Quem me influenciou enormemente (como crítico literário) foi Benedetto Croce... Ele foi realmente importante, principalmente ao desenvolver a idéia da poética como unificadora de todas as escolas, de todos os gêneros literários. Num prefácio que escrevi para uma edição do meu livro sobre Afonso Arinos, procurei desenvolver um pouco na base da crítica croceana, esse ‘expressionismo crítico, em oposição ao ‘impressionismo crítico’. Anatole France dizia que a crítica é apenas a descrição das impressões de leitura. No estudo sobre Afonso Arinos, pelo contrário, a minha tentativa não é de escrever minhas impressões sobre a sua obra ou a sua figura, mas integrar-me na obra para assim procurar descobrir o seu sentido e trazê-lo para o leitor. Foi o que procurei fazer durante todo o meu período de crítica militante, ou seja, a crítica como uma forma de criação. Em outras palavras: a crítica como expressão e não apenas como impressão, a crítica como criação, ou melhor, como recriação. Acho que o crítico também deve ser um criador. O que fica do crítico não é a sua impressão, os juízos subjetivos, mas aquilo que cria por si mesmo. Deve haver numa primeira fase uma subordinação do crítico ao criticado e, em seguida, deve-se procurar fazer uma recriação da obra do criticado. Nesse processo, há uma criação autônoma do crítico. Para entender melhor isso, é preciso lembrar a diferença entre ‘criticism’ e ‘reviewing’. O ‘reviewing’ é uma exposição o mais objetiva possível (a subordinação do crítico ao criticado) da obra, para apresentá-la ao leitor e despertar nele a vontade de ler o livro. Depois vem o ‘criticism’, que é a parte criativa do crítico, aquilo que realmente fica de sua atividade. Como o poeta cria um poema e o romancista cria um romance, também o crítico cria, ao exercer a crítica no sentido do ‘criticism’. É nessa última parte, ou seja, naquilo que ele cria através das obras dos outros, que reside a dignidade do crítico. Embora não seja nem um jurado nem um juiz, ele cria alguma coisa, não com o material que lhe fornecem a natureza ou a vida – como é o caso do poeta e do romancista – mas com o material que lhe fornecem aqueles que já trabalharam sobre a vida e a natureza. O crítico não trabalha sobre a vida e a natureza, mas sobre obras de arte criadas a partir das duas. A crítica é uma nova vida, assim como o é também a arte, pois o artista é um competidor do Criador. A crítica estruturalista dá mais importância ao texto do que ao autor, a ponto de Roland Barthes separar um do outro. Não é o meu caso. Diz Afrânio Coutinho – prefiro deixar que ele fale a meu respeito – que tenho procurado, ou pelo menos procurava no tempo em que fazia crítica, não separar o texto do autor, mas procurar no autor, na sua vida, na sua psicologia, nas suas idéias, e também no ambiente que o cerca, o sentido da obra, adotando o que ele chama de ‘globalismo crítico’, isto é, uma tentativa de não isolar, mas de congregar todos os elementos.”
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/10/1978 – Lourenço Dantas Mota
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