"Eu tive uma vida médica muito intensa. Fui professor de mais de uma faculdade, sou membro da Academia Nacional de Medicina, tive uma atividade clínica muito grande. Posso dizer hoje - porque já passou - que fui um médico de sucesso no Rio de Janeiro. E não gostava que suspeitassem da arte literária em mim, achando que isso prejudicaria a imagem do médico. E prejudica... Existe sim, esse preconceito e foi usado contra mim. Os meus colegas têm a gentileza de espalhar que eu não cuido mais de medicina, que só cuido de literatura, que sou só um literato... Foi o exercício médico, não a medicina que me afastou da literatura, porque sou médico em qualquer circunstância. As minhas memórias são cheias de reminiscências médicas. Sente-se ali que o médico está falando. O meu processo é um processo clínico... A descrição dos tipos, por exemplo. Aprendi a olhar, a ver como médico. Temos de usar nossos sentidos de uma maneira absoluta, de tirar deles tudo o que podem render. Modéstia à parte, sei observar... Não dissocio o médico do literato, não dissocio nada na minha obra. Tenho uma obra escrita em medicina, que é muito grande. São cerca de 300 trabalhos publicados... Estou encadernando esses trabalhos e já tenho dois volumes que vou dar ao Museu de Literatura para os críticos verem se escrevo bem como médico, como eles dizem que escrevo como literato. Não creio que eu escreva bem, pois estou sempre modificando o que fço. Cada nova edição minha que sai é mudada. Nunca estou satisfeito com o que faço".
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/02/1981 - Lourenço Dantas Motta
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