Volta para a capa
Política
Juan Gelman

"Hoje existe uma espécie de predomínio do ponto de vista que rejeita o tema político, o tema social na poesia e na literatura em geral. E não só na Argentina ou na América Latina, mas na Europa também. É uma espécie de stalinismo do avesso: no anos 60, quem escrevia poemas de amor era uma espécie de fresco, maricas. Hoje é o contrário: o político está proibido. Esta visão insiste num ponto: o que importa é o tema. Ora, acho que, na poesia, o tema é a própria poesia, portanto posso falar do que quiser. A análise, nisso tudo, deveria ser feita sempre a partir da própria poesia, o tema não importa. Na poesia, tudo é permitido, exceto a falta de talento... Em poesia pode-se falar de tudo. Então, não há rumo para ser mudado: ele é sempre aberto. Pode variar a formulação em cada pessoa, em cada autor. Recordo um dos primeiros poemas que os chineses resgataram das poesias anônimas escritas há mais de três mil anos. O poema conta a história de um pastor que está longe de dua casa, lá no Norte da China. É inverno e faz frio, e o pastor imagina a sua mulher naquele momento cozinhado ao lado do fogo. E o poema termina com este verso: "E ele escuta o som de suas tesouras / debaixo da noite profunda". Eu acredito nisso. Nessa capacidade de ouvir o mais íntimo dos sons, por debaixo da noite profunda.

Fonte: Nossa América, nº 3, ago. 1990

Prossiga na entrevista:

 

Por que escrevo?
Como escrevo?

Onde escrevo?

O que é inpiração?
Biografia