"Comecei a fazer crítica desde os bancos escolares, na análise exaustiva dos clássicos franceses. E a verdade é que a crítica sempre me pareceu um refúgio para a inteligência e um corretivo para os excessos de meu brasileirismo. É uma escola de disciplina e a ela me sujeitei de bom grado. Uma infância sentimental atormentada levou-me, por outro lado, a uma concentração favorável ao desenvolvimento do espírito crítico... A crítica pode ser encarada como obra de arte, como realização análoga à obra de ficção. E pode, também, ser encarada como uma pesquisa da verdade. No primeiro caso é expressão. No segundo é dicussão e de um modo geral é necessário que procure convencer ou acertar... Assim, a função do crítico deve ser a de acertar. Só assim pode ser justificada a sua posição no mundo das letras. Mas... é terrivelmente difícil acertar! Ninguém se intelectualiza suficientemente para levar a bom termo essa tarefa ingrata. Por outro lado há o perigo da perda de contato com a vida. A vida é amor, é luta, paixão, e a gente não se coloca impunemente fora da vida. Tudo isso são frases, assim de momento, sobre a concepção mais louvável da crítica. Em todo caso, creio que é preciso amar para acertar. Uma das mais belas qualidades do crítico me parece essa - a de saber admirar, resultante, de resto, da capacidade de entender. Daí a impossível dissociação entre a razão e o sentimento no verdadeiro crítico. Talvez a indicação de alguns nomes facilite as coisas e mostre qual o gênero de crítica que considero desejável: Remy de Gourmont e André Gide, por exemplo. São homens completos nesse particular porque souberam entender, admirar, explicar. Por isso mesmo sua influência é das mais profundas no mundo inteiro."
Fonte: PEIXOTO, Silveira. Falam os escritores. 2º vol. São Paulo: Secretaria de Estado da Cultura, 1971.
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