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Página de rosto:                                           

Vol. 6

MISTÉRIOS DA CRIAÇÃO LITERÁRIA

 

 Literatura 

e  Música

DEPOIMENTOS CÉLEBRES E BIBLIOGRAFIA

 

 

Fábio Lucas Prefácio

Luíz Antonio de Assis Brasil Introdução

                                      Marcelo Moraes Caetano Apresentação              

 

 

 

Organização

José Domingos de Brito

 

Tiro de Letra

2015

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Contracapa

 

Drummond no céu nas asas

da poesia e da música

        

 

         Carlos Drummond de Andrade é o poeta brasileiro mais musicado. Começou bem: A Cantiga do Viúvo, um dos seus primeiros poemas, foi transformado por Heitor Villa-Lobos numa delicada obra para voz e piano. Notando essa preferência dos compositores pela obra drummondiana, fiz a relação que me foi possível na época de obras musicais com textos dele. Drummond ficou surpreso e curioso, pois desconhecia aquela vasta produção. Pelas suas cartas senti que ele queria conhecer os sons que haviam escolhido para as suas palavras. Talvez tivesse ouvido algumas dessas músicas, mas da maioria só teve notícias por meio do meu pequeno catálogo. Num momento tive a idéia de produzir um "disco" com essas músicas das quais Drummond foi parceiro, digamos, involuntário. Ele pareceu-me muito animado com esse projeto. E me escreveu: "Se eu não for para o céu pelas asas da poesia, irei pelas asas da música. E não é a mesma coisa?" Talvez essa frase possa sintetizar este trabalho de coleta sobre música e literatura que o Brito, pacientemente, desenvolveu. A propósito: nunca me foi possível realizar a referida gravação.

 

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Luís Milanesi

Professor da ECA/USP, criou o Sistema de Bibliotecas Públicas da SEC/SP, autor do clássico O paraíso via Embratel (Paz e Terra, 1978); Ordenar para desordenar: centros de cultura e bibliotecas públicas (Brasiliense, 1986); Casa de cultura: forma e função (Hucitec, 1989); A casa da invenção - Centros de cultura: um perfil (Siciliano, 1991) entre outros.

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Orelha:                                  

                                                       A obra

             Música e literatura têm em comum o atributo e a generosidade de fazer com que o próprio ouvinte e o próprio leitor construam em suas mentes o univeso induzido pela mestria dos escritores e dos compositores. É somente no ato da audição e no da leitura que as obras, nos dois casos, realmente se realizem - e cada indivíduo compõe esse universo ao seu modo, conforme suas experiências e vivências pessoais. Eis a magia tão própria dessas duas artes. Vendo-se pelo lado da criação, por sua vez, a adoção recíproca de ferramentas de uma pela outra sempre marcou a história de ambas as linhas evolutivas, quando não, sabemos todos, esteve mesmo na sua origem, em última instância, comum. Em um país como o Brasil, que dentre tantas mazelas conhece a subvalorização da memória e a lei do menor esforço no que tange a projetos de longo prazo, a série Mistéros da Criação Literária, dirigida por José Domingos de Brito, constitui, em si, um ato heróico a ser fortmemente saudado. A relação entre música e literatura, mote do presente volume, representa, como demonstram os textos de apresentação e os ilustrativos e curiosos depoimentos aqui arduamente compilados, ma vertente de análise e fruição altamente estimulante para quer que se interesse por essas artes e pelo enriquecimento que suas confluências propiciam a autores, compositores, leitores e ouvintes. E não somos nós, um pouco de cada coisa?

 

Bernardo Ajzenberg

Escritor, jornalista e editor

 

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Sumário

 

I.    Prefácio: Fábio Lucas

                      Literatura e música

II.   Introdução: Luíz Antonio de Assis Brasil

                          Música e Literatura

III. Apresentação: Marcelo Moraes Caetano

                              Música (alma) e literatura

IV. Princípios do Mistérios da Criação Literária:

     José Domingos de Brito

Parte I

DEPOIMENTOS

Aldir Blanc  Aldous Huxley  Affonso Romano de Sant'Anna   Alejo Carpentier  Anthony Burgess   Antonio Cícero   Antonio Lobo Antunes   Antonio Olinto   Antonio Skármeta Armando Freitas Filho   Arnaldo Antunes   Augusto de Campos  Arundhati Roy   Bernardo Ajzenberg   Bruno Tolentino   Cabrera Infante  Caetano Veloso   Camilo Castelo Branco   Carlos Drummond de Andrade  Carlos Fuentes   Chico Buarque de Holanda   Christopher Isherwood  Clarice Lispector   Claude Debussy   Claudio Carneyro   Daniel Pennac   Duda Machado   Eduardo Lourenço   Edward Albee   Eric Nepomuceno   Érico Veríssimo   Ezra Pound   Fernando Pessoa   Ferreira Gullar   Friedrich von Schiller   Geraldo Carneiro   Guimarães Rosa  Gustav Mahler   Haroldo de Campos Helder Macedo   Herman Hesse   João Cabral de Melo Neto   João Paulo Cuenca   Jorge Amado   Jorge de Lima   Jorge Fernando dos Santos  Jose Castello  José J. Veiga   José Miguel Wisnick   José Paulo Paes   José Saramago   Julio Cortázar  Louis Ferdinand Céline   Lúcia Miguel-Pereira   Luis Felipe C. Mendes  Luiz Vilela   Manuel Bandeira   Marcelo Moraes Caetano   Marcos Rey   Margaret Atwood   Margriet de Moor   Mario Benedetti   Mario de  Andrade Miguel-Lluis Muntané    Milan Kundera   Moacyr Félix   Monteverdi   Mozart    Murilo Mendes   Octavio Paz   Oto Maria Carpeaux  Patativa do Assaré   Paul Claudel   Paulo César Pinheiro  Pepetela   Raimundo Carrero   Robert Creeley   Salman Rushdie  Silviano Santiago   Toni Belloto   Heitor Villa-Lobos   Vinicius de Moraes   Richard Wagner   William Borroughs   William Faulkner   W.H. Auden

Parte II

BIBLIOGRAFIA 

WISNIK, José Miguel  - SOPEÑA, Frederico -  SENNA, Homero - FONSECA, Aleilton   RUCKERT, Ernesto von - OLIVEIRA, Solange Ribeiro - GARCIA, Lauro Lisboa   ASSIS, Jamilie de - MARQUES, Pedro Soares  - CAETANO, Marcelo Moraes - NESTROVSKI, Arthur  -  RUCKERT, Ernesto von - TATIT, Luiz - LOPES, Ivã Carlos - DAGHIAN, Carlos

DISSERTAÇÕES e TESES

                                      

V.    Posfácio: As letras na pauta

                      Jorge Fernando dos Santos

VI.   Menção final: Ouvidos misteriosos

VII. Índice de consulta simultânea                                                                                                                 

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Dedicatória

 

 

 

                                                 À Adoniran Barbosa e

                                                  Patativa do Assaré

                      

                                    Menestréis da Música Popular Brasileira                                     

                                 

                                                     

 

 

 

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I. Prefácio

Literatura e Música

Fábio Lucas

                                                  

       A uma simples mirada, pode parecer óbvio o relacionamento entre a Literatura  e a Música. Tanto na fala, quanto na leitura, os sons se apresentam decisivos no arranjo das palavras, mormente quando se busca estabelecer a comunicação com efeitos esteticos.

      De urn lado, se manifesta a intenção de despertar emoções ou atitude reflexivas no destinatário da mensagem; de outro lado, o da recepção, se delineia a busca de se compartilhar do apelo informativo de que se carrega a emissão fonológica. Daí o deleite com as palavras dispostas numa série eufônica.

       Mesmo os estudos semiológicos espantam-se com o signo musical, já apontado por alguns como significante desprovido de significado.

       No entanto, a Linguística tem apontado fatores acústicos na utilização de certos vocábulos, como a onomatopéia, a  aliteração, todo o aparato da Fonética (hoje considerada como estudo geral da Fala ou Fonêmica, no dizer de Joaquim Mattoso Câmara Jr.,  o  estudo do valor dos sons na linguagem) e da Fonologia (estudo dos  sons da fala) está a  disposição do interessado. No fundo, o leitor de obra literária concentra-se mais na fonética línguística, aquela que, questionando os sons articulados, elege aqueles que sejam portadores de significado. Mais ainda: o leitor mais ajustado ao  ato da leitura, portador da intenção de instruir-se e/ou de deleitar-se, haverá de  cultivar a Fonética Expressiva, aquela que trata do efeito estilístico

       Convencionou-se, em determinda ocasião, reservar-se à Estilística o estudo da estudo da linguagem afetiva, enquanto a linguagem intelectiva seria analisada pela Grampatica.

       Estudos antropológicos e literários cogitam da origem dos versos segundo fatores musicais condicionadores de festas e ritos comunicatorios em danças e cantos coletivos, de  fundo religioso. No interior dessa nebulosa cultural é  que as palavras se fizeram cantar, ou os cantos se fizeram ouvir, de  acordo com a mescla de  sons e palavras ritmadas, musicadas. O sentido de tudo apontava para a celebração dos deuses  e dos antepassados, bem como estímulo para  a guerra.

       A Historia da literatura recolhe a contribuição da Retórica, inicialmente afeita ao uso das palavras para fins oratórios. O principal objetivo da Retórica consistiria em persuadir e, consequentemente, influenciar os outros. Daí ser o estudo do born uso da argumentação. Certa corrente de autores neoclássicos condenou a Retórica por induzir ao excesso de ornamentos da Linguagem. O emblema da Arcádia Lusitana (1757) reza: lnutilia truncat.

       Nos anos mais recentes, verificou-se o renascimento da Retórica, sob a epigrafe de Retórica !iterária, graças ao trabalho de Ernest Robert Curtius, Literatura  Européia e Idade  Media Latina  (Brasilia: INL, 1957, trad. por Teodoro Cabral com  a  colaboração de Paulo Ronai) e de seu discípulo Heinrich Lausberg, autor  de Elementos de Retórica Literaria (Lisboa: Fund. Calouste Gulbenkian, 1967, trad. de R. M. Rosado Fernandes).

       São incontáveis os estudos que associam a Retórica à  Poética, relacionando a fala (a oratoria, a eloquência, e a preceptística verbal, o decoro, o ornato, o tocante poético) e a escrita aos usos literários, como a arte  de redigir e a busca do estilo (a  Estilística). Apenas para exemplificar uma particularidade da confluência de som e sentido, mencionemos o ensaio de Rodrigo Sá Nogueira "Contribuição para o Estudo das  Onomatopeias" (Boletim de  Filologia, IX, 1948, pp. 1-53), no qual se ressalta o ponto de vista fonético mais do que o retórico.

       A Linguísitica, ao cuidar da linha melódica obtida pela variação de tons das sílabas, no encadeamento da palavra ou da frase, refere-se à entoação. Extenso e variado capítulo cuida da entoação normal, da entoação afetiva, que exprime estudos emocionais, ironia, rancor, tristeza, e da entoação intelectiva, que transmitem  aspectos como dúvida, desejo,  etc.  Ademais, a  entoação determina inflexões diferentes, conforme a frase seja  informativa, exclamativa, interrogativa ou mesmo reticente. Existe uma gama enorme de variações tonais a caracterizar estilos individuais ou mesmo particularidades de determinados idiomas. No que  diz respeito à  Fonética, fala-se  na  Fonoestilística. Enquanto, no estudo das palavras motivadas, aplica-se a Morfoestilística. No âmbito da Crítica Estilística, formou-se a Estilística Literária, que analisa obras ou conjuntos de obras que ofereçam coesão, de conformidade com as intenções do autor. Concentra-se nos meios de expressão empregados para fins estéticos, no conteúdo expressivo da linguagem. Importa que o traço estilístico aponte mais para a emoção, para o afeto, do que para a mera comunicação.

       Saltemos para as correntes !iterarias. Antes, porém, é oportuno lembrar o cuidadoso estudo de  Solange Ribeiro de  Oliveira, Literatura    e  Musica  (S.   Paulo: Perspectiva, 2002) que leva o sub-titulo "Modulações Pós-Coloniais". A obra se apresenta como introducão  atualizada   à   melopoética, "buscando a mútua iluminação entre a musicologia  e os estudos literários", como se diz na quarta capa. Trabalho riquissimo, dos  mais estimulantes em  nossa bibliografia.

       É de tal riqueza e abrangência que a autora, logo no inicio, aponta o trabalho de Jon  L. Green, que  elabora a expressão Ut  musica poesis  (simétrica a de Horácio na Ars Poetica: Ut pintura poesis, ou seja "a poesia deve ser como um quadro"),   procurando, no entanto, remontar o fenômeno  interdisciplinar aos primórdios da  reflexãoo estética. E lembra a Professora Solange Ribeiro de  Oliveira que o romance Doktor Fausto,  de Thomas Mann, haja inspirado mais de mil estudos (cf. ob. cit., p. 25).

       Solange Ribeiro de Oliveira aborda o pantanoso tema da canção que amalgama poesia e musica. Dá voz a Lawrence Kramer, que na obra Music and Poetry: The Nineteenth Century and After (Berkeley/Los Angeles: Un. of California Press, 1984), sustenta a prevalência da  Música, que absorve a Poesia, pensamento esse sustentado tambem por  Susanne Langer.

       Curiosamente, Wylie Sypher, na obra Four Stages of Renaissance Style - Transformations in Art and Literature 1400-1700 (Garden City,  New York: Doubleday & Company, lnc.,  Anchor Books Original, 1955) informa que, em cada época, determinada Arte se tornou hegemônica. Para ele, no seculo XIX a primazia técnica passou para a Música. Dai que o Romantismo e o Simbolismo aceitassem o prindpio   de que todas as artes tendem "a acercar-se da condição de musica". Mesmo a Arquitetura teria sido pensada como melodia congelada (W.  Sypher, ob. cit., p.  31).

      O Simbolismo, capitaneado pela obra de Baudelaire e por suas  "correspondencias", equilibrou-se na regra-mestra de Paul Verlaine: "de la musique avant tout chose".  Frutificou intensamente no campo da Literatura. No Brasil, a impregnação sonora dos versos é patente num dos corifeus: o soneto de Alphonsus de Guimaraens (1870-1921): “Hão de chorar por ela os cinamomos".  Alphonsus  se popularizou com o poema "lsmália" e com o refrão desolador de urn dos seus mais conhecidos poemas "A  Catedral":

                    "E o sino canta em lúgubres responsos

                     Pobre Alphonsus! Pobre  Alphonsus!"

O efeito onomatopeico é evidente. No outro gigante do simbolismo brasileiro, Cruz   e Sousa (1861-1898), fica o registro de suas imagens coloridas, como o "branco", no poema "Antifona". As aliterações lhe são multiplas, como se vê na quadra seguinte do poema "Violões que choram":

                   "Vozes veladas, veludosas vozes,

                    Volupias de violões, vozes veladas,

                    Vagam nos velhos vórtices, velozes

                    Dos ventos, vivas, vãs vulcanizadas.”

       A musicalidade dos poetas simbolistas e foco de incontaveis estudos. A começar do poema de Verlaine, "Chanson d'automne"  de  Festes  galantes:

                     Les sanglots longs

                     Les sanglots longs

                     Des violons

                          De l'automne

                     Blessent mon coeur 

                     D'une  languer

                          Monotone.

                     Tout suffocant

                     Et blême, quand

                          Sonne l’heure,

                     Je me souviens

                     Des jours anciens           

                          Et je pleure 

                     Et je  m'en vais

                     Au vent  mauvais

                           Qui m'emporte

                     Deçà, delà,

                     Pareil à la

                          Feuille mort 

       No Simbolismo português, um dos poemas mais característicos, de inigualável    poder de realização éo que se encontra na obra Clepsídra de Camilo Pessanha:

                    Chorai arcadas

                    Do violoncelo!

                    Convulsionadas

                    pontes aladas

                    De pesadelo ...

                    De que esvoaçaam,

                    Brancos, os arcos...  

                    Por baixo passam,

                    Se despedaçam,

                    No rio, os barcos.

                    Fundas, soluçam

                    Caudais de chôro

                    Que ruinas (ouçam)!

                    Que se debruçam,

                    Que sorvedouro!...

                    Trêmulos astros...

                    Soidões lacustres...                                   

                    - Lemes e mastros...

                    E os alabastros

                    Dos balaustres!

                    Urnas quebradas!

                    Blocos de gêlo... 

                    - Chorai arcadas,

                    Despedaçadas,

                    Do violoncelo.

        Também a poesia moderna não se fez ausente dos adornos musicais. Que se  atente para a poesia de coloracão  política de Nicolas Guillén, que recolhe os sons dançarinos da fala afro-cubana para elaborar suas queixas, protestos, seu canto elegíaco. Não é sem propósito que um dos seus mais festejados livros tenha o título En son entero (1947). Aliás, em 1930, N. Guillén já havia escrito Motivos de son. Mas o mais enérgico apelo vocopoético aloja-se no título Sóngoro Cosongo (1931).

        Nos estudos de Estética, convencionou-se que a Literatura e a Música se desenvolvem no tempo, enquanto a Arquitetura, a Escultura e a Pintura se distribuem no espaço. Além dessas, existem artes que se realizam simultaneamente  no espaço e    no  tempo, como a Dança, o Teatro, o drama wagneriano e o Cinema.  A trilha sonora  trouxe nova dimensao ao Cinema tornando mais intensa, na esfera artlstica, a combinação dos sons ao sentido das palavras. A Musica, de certo modo, integrou-se à ação dramatica, intensificando os meios de expressão verbal e/ou visual.

       No seu criterioso estudo, Solange Ribeiro de Oliveira, reforçada pelo esquema de Steven Paul Scher, sugere as seguintes etapas para a investigação da melopoetica: a) estudos lítero-musicais, que utilizam os estudos literários para a análise musical;  b) estudos músico-literários, que empregam conceitos da musicologia, como tema e variações, sonata, ponto e contra-ponto, rapsódia, ou gêneros musicais, como o choro e o calipso, para  a análise !iterária; c) estudos de formas mistas, como a  canção, a ópera e o lied, apoiados tanto na musicologia quanto nos estudos literários.

       Cabe ainda pontuar, neste final de comentário, a importância da audição e da leitura na composição do sentido da obra, seja musical, seja literária. Quanto a Música, o "texto" se torna em  grande parte dependente do executor ou interprete. Além do mais, o receptor ou ouvinte haverá de  contribuir para dar sentido à obra, na medida em que a absorve no vasto campo da memoria auditiva, com  suas emoções, afetividades e domlnio crítico.

       O mesmo se dirá  da obra literária perante a leitura, na medida em que o leitor, ao cabo de seu processo emocional e intelectivo, passa a ser o interprete e juiz do trabalho. A leitura traz consigo a presentificação do texto, seja este antigo ou  novo, pois atravessa os depósitas cognitivos, emocionais e críticos acumulados na memória do leitor. É  perante esse tribunal ou cenário afetivo que a obra se desnuda, transbordante de significados. Ao engenho da escrita, acrescente-se o poder da leitura, nem sempre simétrica as intenções do autor.

       Da Autobiografia Intelectual, de  Karl Popper (S. Paulo: Cultrix/Edusp, trad. de Leônidas Hegenberg e Octanny Silveira da  Mota, 1977), consta o depoimento do filósofo e cientista, que passou pelo Positivismo e pelo Círculo de Viena, acerca da influência que a Ciência levou aos estudos e aos compositores da Música. Em dado momento, Karl Popper, refutando a corrente platônica, afirma:  "Minha afirmação básica é a de que, se tomarmos a teoria da inspiração, e arrebatamento  e  dela afastarmos a  fonte  divina, chegaremos, de imediato, a  moderna teoria da arte como auto-expressao e comunicação de emoções. Em outras palavras, a teoria moderna é uma espécie de teologia sem Deus... " (ob. cit., p. 73).

      Karl Popper é forte nas suas negativas. Considera  que as  teorias expressionistas ou emotivas da linguagem são banais, nao-esclarecedoras e inúteis. Para ele, "A originalidade é dom dos deuses; como a ingenuidade, não pode ser obtida por desejo ou alcançada por busca". (ob. cit., p. 69). Previa que  a Filosofia do Grupo de Viena se tornaria escolasticismo ou verbalismo. Mas não conteve  o entusiasmo diante da musica polifônica. Diz: "a polifonia, como a Ciência, é  peculiar à civilização ocidental". (ob. cit., p. 62). Acrescente-se que "Diversamente da  Ciência, a polifonia não parece ter tido origem grega, surgindo entre os séculos IX e XV de nossa era. Se assim é, tratar-se-á, possivelmente, de uma realização com raízes anteriores, a mais original e, na verdade, a mais miraculosa da civilização ocidental, sem excluir a Ciência". (ob. cit., p. 63).

        Na esteira das relações da Literatura com a Música, sobra vasto campo de análises e controvérsias. Quando a História da Literatura Brasileira incorporou a figura de Domingos Caldas Barbosa, ficou assinalado que os versos da Viola de Lereno (1798) estavam desacompanhados  das  melodias, o que  lhes subtraía parte da expressividade. José Ramos Tinhorão publicou estudo intitulado Domingos Caldas Barbosa – Poeta da Viola, da Modinha e do  Lundu (1740-1800) (S. Paulo: Ed. 34,  2004), a fim de assinalar o cunho popular das composições do poeta­cantador, introdutor daqueles gêneros na Corte portuguesa. Consta que, em face de pesquisa levada a feito na Universidade d Braília, corre a hipótese de se refcomporem as melodias, para as quais foram escritas as letras do autor.

        Algumas polêmicas se levantam acerca da legitimidade literária dos poemas da música popular brasileira. O condicionamento musial seria relevante e, em grande parte, absorvente do siginificado das composições. 

        Estiveram em consideração os poemas de Chico Buarque de Holanda e Caetano Veloso. A prosa de ficção do primeiro, celebrizada em 2010 com o Prêmio Jabuti da Câmara Brasileira do Livro, teve  contestação pública do responsável pela Editora Record (Rio). Quanto ao segundo compositor, Caetano Veloso, levantou distinção de jurados do Premio Nacional Portugal Telecom (2008), consagrado como poeta de especial valor no  pais.

        Na critica militante, destaca-se o  poeta e  ensalsta Pedro Lira, que tem publicado coletâneas de "jornalismo  literario".  Pedro Lira insiste na eficácia do aspecto sedutor da poesia no empenho ideológico de humanização das relações sociais. Para ele, o texto que se escreve para adaptar-se as exigências acústicas da  canção popular perde sua autonomia. Traduz conteúdo episódico, afastado da essência verbal.

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Fábio Lucas

Escritor, professor e crítico literário. Membro das Academias Mineira, Paulista e Brasiliense de Letras.

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II. Introdução

Música e Literatura

Luiz Antonio de Assis Brasil

                            

     A leitura deste excelente livro, pensado e organizado por José Domingos de Brito, enseja uma série de indagações, pois é múltiplo e completo. Seria impossível destacar um ou outro depoimento em especial e, por isso, prefiro dizer o que entendo acerca do assunto.
      As relações entre a música e a literatura são tão antigas quanto essas duas formas de expressão artística. Desde a Antiguidade o texto literário adapta-se à música, bem como a música adapta-se ao texto literário, mais precisamente, ao poema. Se pensarmos, por exemplo, no Cântico dos Cânticos ou nos Salmos, percebemos com nitidez que foram textos escritos com a finalidade de serem recitados ou cantados ao som de instrumentos musicais; nos Salmos, em especial, encontramos inúmeras indicações destinadas aos músicos, tais como no Salmo 4, onde consta: "Ao mestre de canto. Com instrumentos de cordas". Outras vezes consta "Com flautas" e, em certa ocasiões, indicações bem precisas de técnica, como: "Uma oitava abaixo". São célebres as ilustrações que mostram Davi empunhando uma harpa.
       De resto, na Antiguidade grega e romana era quase inadmissível que um poema fosse dito sem que se fizesse acompanhar de música: para tanto, o poema materializava-se em frases de cadência favorável ao canto, e mediante regras mais ou menos uniformes. Não esqueçamos também a imagem do imperador Nero, empunhando uma harpa enquanto incendiava Roma: não apenas uma melodia, mas uma elegia literária à cidade que perecia nas cinzas. Procurava-se, como se percebe, captar o ouvinte pela palavra e pela música ao mesmo tempo.
      Da Idade Média, passou ao nosso imaginário cultural a figura do trovador, simultaneamente poeta e músico, perambulando pelas aldeias com seu alaúde e seus poemas de caráter ora jocoso, ora erótico, ora satírico, ora de caráter sagrado, estes últimos celebrando cenas da vida dos santos ou na lembrança dos Sacramentos da Igreja. Rarissimamente a música era meramente instrumental: exceto no caso das danças, a melodia conjugava-se à palavra. Poucos foram os nomes desses poetas-músicos que chegaram até nós, mas quando chegam, chegam com a importância de um mestre como Roger von der Vogelweide.
       O Renascimento e o proto-barroco vieram a dar uma contribuição que permanece até nossos dias. Os compositores do período, talvez - e isso os musicólogos ainda não esclareceram de modo cabal - imaginando que o coro de tragédia clássica significasse o grupamento musical que modernamente leva esse nome, criaram a musica per drama. Vemos aí que era não apenas o poema que instigava as imaginações, mas o texto dramatúrgico. Desse feliz equívoco, surgiu a ópera moderna, que mantém suas características quase inalteradas há cerca de quatro séculos.
       O que é a ópera? Fundamentalmente, uma peça de teatro - portanto, literatura - que recebe um tratamento musical. Vários compositores seduziram-se por esta nova forma, passando pelo pleno Barroco, pelo Classicismo, pelo Romantismo, pelo Impressionismo e pela música contemporânea. Talvez seja Richard Wagner aquele que melhor entendeu os propósitos da ópera, denominando-a de Gasamtkunstwerk, ou a "obra de arte total". Wagner foi um criador artístico que durante muito tempo hesitou entre a carreira literária e a carreira musical: ele próprio foi o autor da maioria dos textos de suas óperas. Essa indecisão não foi exclusiva do Mestre de Bayreuth: sabemos o quanto o compositor Robert Schumann foi, e talvez com a mesma excelência, um poeta e crítico literário. Parece que esta tendência tornou-se uma constante no cenário das artes, tanto que hoje é extremamente difícil encontrarmos músicos puros, isto é, músicos que deixam aos outros o tratamento literário de suas composições. Como exemplo do Século XX temos o nome de Karl Orff, com sua célebre Carmina Burana, cuja introdução O fortuna servia de introdução aos espetáculos de Michael Jackson. Orff musicou com extrema competência uma série de poemas medievais, elevando-os à grandeza de arte total.
     Peço licença a meus ouvintes - e sem qualquer pretensão de comparar-me a esses gênios - para relatar uma experiência pessoal que não é apenas minha. Antes de dedicar-me por inteiro à literatura, fui durante 15 anos músico profissional da OSPA, na qualidade de violoncelista, e sempre entendi não haver qualquer incompatibilidade entre essas duas formas de expressão artística; a literatura acabou predominando por fatos apenas circunstanciais. Não foi uma opção traumática, tanto que hoje em dia é bem possível que eu destine mais horas a ouvir música do que a ler romances ou poemas. Percebo, também, o quanto a música foi importante na realização de meus textos como Manhã transfigurada ou As virtudes da casa. Nunca dou por pronto um parágrafo ou uma mera frase, sem submetê-los à leitura em voz alta, para descobrir-lhes eventuais problemas de ritmo. Daí ressalta a importância da respiração, pois é ela que determina o ritmo da leitura.
     Santo Agostinho (354-430), em suas Confissões, narra: Mas quando [Santo Ambrósio] lia, seus olhos divagavam pelas páginas e o coração penetrava-lhes o sentido enquanto a voz e a língua descansava. Nas muitas vezes em que me achei presente (...) sempre o via ler em silêncio, e nunca de outro modo.
      Esta última reflexão pode induzir ao entendimento das duas maneiras pela quais a música relaciona-se à literatura: por um lado, as formas musicais podem representar-se na música e, por outro, a música poderá dar o andamento rítmico ao período gramatical.
     Quanto ao primeiro aspecto - as formas musicais representadas na narrativa - é preciso que se informe, de modo esquemático, a questão da forma na arte dos sons. As peças de música erudita a que estamos acostumados a ouvir submetem-se a esquemas mais ou menos rígidos: assim, a sonata, a sinfonia e o quarteto, por exemplo, articulam-se dentro de um padrão fixo que os divide em quatro movimentos, que no período clássico fixaram-se em allegro - andante - menuetto e finale, em geral um presto. Interiormente, esses movimentos - em especial o primeiro - desenvolvem-se com a exposição do tema, reexposição, segundo tema, desenvolvimento, coda. Tudo isto pode parecer, como alguém disse, uma matemática da música; permito corrigir para arquitetura da música, que me parece mais apropriado, pois implica no construir segundo cânones. Assim compuseram Mozart e Haydn. Apenas alguns músicos, como o Beethoven dos últimos quartetos, ousaram romper. Como surgiram esses cânones? Não foi de um dia para o outro, isso é certo. Representaram uma evolução do antigo concerto do período Barroco, que, a propósito, possuía apenas 3 movimentos: um rápido, um lento e um rápido. Foi a escola de Mannheim, no século XVIII que fixou a fórmula que conhecemos.
     Não se pense, entretanto, que esta arquitetura da música teve qualquer efeito de estilizar, empobrecer ou abstrair a inspiração e a beleza: ao contrário: disciplinando a emoção, obtive um pacto mais fácil com o ouvinte, captando sua adesão. Sabia-se o que se ia ouvir quanto à forma: essa segurança propiciava um clima adequado à fruição estética do ouvinte, que ficava à espera de como o compositor se haveria no manejo desse instrumental.
     O texto literário é, de todas as artes, o mais suscetível de ser influenciado por outras formas de expressão, e hoje é possível afirmar que os movimentos da forma-sonata têm muito a ver com os capítulos ou segmentos da narrativa literária. É claro que não se fala de uma influência direta, rígida, e constatável à primeira leitura: trata-se mais de uma espécie de atitude narrativa que segmenta o texto em fragmentos que, muitas vezes, alternam as expressões do introspectivo com o extrospectivo, o cômico com o sério, a ação com a reflexão. Exemplos há, na História da Literatura, que são modelos do que estamos a falar. E refiro-me, aqui, em especial, ao escritor cubano Alejo Carpentier; Carpentier, como se sabe, foi músico na juventude, sendo um pianista de reais méritos - aliás, sua história familiar o levava a isso: teve uma avó que foi aluna de César Frank, e seu pai, um famoso arquiteto francês, foi aluno de violoncelo de Pablo Casals. Carpentier nunca negou a importância da forma musical na composição de seus romances, e aqui seria importante ouvi-lo em uma entrevista dada em 1963 à Rádio-Televisão Francesa, referindo-se a El acoso (O cerco). Apenas para lembrar: a ação narrativa dá-se em um teatro de Havana, durante uma execução da 5a Sinfonia de Beethoven; um ativista político é perseguido pelo interior do teatro enquanto a orquestra toca. Diz Carpentier [aliás, já citado neste livro], em obra publicada pelo Instituto do Livro de Cuba: Como antes trabalhei sobre a música, quis fazer um relato que fosse um pouco a forma da sonata, uma construção tripartida. Há uma primeira parte que é a exposição dos três personagens, quer dizer, dos três temas; há um jogo de variações centrais; há, no final, o que na música corresponde à coda. Então, tratei de fazer uma novela que pudesse ser lida de uma única leitura e que ficasse limitada no menor tempo real. Tomei como base uma sinfonia de Beethoven e, como sua execução dura geralmente quarenta e cinco minutos, situei minha ação no lapso dos 45 minutos. Bem mais tarde, em 16 de junho de 1975, em uma entrevista à Quinzaine Littéraire de Paris, ele afirma: Ao estudar a sonata - a sinfonia, o concerto e a sonata são praticamente a mesma coisa desde o ponto de vista da forma - me perguntei: por que o músico tem à sua disposição meios estruturais que o escritor não tem? Quando se compõe uma sinfonia ou uma sonata, se sabe muito bem até onde se pode chegar: estão aí as repetições, os mecanismos estabelecidos previamente, as variações - para mim, a variação é a forma suprema da música, em certo sentido - e, de acordo com isso, escrevi a novela El acoso que é, entre todas minhas novelas, a que talvez tenha tido o menor número de leitores, ainda que Sartre tenha considerado a melhor.
      Aliás, um crítico europeu, citado pelo mesmo Carpentier, disse que El reino de este mundo era um quarteto; El acoso, uma sonata; El siglo de las luces uma sinfonia. E são palavras de Carpentier: "É evidente que no El siglo de las luces eu me propus, premeditadamente, escrever uma espécie de Sinfonía del Caribe".
     Não estou advogando um reducionismo dessa natureza, mas o caso de Carpentier é exemplar de um escritor que deixou pública sua admiração e a influência sofrida pelas formas musicais. Muitas vezes me ocorre a mesma pergunta de Carpentier, e pensando nisso, percebo que a simples análise estrutural de alguns dos melhores romances de nossa literatura revela uma fidelidade espantosa a uma organização prévia onde não raramente está viva a disposição em algo que poderíamos chamar de movimentos. Uma obra como Os sinos da agonia, de Autran Dourado, é uma amostra bem nítida. Alternando vozes narrativas que se cruzam, trazendo história mediante a visão sucessiva de várias personagens, estabelece uma exposição de temas que ganham, no decorrer da narrativa, inúmeras variações. Não é por nada que Os sinos da agonia erige-se à dimensão de obra literária superior.
      Em segundo lugar, e esta é uma influência mais do que clara, a música é importante no próprio escandir das frases. Sem falar na poesia, que é o gênero literário sonoro mais evidente, tanto que a métrica ou o simples ritmo é um dos pontos capitais de qualquer texto dessa natureza, é impossível negar que também a narrativa, quando bem tratada, leva em consideração a cadência da frase. Temos aqui o caso exemplar de Flaubert, que recitava a plenos pulmões parágrafos inteiros de Madame Bovary, o que é atestado por seus vizinhos. E o fazia na intenção de dar um aspecto sonoramente bom ao material literário. A frase inaugural de Madame Bovary serve de exemplo: "Nous étions à l'étude, quand le proviseur entra, suivi d'um nouveau habillé en bourgeois e d'un garçon de classe que portait un grand pupitre". Observe-se aí uma frase praticamente composta por 3 compassos de oito acentos.
     Aliás, na denominação musical, o termo frase é de uso regular, mostrando a analogia entre essas duas formas artísticas: a música e a literatura. No caso de Flaubert, foi uma busca consciente, predeterminada. É entretanto aceitável que os outros autores tenham obtido essa sonoridade de modo inconsciente. O ritmo, portanto, incorpora-se imperceptivelmente à escritura, e o leitor sabe detectar quando esse ritmo é atropelado.
    Entendemos, assim, que a música articula-se à literatura de duas maneiras: no primeiro caso, que diríamos extrínseco, a música estabelece formas exteriores ao texto; no segundo, a música colabora especialmente com o ritmo. O leitor, mesmo desconhecendo os cânones musicais, percebe, de modo difuso - mas nem por isso menos verdadeiro - o quanto o texto agrada por uma instância extraliterária, que é a instância musical.
    Ler esta obra é constatar a verdade disso tudo pela boca e pensamento de quem sabe muito mais do que eu.
     Boa leitura.
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Luiz Antonio de Assis Brasil
Escritor, músico, professor de criação literária e Secretário de Cultura do Estado do Rio Grande do Sul.
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III. Apresentação

Música, alma da literatura

Marcelo Moraes Caetano

       

      A música é semântica, sim, mas semântica mediata, requer, mais do que a literatura, da cooperação psíquica do interlocutor. Um dó maior não terá a mesma força-efeito em duas pessoas. Nem terá a mesma força--efeito numa mesma pessoa em dois momentos diferentes. E, por mais que uma metáfora com palavras seja polissêmica e aberta a interpretações e recepções diversas também, está claro que “uma rosa é uma rosa é uma rosa é uma rosa...”
     Na música não há uma rosa. Há dissonâncias, pausas, assonâncias, intervalos, dominantes, repousos, marchas, forças, tons, modos, clímax, inquietações, paz, conflitos, soluções... tudo isso abrindo mão das palavras, recorrendo a significantes, portanto, quase que cem por cento sob poder do receptor. Não que uma precise da outra. Antes diria eu: são casos em que uma quis a outra. É bem diferente. Não se trata da área da necessidade, senão, sim, da área do querer, do bem-querer.

      Esse bem querer amplia os mistérios da criação literária e o nosso interesse não em querer desvendá-los, pois seria muita pretensão. No entanto, nos instiga a continuar especulando e se possível conhecer um pouco mais destes mistérios, aclarando as relações entre a literatura e a música. O levantamento bibliográfico e de depoimentos expostos neste livro, devido mesmo à sua variedade, constituem-se num formidável recurso á este propósito.      

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Marcelo Moraes Caetano

Poeta, músico, gramático, escritor, professor, crítico literário e tradutor não necessariamente nessa ordem. Como escritor já foi premiado duas vezes pela UNESCO, e como músico é membro do casting artístico oficial da Orquestra Sinfônica de

Viena.

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IV. Princípios

Mistérios da Criação Literária

    

José Domingos de Brito

       Meu interesse em especular as relações da literatura com a música se deu a partir da declaração (e reiteração) de João Cabral de Melo Neto, dizendo que não gosta de música. Abriu uma exceção apenas para o flamenco, que conheceu em Sevilla, enquanto diplomata; e para o frevo, devido a sua origem pernambucana. Fiquei matutando: como é possível o autor de um poema como “Morte e vida severina”, musicado pelo Chico Buarque, não gostar de música? Vale dizer que se trata de uma canção que contribuiu significativamente para projetar estes dois expoentes da literatura e da música. Só mais tarde, é que o espanto foi dissipado através de uma entrevista de Ferreira Gullar, dizendo isso não era verdade e que João Cabral, nessa questão, mentia com muito talento.

      Assim, passei a reparar nas entrevistas com escritores que as perguntas sobre tais relações são mais freqüentes do que eu supunha. Fui, então, verificar a bibliografia referente à este relacionamento e deparei com uma quantidade razoável de livros, artigos, teses e textos em geral publicados. Desse modo, foi concebido o 6º volume da obra "Mistérios da criação literária”. Mas foi no decorrer de sua feitura que verifiquei que tais relações são mais antigas do que imaginamos; que a música pode ser entendida como uma “literatura cantada”; que o ritmo também é uma característica literária; que, enfim, são expressões de um mesmo sentimento humano e que têm finalidades semelhantes.

     Porém, as diferenças são também marcantes: basta ver que a música, por ser imaterial, é “absorvida” imediatamente pelo sentido; enquanto a literatura para ser “inoculada” exige, além da leitura, o raciocínio. Mas quem sou eu para falar dessas semelhanças e diferenças? Para isto procurei o auxílio de quem é do ramo, dos amigos que vieram dar seus depoimentos tanto nas apresentações como nas orelhas do livro. Neste sentido, tanto eu como os leitores, foram contemplados com alguns ensaios de experientes autores nestas duas áreas. E assim concluímos mais uma etapa na construção da obra.

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José Domingos de Brito

Bibliotecário, pesquisador e editor do site www.tirodeletra.com.br

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Parte I

DEPOIMENTOS

 

  Contém 100 depoimentos

Veja o índice

 

Parte II

BIBLIOGRAFIA

Contém 40 referências

Veja os resumos

1977

WISNIK, José Miguel. O Coro dos Contrários: a música em torno da Semana de 22. São Paulo: Duas Cidades, 1977.

                                           

1985

DAGHIAN, Carlos (org.). Poesia e música. São Paulo. Perspectiva, 1985.

1989

WISNIK, José Miguel. O Som e o Sentido. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.

                                       

SOPEÑA, Federico. Música e literatura. São Paulo: Editora Nerman, 1989.

1991

SENNA, Homero. Os escritores e a música. O Estado de São Paulo, 24/08/1991

1996

FONSECA, Aleilton. Enredo romântico, música ao fundo. Manifestações lúdico-musicais no romance urbano do Romantismo. Rio de Janeiro: Sette Letras, 1996.

NESTROVSKI, Arthur. Ironias da modernidade: ensaios sobre Literatura e Música. São Paulo: Ética, 1996.

1997

RUCKERT, Ernesto von. Música e literatura. Revista Gláuks, do Departamento de Letras da Universidade Federal de Viçosa, ano I, nº 2, jan-fev/1997, pp. 125-138.

2002

OLIVEIRA, Solange Ribeiro. Literatura e música. São Paulo: Perspectiva, 2002.

2004

GARCIA, Lauro Lisboa. A arte de divulgar poesia usando música. O Estado de São Paulo, 12/07/2004.

2007

ASSIS, Jamilie de. Literatura e música: diálogos da crítica. Salvador, BA: III ENECULT – Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura, 23-25, maio de 2007.

2008

MARQUES, Pedro. Manuel Bandeira e a música: com três poemas visitados. São Paulo: Ateliê Ediorial, 2008.

TATIT, Luiz; LOPES, Ivã Carlos. Elos de melodia & letra: análise semiótica de seis canções. São Paulo: Ateliê Editorial, 2008.

                                                              2009

CAETANO, Marcelo Moraes. Música (alma) e literatura. www.tirodeletra.com.br (19/04/2009).

                                         DISSERTAÇÕES E TESES

1993

GARCIA, Denise Hortencia Lopes. A casa do poeta. São Paulo: Unicamp - Instituto de Artes. Dissertação orientada por José Antonio R. de Almeida Prado. 1993

                                                                1996

HASSAN, Monica Farid. A relação texto-musica nas canções religiosas de Almeida Prado. São Paulo: Unicamp - Instituto de Artes. Dissertação orientada por Adriana Giarola Kayama. 1996

1997

CASTRO, Antônio José Jardim e. Música: vigência do pensar poético. Tese de Doutorado em Ciência da Literatura – Poética. Rio de Janeiro: UFRJ, Faculdade de Letras, 1997.                                    

1998

PORTELA, Girlene Lima. O fenômeno da intertextualidade na produção ceataneana: o intertexto como veiculador de sentidos. São Paulo: Unicamp - Instituto de Estudos da Linguagem. Dissertação orientada por Ingedore Grunfeld . Koch. 1998.

2000

MONTANHA, Eleonora V.S. No compasso das horas: Música e morte na obra de Autran. Universidade Federal de Santa Catarina-UFSC. Dissertação sob orientação de Marco A. Castelli. 2000

2002

PAZ, Ravel Giordano. Estações e encruzilhadas: o inferno e o sonho, a música e o mundo nos romances de Chico Buarque. São Paulo: UNICAMP - Institituto de Estudos da Linguagem. Dissertação sob a orientação de Suzi Franki Sperber. 2002.

2003

MARQUES, Pedro. Musicalidades na poesia de Manuel Bandeira. São Paulo: UNICAMP - Instituto de Estudos da Linguagem. Dissertação orientada por Orna Messer Lewin. 2003.

2004

AGUIAR, Werner. Música: poética do sentido. Uma onto-logo-fania do real. Tese de Doutorado em Ciência da Literatura – Poética. Rio de Janeiro: UFRJ, Faculdade de Letras, 2004.                                        

CAVALCANTE, Rita de Cássia. Porto Alegre em canto e verso: vinte e poucos anos de canção popular urbana. Porto Alegre: UFRGS. Dissertação orientada por Luis Augusto Fischer. 2004.

2005

BEZERRA, Karelayne de A. Coelho. Um anjo dissoluto, a poética de Cazuza do prazer à lucidez. Universidade Federal de Santa Catarina-UFSC. Dissertação sob orientação de Marco A.M. Castelli. 2005.

2006

BYLAARDT, Cid Ottoni. Lobo Antunes e Blanchot: o diálogo da impossiblidade (figurações da escrita na ficção de Antonio Lobo Antunes). Belo Horizonte: UFMG - Faculdade de Letras. Tese orientada por Silvana Maria P. de Oliveira. 2006.

CUNHA, Auristela Crisanto da. Machado de Assis em contos: uma constelação de partituras. Natal: UFRN. Tese orientada por Ilza Matias de Souza. 2006.

BARBEITAS, Flavio Terrigno. A música habita a linguagem: teoria da música e noção de musicalidade na poesia. Belo Horizonte: UFMG- Faculdade de Letras. Tese orientada por Maria Antonieta Pereira. 2007.

SANTOS, Juliana. Vinícius de Moraes e a poesia metafísica. Porto Alegre: UFRGS. Dissertação orientada por Ana Maria Lisboa de Mello. 2007.

COSTA, Cristiano Bedin da. Matérias de escrita. Porto Alegre: Faculdade de Educação da UFRGS. Dissertação sob orientação de Sandra Mara Corazza. 2007.

2008

ALMEIDA NETO, Arnoldo G. Música das formas: a melopoética no romance Avalovara, de Osman Lins. Recife: Universidade Federal de Pernambuco. Dissertação sob orientação de Ermelinda M.A. Ferreira. 2008..

BARBOSA, Rogério Vasconcelos. B. Escuta / escrita: entre olho e ouvido a composição. Porto Alegre: UFRGS-Instituto de Artes. Tese orientada por Antonio Carlos Borges, 2008.

BEZERRA, Fernanda Gama. O diálogo entre a ópera e o romance Ópera dos Mortos, de Autran Dourado. São Paulo: Instituto Mackenzie. Dissertação sob orientação de Maria H.F. Peixoto. 2008

DIETRICH, Peter. Semiótica do discurso musical: uma discussão a partir das canções de Chico Buarque. São Paulo: USP. Tese sob orientação de Luiz Augusto de Moares Tatit. 2008.

2009

RESENDE, Nara Cristina Nunes. Acontece que as orelhas não têm pálpebras: o esterior na literatura e na música contemporâneas. Belo Horizonte. Dissertação orientada por Ruth Junqueira S. Brandão. 2009.

PASSONI, Mariana V. Mezzalira. Veredas sonoras: música e escritura na narrativa de Grande sertão. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica. Dissertação sob a orientação de Amauri Lopes, 2009.

PÁDUA, Mônica Pedrosa. Imagens de brasilidade nas canções de Câmara de Lorenzo Fernandez: uma abordagem semiológica das articulações entre música e poesia. Belo Horizonte: UFMG. Tese sob orientação de Leda Maria Martins. 2009.

LAHM, Alexandra C. Silva. A união das artes: música e literatura na obra de Luiz Antonio de Assis Brasil. Porto Alegre: PUC/RS. Dissertação orientada por Maria Eunice Moreira. 2009.

PACHECO, Natália Araújo. A influência da música o comportamento de compra de clientes em uma livraria. Porto Alegre: Escola de Administração da UFRGS. TCC sob orientação de Cristiane Pizzutti dos Santos, 2009.

GUEDES, Fernanda da Cunha; POLETTO, Juarez. Adoniran Barbosa e João Antonio – música e literatura: o descarne da vida humana. Curitiba: UTFPR-Universidade Técnica Federal do Paraná, s.d. http://www.dacex.ct.utfpr.edu.br/9_fernanda.htm (16/03/2011)

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V. Posfácio

  As letras na pauta


Jorge Fernando dos Santos

    Música e literatura sempre andaram juntas, desde a antiguidade. O ritmo é parte integrante da escrita, mesmo quando não se trata de texto poético. Enquanto isso, ao longo da história, a poesia se fez presente na ópera, nos jograis e na canção popular, cobrindo de redondilhas os acordes musicais.
    Isso talvez explique o envolvimento de escritores com a música e de músicos com a literatura. Poetas clássicos tiveram versos musicados por compositores eruditos. Basta lembrar a Ode à Alegria, de Schiller, pioneiramente incluída por Beethoven no quarto movimento de sua 9ª Sinfonia.
    No século XX, o dramaturgo e poeta andaluz Federico García Lorca também se dedicou ao violão flamenco na mesma proporção em que o lusitano Fernando Pessoa teve poemas musicados por compositores de variados estilos. Grandes ficcionistas como os norte-americanos Paul Bowles e Ralph Ellison foram ligados ao mundo do jazz, enquanto o canadense Leonardo Cohen consagrou-se como poeta e compositor.
    O fenômeno é universal, mas é no Brasil que ele toma dimensões qualitativa e quantitativamente admiráveis. Basta lembrar os poetas populares do Nordeste, dedicados à tradição do cordel e do coco de embolada. Patativa do Assaré, por exemplo, fez poemas e canções, tendo seus versos também musicados e interpretados por outros artistas.
    Um dos primeiros a investigar a cultura musical brasileira foi o modernista Mário de Andrade. Influenciado por esse trabalho, ele compôs o clássico caipira Viola Quebrada, em parceria com Ary Kerney. Manuel Bandeira teve versos musicados por Villa-Lobos e, mais tarde, por Tom Jobim. Ferreira Gullar fez parcerias com Fagner, Milton Nascimento e Paulinho da Viola, além de incluir no Poema Sujo uma letra para O Trenzinho do Caipira, de Villa-Lobos. Drummond e Henriqueta Lisboa também tiveram poemas musicados por diversos compositores. Fernando Sabino era baterista nas horas vagas.
    Contudo, o autor brasileiro que fez a grande travessia da poesia canônica para a canção popular foi Vinicius de Moraes. Pode-se dizer que sua contribuição ao cancioneiro nacional foi mais determinante do que ao universo poético propriamente dito. Ao convidar Tom Jobim para compor a trilha do musical Orfeu da Conceição, o “poetinha” acabou se tornando um dos pais da Bossa Nova. O movimento mudaria para sempre os rumos da canção popular, influenciando músicos em vários países.
    Herdeiros da arte de Vinicius, compositores como Aldir Blanc, Caetano Veloso, Chico Buarque, Fernando Brant, José Miguel Wisnik e Paulo César Pinheiro – também sob a influência de Guimarães Rosa – se renderam ao fascínio das letras, passando a escrever crônicas, ensaios, ficção e poesia, confirmando a vocação múltipla dos autores nacionais.
    Neste livro, organizado pelo bibliotecário e bibliófilo José Domingos de Brito, o tema é fartamente abordado por dezenas de escritores de vários países. A publicação, que se acrescenta à coleção Mistérios da Criação Literária, é mais uma importante contribuição do site Tiro de Letra ao estudo da literatura e de sua relação com as outras artes em todo o mundo.

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Jorge Fernando dos Santos

Compositor, escritor e jornalista

VI. Menção final

Olvidos misteriosos

        Bem poderíamos pensar que a criação é um mistério da natureza, de Deus, do que se quiser denominar. Mas não, a ciência e a tecnologia querem nos fazer acreditar (e têm conseguido em boa parte) que toda descoberta ou invento é obra de uma equipe trabalhando em conjunto num laboratório na busca de algo preestabelecido por alguma necessidade real, artificial ou virtual, como pode acontecer hoje em dia. Dessa maneira, se acreditássemos nisso, a criação científica perderia sua graça e o encanto de seu fazer, do que precisa ser feito para a melhoria da qualidade devida.        

       Ainda bem que nem todos os cientistas pensam assim. Contudo, esse é o modo generalizado do pensamento que se alastra pelo conhecimento coletivo. Isto se deve, talvez, ao nosso costume de polarizar o objeto de pensamento, contrapondo-o como ponto de referência a outro de igual relevância: o mundo da criação artística, cuja concepção é diferente, quase oposta ao conceito que vimos da criação científica.

        A criação artística é sempre vista como a expressão de um talento individual, i,é, um mistério, dado que não se explica por que uma pessoa tem mais talento do que outra, e até pessoas desprovidas de talento, como o concebemos. São diversos os talentos, tanto nas ciências como nas artes. Dentre essas, vamos tratar da primeira das artes criativas e criadoras da humanidade: a arte literária, tomada no sentido amplo. No sentido da origem da fala e da escrita nos primórdios de tudo que conhecemos como humanidade e que se distinguiu na natureza pelo conhecimento e sua transmissão às gerações.

        Outra particularidade do exercício literário é o caráter essencialmente individual, que faz da atividade do escritor a mais solitária, e também a mais solidária da vida, já que ninguém escreve para si. Neste ponto – na solidariedade – o escritor se encontra com o cientista, pois ambos buscam algo não para si, e sim para que outros desfrutem de seu trabalho. tanto para um como para outro é preciso uma certa dose de despreendimento e desligamento do mundo para aperfeiçoar seu objeto de trabalho.

        Além de primeira, ou talvez por isso mesmo, a literatura é a arte mais conhecida e praticada no mundo. Quem já não se dispôs a fazer sua “quadrinha” de versos? Quantos poetas, até analfabetos, já conhecemos pelo mundo afora a fazer suas rimas e composições literárias de um modo encantador? Esta é uma das principais características da literatura, de seu feitio, que fazem dela uma arte popular. Para constatar, temos a literatura de cordel, resquício dos trovadores  e cancioneiros medievais, tão bem cantada na história da literatura universal.

      Se é assim, a literatura como a arte mais popular, como a primeira e mais importante das artes, a mentora de outras artes e ofícios, como o teatro, cinema, música e jornalismo, qual o sentido do título Olvidos misteriosos atribuído a esta menção final? Trata-se de um paradoxo, no qual a literatura, com toda sua importância, está perdendo espaço na mídia para a comunicação visual, virtual, interativa propiciada pela “era da informática”. Até pouco tempo atrás dizíamos que a literatura vinha sendo olvidada pelo grande público, devido mesmo ao uso intensivo dos computadores, que virou um eletro-doméstico e, ao mesmo tempo, um brinquedo nas mãos das crianças e um equipamento de trabalho de todas as profissões.

       Dizíamos, também, que a proposta dos Mistérios da criação literária era combater esse olvido, contando com a participação pública. Assim, a menção final se configurava, em verdade, numa “mensagem final” de conclamação aos interessados em manter a busca coletiva e divulgação dos mistérios da criação literária através da Internet. Hoje vemos que a Internet vem provocando uma revolução na história da literatura (ou da humanidade?) só comparável com aquela ocorrida há 500 anos com Gutemberg e a invenção da imprensa. A comunicação escrita atingiu um patamar, onde cada pessoa pode ser autônoma em relação aos meios editoriais e divulgacionais.

         O ato de escrever retoma seu lugar na história da humanidade de um modo surpreendente. Surgem os sites e blogs literários e um novo público interessado no fazimento da literatura. Como decorrência disso, começam a pipocar em todos os lugares as oficinas e cursos de criação literária. Tais cursos vêm se aprimorando e alguns deles já estão sendo ministrados em nível de pós-graduação. Assim nossa conclamação se refaz com a utilização da Internet através do site www.tirodeletra.com.br convidando os interessados em manter a literatura ainda mais viva com os recursos tecnológicos à disposição de todos. 

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                 VI. Índice de consulta simultânea        

       Um invento editorial

 

      Todos os inventos na área editorial são surpreendentes, devido mesmo à sua raridade. Pois, desde que Gutemberg inventou o livro em folhas de papel grudadas com uma lombada, é difícil imaginar outra forma mais conveniente para o livro. Tanto é que as revistas, surgidas após mais de 200 anos, seguiram o mesmo modelo. Talvez não haja mesmo o que inventar por aí, e a única revolução que vimos na área em todos estes anos foi a editoração eletrônica, que facilitou substancialmente a feitura do livro. Outra “revolução” editorial conseqüente desta primeira é a edição do “e-book”, o livro eletrônico.

      No entanto, na edição do livro em papel, disponível à consulta sem computador, surge agora um novo local para o índice que possibilita uma simultaneidade de consultas. Trata-se não de uma revolução editorial, como quis parecer, mas de outra localização para o índice, cuja história lhe confere um grau de utilidade, conforme descrito a seguir.

      O nome atribuído ao índice designa exatamente sua função: permitir a consulta ao índice e ao corpo da obra  simultaneamente. Poderia, muito bem, ser chamado de “Índice Lehfeld”, se adotássemos o nome de seu criador em meados da década de 1970. O índice de consulta simultânea surgiu a partir de uma consulta rápida a uma bibliografia sobre segurança de trânsito. Nessa época, eu trabalhava no Centro de Documentação da Companhia de Engenharia de Tráfego-CET, em São Paulo, e tinha como supervisor Gilberto Monteiro Lehfeld. Estávamos numa reunião discutindo a elaboração da bibliografia e passamos a verificar o detalhamento do índice analítico. Ao final, Lehfeld me perguntou onde ficaria localizado o índice. “No final, é claro”, respondi prontamente. Ele fez cara de quem não gostou e disse o porquê? “É que no final, o leitor tem que ficar indo e voltando ao índice para ver os assuntos de seu interesse”. Argumentei que era isso mesmo, que não havia outro lugar para o índice , a norma era essa. Ficamos ali pensativos por um instante na busca de um lugar que na publicação que evitasse aquele “vai-e-volta” ao índice. De repente, ele deu um soco na mesa: “Achei! O índice vai ficar no verso da ‘orelha’ da publicação”. De fato, ao desdobrar a ‘orelha’, o leitor vislumbra o índice enquanto folheia o corpo da publicação. Assim surgiu o índice de consulta simultânea, que tem mostrado sua utilidade ao longo desses anos. Mais tarde, após ter mostrado a invenção aos colegas bibliotecários, resolvi publicar a experiência no Boletim da ABDF-Associação dos Bibliotecários do Distrito Federal (1).

      Em seguida, recebi algumas cartas de bibliotecários de outros estados, solicitando mais informações sobre o índice ou felicitando pela descoberta do novo local. O “Indice de orelha” ficou assim conhecido no âmbito interno de algumas bibliotecas e centros de documentação de empresas. Passados 11 anos, mudei o nome para “Índice de consulta simultânea” e resolvi divulgá-lo amplamente através da revista Ciência da Informação, do Instituto Brasileiro de Informação Científica e Tecnológica-IBICT (2).

 

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1 - Brito, J.D. O índice no verso da orelha da publicação visando maior facilidade do seu manuseio: relato de uma experiência. Boletim da ABDF, Brasília, v.1, nº 1, p. 25-7, jan. 1981.

2 – Brito, J.D. Índice de consulta simultânea: o acesso rápido e manual. Ciência da Informação, Brasília, v. 21, nº 3, pa. 247-8, dez. 1992.         

       

                                                               X.X.X

 

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