor e músico do principado de Mônaco, diz também: “O artista tem ovários na cabeça e, se a sua criação não suporta a análise, é porque a arte é uma coisa secreta, sem nada de normal.” De Rilke, sabe-se que teve muitos momentos de convulsão. Os graus mais elevados de autoexpressão na poesia, na música, na pintura, são atingidos por homens extremamente solitários. Todos os escritores, poetas e artistas que se manifestaram sobre o que é escrever, ou uma obra de arte e todos eles falaram desta solidão profunda que antecede ao ato criador.

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Delmino Gritti é filósofo, escritor e trabalha há 50 anos com livros. Sobre ele, Moacyr Scliar comentou o seguinte: "Nunca vi Delmino fora de uma livraria. Parece e existe entre eles uma mútua e poderosa atração". É autor de Sobre o livro e o escrever (Liddo, Caxias do Sul, 2007), um tijolaço em dois volumes contendo quase 1200 páginas.

Leia também seu outro ensaio:

Enfermidade e Criação

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