"A grande divisão é entre texto e imagem. E você fala de compreender complexidades. Acho que é muito mais do que isso. É dar significado mesmo. Sem texto, você tem sua capacidade de emprestar significados altamente comprometida. E, claro, texto polissêmico — que é o texto literário — é o que mais dá conta do recado porque se presta à obtenção mais abrangente de significados. O processo de significação da imagem é um processo de impacto. De afeto, no sentido etimológico do termo, afeto de afetar, um termo nietzschiano. Não é que não exista, imagine. Mas esse processo, o da imagem, propicia vários impactos sucessivos, através dos quais só pode surgir uma noção identitária fragmentada e presentificada. O texto, ao contrário, traz um processo de narrativas necessariamente recorrentes, não fixas, não relativas a “essências”, nada disso. Pelo contrário. Tais narrativas, feitas e refeitas incessantemente, propiciam uma temporalidade que o processo de significação imagético não tem. Há um antes e um depois, aqui. Há um resíduo de narrativas anteriores que é aproveitado e reaproveitado nas seguintes. Com isso, o processo de significação por narrativas se torna lento. Mas inclui o eixo histórico, diacrônico. As imagens, ao contrário, terão sempre referências sincrônicas. Textos falam de tempo. Imagens falam de espaço. Você precisa dos dois. Mas o que vimos é que por muito tempo houve um privilégio da imagem sobre o texto. E o resultado é que ninguém mais sabe de si. Falei muito sobre isso em uma palestra que dei na UFMG e que vai sair publicada agora, sob o título Livros e telas, com mais autores".
Fonte: Rascunho, abril de 2010.