“Todas as histórias contadas por mim são recriações de histórias populares ou de histórias pessoais. Eu tinha alguns encantamentos na infância. Entre esses, os mais fortes era o circo e a leitura. Como escritor, eu sou aquele mesmo menino que, perdendo o pai assassinado no dia 9 de outubro de 1930, passou o resto da vida tentando protestar contra sua morte através do que faço e do que escrevo, oferecendo-lhe precária compensação e, ao mesmo tempo, buscando recuperar sua imagem, através da lembrança, dos depoimentos dos outros, da palavras que ele deixou. Para mim é muito importante a presença de um narrador, como o Quaderna, de A pedra do reino. Quaderna tem coisas do autor, mas não é ele. É o próprio narrador, Isso me facilita bastante durante o desenvolvimento do livro. Enquanto eu estava escrevendo esse romance, parei em vários momentos, porque percebia que o narrador se confundia o próprio autor, no caso, eu. Meus personagens ora são recriações de personagens populares e de folhetos de cordel, ora são familiares ou pessoas que conheci. No Auto da compadecida, por exemplo, estão presentes o Palhaço e João Grilo. O Palhaço é inspirado no palhaço Gregório da minha infância em Taperoá. Já o João Grilo é o típico nordestino ’amarelo’, que tenta sobreviver no sertão de forma imaginosa. Costumo dizer que a astúcia é a coragem do pobre. O nome dele é uma homenagem ao personagem de cordel e a um vendedor de jornal astucisoso que eu conheci na década de 50 e que tinha esse apelido. Agora estou reservando as manhãs para escrever. Ao assumir a Secretaria da Cultura me atrapalhou muito no primeiro momento. Cheguei a interromper o romance que estou escrevendo. Nos primeiros meses, não acrescentei uma única linha. Para mim vai ser uma frustração terrível não terminar o livro com o qual sonhei a vida toda. Aposentei-me da universidade para isso.”
Fonte: Correio Braziliense, 26/10/1997 - Gerson Camarotti
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