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Crítica literária
João Ubaldo Ribeiro

"Quanto à crítica que é feita na imprensa... se você está procurando se reportar ou fazer comparações com o tempo em que... os áureos tempos da crítica de rodapé, de Álvaro Lins [(1912-1975), professor, jornalista, ensaísta, diplomata e crítico literário brasileiro cujas críticas não eram pautadas por regras, caracterizando a chamada "crítica de rodapé". Enfrentou conflitos com Afrânio Coutinho quando da criação da Faculdade de Letras no Brasil], do próprio Afrânio Coutinho [(1911-2000), professor, crítico literário e ensaista brasileiro, criou a Faculdade de Letras na Universidade Federal do Rio de Janeiro, em 1965, que recentemente morreu e é um homem a quem as letras brasileiras devem muito, como você sabe, eu hoje acho que o nível caiu muito. Hoje, acho que as revistas e jornais costumam pegar um jovem inexperiente, que não conhece os fundamentos, voltei a usar a palavra esportiva - quando digo que não conhece os fundamentos, é que ele não tem referências, ele não leu os clássicos, ele leu alguns livros que estão na moda, não necessariamente ruins, que são livros da época, sei lá, não me ocorre citar, não me ocorre um nome, assim, emblemático para citar, mas dois ou três... mas nunca leu [os clássicos mais importantes, como] Homero, nunca leu Virgílio, nunca leu Camões, nunca leu um clássico grego, nunca leu um Tucídides, nunca leu realmente um Balzac, nunca leu um Proust, nunca leu um Dostoiévski, nunca leu um Tolstói, nunca leu um Swift, ele não tem condição de avaliar. Uma das coisas mais embaraçosas que me aconteceram nessa área foi quando... existe um capítulo no Viva o povo brasileiro que, se não me engano, coincide em número com a rapsódia 14 da Ilíada, que é quando os deuses participam mais efetivamente do combate entre os homens - porque, como você sabe, na Ilíada, os deuses participavam da briga, tomavam partido e se juntavam, e lutavam junto a seus protegidos. Eu apenas transferi aquilo para os orixás. Havia um regimento de Itaparica na guerra, como de fato houve, na Guerra do Paraguai, e eu pus os orixás lutando ao lado de seus filhos, numa evidente paródia, no bom sentido da palavra, ou no sentido técnico da palavra, numa óbvia paródia para Homero, de Homero. E aquilo é propriedade de humanidade, aquilo que eu fiz ali é uma coisa... e aí eu, aqui em São Paulo, aconteceu aqui em São Paulo, por coincidência, veio uma pessoa, que eu tinha em melhor conta, até... me elogiar pelo estilo que eu tinha criado para gravar, para escrever aquela cena: "A maneira como você contou aquilo!". Eu fiquei assim... pensei que era brincadeira. Eu lhe disse: "‘rapaz, [em tom indignado] mas aquilo é Homero! Eu chupei Homero, botei Homero lá, aquilo é Homero! É uma homenagem a Homero... Ele [mudando o tom de voz, como se fosse seu interlocutor]: "Que nada! Aquilo você fez, não sei o quê....". Quer dizer, então, pega um livro meu qualquer, pode ser ruim, mas bota na mão de um menino desses, que não tem realmente condição de fazer resenha. É muito difícil você encontrar um resenhista de nível no Brasil. Além de tudo, a imprensa não paga. Você sabe que intelectual precisa, como todo mundo sabe, comer. É muito difícil você se expor, não só a seus pares, outros homens de letras, como ao público em geral, com a possibilidade de vir a fazer um inimigo, no caso de ele não gostar daquilo que foi resenhado, ou do resenhado não gostar do que eu escrevo, depende do temperamento dele... tem gente que sai até para dar tiro. Tem muitos que ouvem e lêem calados, não gostam, outros até apreciam, enfim, isso depende da pessoa. Mas... o sujeito não ganha nada. Para se aporrinhar? E aí isso está indo por água abaixo, me parece, de modo geral.

Fonte: Programa Roda Viva, da TV Cultura, 19/02/2001

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