Jorge de Lima
Entrevista conduzida por Homero Senna, publicada origialmente na Revista d’O Jornal, de 29/07/1945 e republicada em seu livro: República das letras. 3ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1996, de onde foi extraída.
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Sem sombra de dúvida, Jorge de Lima é um dos casos mais curiosos da literatura brasileira, senão das artes brasileiras, uma vez que seu originalíssimo talento, não se satisfazendo nos limites da poesia, do romance e do ensaio, para ele estreitos, invadiu outros terrenos, como a escultura e a pintura, onde vem realizando experiências que a uns enchem de furor e a outros agradam extraordinariamente.
Rapaz de dezessete anos, era autor de sonetos parnasianos impecáveis, com hemistíquios, enjambements, chaves de ouro e tudo, sonetos que deixaram de boca aberta um crítico dos mais ferozes e errados da época - precursor em linha reta de Elói Pontes - Osório Duque Estrada. É desse tempo o seu célebre "O Acendedor de lampiões", que as antologias recolheram. Tentando outro gênero, escreve pouco depois um romance Salomão e as mulheres, e logo a seguir A Comédia dos erros, volume de ensaios que mereceu ótimas referências de mestre João Ribeiro, sobretudo pela pureza do estilo.
Logo se fatiga, porém, de tudo isso e, pelas alturas de 1925, passa a fazer excelente poesia modernista, servindo-se principalmente de motivos folclóricos do Nordeste - a sua região - e de recordações da infância. Datam de então alguns de seus poemas que mais se popularizaram, como "Essa negra fulô", "O Mundo do menino impossível", "Bangüê", "Madorna de iaiá" etc. Foram os poemas dessa fase que levaram José Lins do Rego, em lúcido ensaio, a saudar em Jorge de Lima uma das vozes mais expressivas da poesia brasileira de todos os tempos. E os versos modernistas de fundo folclórico do lírico alagoano têm a maior repercussão não só no Brasil mas também no exterior, onde críticos ilustres se ocupam deles. Mesmo afastado de qualquer dos grupinhos que aqui, em São Paulo, em Belo Horizonte e em outros Estados realizavam o tão salutar movimento modernista, que culminou na famosa Semana de 1922, e agindo isoladamente por iniciativa própria, Jorge de Lima ia construindo, na pacatez provinciana de Maceió, obra da maior importância.
O poeta, porém, não gosta de dormir em cima do que já está feito, e por isso, depois de "Essa negra fulô", e dos poemas nascidos de seu contato com a terra, os rios, as casas, as tradições, as crendices, as lendas da sua região natal, deixa por um instante a poesia, que vivia então, na frase de José Lins do Rego, como creio que vive ainda hoje, "bulindo pelo seu corpo todo", e se mete outra vez no ensaio, agora para dar ao público duas interpretações originais, uma do romance de Proust e outra da poesia moderna (v. Dois Ensaios, Casa Ramalho Editora, 1929). Sobre Proust, não será exagero dizer-se que foi o primeiro a escrever no Brasil, sendo, indiscutivelmente, um dos grandes conhecedores da obra do autor de A la recherche du temps perdu.
Mudando-se, em 1930, para o Rio, continua a ser autor dos mais discutidos, e prazerosamente alimenta a controvérsia que se estabelece em torno de seu nome, pois alguns anos mais tarde, ao mesmo tempo em que publica O anjo, romance super-realista que alcançou o prêmio da Fundação Graça Aranha mas foi combatidíssimo, dá à estampa um estudo, escrito em alemão, e editado em Leipzig, sobre o problema da miscigenação no Brasil: Rassenbildung und Rassenpolitik ill Brasilien. Mas não param aí suas aventuras. Ao contrário, datam de então suas primeiras esculturas e pinturas, estas feitas não raro com materiais descobertos pelo próprio pintor e por ele pela primeira vez utilizados. Muitos de seus quadros não são óleos, nem aquarelas, nem guaches: são uma substância que o próprio Jorge prepara e que, segundo ele, vem dando muito bons resultados. Nem só nisso se observa, porém, a inquietação do poeta à procura de novas expressões para sua riquíssima sensibilidade. Com o tempo, em sua poesia também se opera profunda alteração. Vai perdendo aquele caráter regionalista e folclórico da fase nordestina e ganhando um acento profundamente religioso, místico, universal. Vêm então os poemas de Tempo e eternidade, escritos de parceria com Murilo Mendes, e por fim os de A Túnica Inconsútil, que mereceram o grande prêmio de poesia da Academia em 1940.
O consultório médico do poeta, no prédio do Café Amarelinho, na Cinelândia, há muito tempo é um dos pontos de reunião de escritores, poetas e pintores mais concorridos do Rio. Ali o romancista de Calunga atende os seus doentes, interrompendo não raro o curativo ou a auscultação para ouvir um pouco o que se conversa na sala e dar o seu palpite (1). Foi onde o apanhei para esta entrevista, em tardes consecutivas. Como havia longos anos não ia ao seu consultório, achei-o um pouco despovoado de intelectuais e mais procurado por clientes que por escritores. Jorge afiança-me, porém, que o mesmo ainda é freqüentado por muitos amigos, entre outros Murilo Mendes, R. Magalhães Júnior, J. Fernando Carneiro, Francisco Karam, Jaime Cortesão etc. Naqueles dias, não sabia por que, é que não tinham aparecido. De intelectual só chegou lá uma vez o escritor português José Osório de Oliveira, que tanta simpatia tem demonstrado pelo Brasil. Mas o tempo estava ruim mesmo muita chuva e um frio danado. Bem podia ser esse o motivo por que o consultório andava vazio ...
A entrevista fora marcada de véspera, e, a bem da verdade, não devo dizer que o poeta tenha procurado esquivar-se de falar ao repórter. Foi antes com muito boa disposição que se prontificou a conversar comigo sobre as perguntas do questionário que lhe apresentei.
A respeito dos começos de sua vida, anoto que nasceu no dia de São Jorge - 23 de abril de 1893, no município de União, Estado de Alagoas. A padroeira de sua cidade natal é Santa Maria Madalena, a pecadora poética que derramou diante dos apóstolos escandalizados perfumes sobre os pés de Cristo. Por isso seu pai, fazendeiro, comerciante e pessoa relacionadíssima no lugar, não encontrou, no vasto círculo de suas amizades, madrinha mais digna para seu primeiro filho que a Virgem da Conceição. O nome foi fácil escolher: bastou olhar para a folhinha. Vê-se, desse modo, que nasceu herdeiro de um destino místico, que haveria de influir poderosamente em sua obra. Por trás do sobrado em que veio ao mundo e a poucos quilômetros de distância, fica a serra da Barriga, onde Zumbi fundou seu famoso quilombo. Em frente há uma praça bem vasta e no extremo dessa praça a igreja de Santa Maria Madalena. A beleza da serra da Barriga, que ele, em menino, não cansava de admirar, embora a temesse, tantas eram as lendas, as assombrações, as histórias terrificantes que a seu respeito se contavam, atuou fortemente em toda a sua infância. Andava pelos seis ou sete anos quando foi acometido de uma asma alérgica. Insulado em casa, com crises angustiosas de dispnéia, enquanto seus irmãos e amigos se entretinham em tomar banho no rio Mundaú ou passear de canoa, muitas vezes ouvia de suas velhas tias a história social da serra da Barriga, onde Zumbi organizou uma república para acolher os negros fugidos e oferecer resistência aos senhores escravocratas. Tinha oito anos quando, pela primeira vez foi levado a visitar esse serra, e Jorge ainda se lembra de que a pequena comitiva se perdeu na espessa mata que envolve o antigo reduto de quilombolas. Tiveram de dormir na casa rústica de um lavrador e só no dia seguinte, por um cortado de burros, foram levados até o topo da montanha. Recordando a aventura, adianta:
Sem qualquer exagero, posso dizer que naquele instante, pela primeira vez, me senti tocado pela poesia. Todo o imenso panorama que descortinei então - o rio Mundau, que segundo a lenda nascera das lágrimas de Jurema, de um lado a serra dos Macacos, do outro a planície do Jatobá, os campos verdes da terra-lavada, o Fundão, a Tobiba, os bangüês, a Great Western, as olarias e lá longe a igreja da minha padroeira e o sobrado em que eu nascera, tudo aquilo entrou pelos meus olhos deslumbrados de menino e nunca mais saiu de dentro de mim. Tanto assim que muitos anos depois, já homem feito, foram esses os temas que fui buscar para alguns de meus poemas da fase que poderia chamar "nordestina" da minha poesia.
- E os estudos primários, onde os fez?
Na escola de dona Mocinha Medeiros, onde não me demorei porém mais do que o tempo suficiente para aprender a ler e escrever, passando .depois para o Instituto Alagoano, cujos diretores eram dois Goulart de Andrade. Por esse tempo descobri, sobre uma cômoda de Jacarandá avoenga, uma velha caixa de música. Meu prazer era então ficar longas horas repassando as curtas frases de Mozart que o antiquado aparelho repetia. Essa lembrança de meninice me inspiraria algumas páginas do romance A mulher obscura, e acho que devo à velha caixinha de música, encotrada um dia por acaso, o verdadeiro fanatismo que ainda hoje tenho pele música do genial compositor de Salzburgo. Ja havia em mim, no entanto uma grande fome de misticismo, e isso me levou a matricular-me pouco depois no Colégio Diocesano, de Maceió, dirigido por irmãos maristas. Ali fiz o curso de humanidades, prestando exames finais no Liceu Alagoano, onde conheci Jackson de Figueiredo, que estava então concluindo seus exames parcelados. Mas Jackson nesse tempo não era o combatente católico do "Centro Dom Vital" e de A Ordem. Muito pelo contrário, era um monista, um ateu, um anticlerical. E meu contato com aquele que viria a ser mais tarde um dos líderes do catolicismo no Brasil fez de mim, que era aluno exemplar, um rebelado contra a disciplina e os métodos de ensino do colégio.
- Onde foi publicada sua primeira produção literária?
Num jornalzinho que eu tinha nesse colégio de maristas. Chamava-se “O Corifeu” e era feito quase todo por mim. Em suas páginas apareceram meus primeiros versos, e também um romance dos tempos de menino. “O Corifeu” sofria, porém, forte oposição dos outros e um belo dia, em pleno recreio, foi "empastelado", tendo sido rasgada toda uma edição (cem exemplares), sob tremenda vaia a seu diretor.
- Você se importou muito com isso?
Me importei sim, mas a raiva logo passou, porque então, mais por debique a meus desafetos, passei a publicar meus versos nos melhores jornais de Maceió, que lhes davam sempre ótimas colocações. (2)
- Que espécie de versos fazia nessa época?
Versos de feição regular, na maioria sonetos caprichados. É dessa fase O acendedor de lampiões, escrito quando eu tinha dezessete anos. Esse soneto se popularizou muito, graças, sobretudo, à grande propaganda que dele fez Duque Estrada.(3)
- Onde o crítico o leu?
Foi-lhe mostrado em Maceió, por pessoas interessadas em colher sua opinião a meu respeito. Osório Duque Estrada leu-o, gostou muito e perguntou quem era o autor. Disseram-lhe que era um estudante de dezessete anos e ele manifestou desejo de conhecer-me. Fui, então, levado à sua presença. O autor da letra do Hino Nacional estava em tournée de conferências literárias pelo Nordeste, e em Maceió ficara hospedado no Hotel Nova-Cintra. Todo sem jeito, atrapalhadíssimo, apresentei-me ao homem que gozava, naquele tempo, da fama de ser um dos críticos mais ferozes do Brasil. Mas de sua boca só ouvi elogios aos meus versos, e incentivos para que continuasse naquele mesmo caminho.
- Conselho que você não seguiu, não é verdade?
Durante muitos anos segui. Soneteei que não foi brincadeira. Para você ter idéia, basta dizer que meus versos dessa fase, se reunidos em volumes, dariam um número de páginas muito superior a tudo quanto publiquei depois. Mas o público em geral não conhece senão os XIV Alexandrinos.
- E o curso de Medicina?
Iniciei-o na Bahia, mas vim concluí-lo aqui, no ano de 1914. Ainda morava, porém, em Salvador, quando, numas férias de fim de ano, de volta a Maceió, aproveitei para percorrer todo o rio S. Francisco até Pirapora: quer dizer: fiquei conhecendo a zona sertaneja, a zona heróica, a zona do cangaceirismo, que fora outrora a região do pastoreio, dos bandeirantes e missionários. Atravessei meu Estado até à faixa ganglionada de lagoas e rios. Foi quando fiquei conhecendo a indigência dos tiradores de sururu, comedores de mariscos, descendentes dos caetés. A miséria observada entre essa gente geófaga mais tarde me sugeriria o assunto da novela Calunga.
- Até que ano do curso médico ficou na Bahia?
Até o terceiro, Como já disse, vim terminar os estudos aqui. Naquele tempo os médicos ainda costumavam defender tese, e a minha versou sobre O destino higiênico do lixo no Rio de Janeiro, tendo sido aprovada com distinção pela banca examinadora, presidida pelo grande Miguel Couto.
- Que tal era então a Escola de Medicina?
Para um meio como o nosso, era muito boa, pois, não obstante certas deficiências do ensino, os professores eram excelentes.
- Quais os de que mais gostava?
O mais querido era sem dúvida Miguel Couto, por quem os estudantes tinham verdadeira veneração. Mas havia outros: Afrânio Peixoto, Aluísio de Castro, Antônio Austregésilo ...
- Ligou-se mais intimamente a qualquer deles?
Fui muito amigo de Miguel Couto, e ainda o sou dos demais que citei. Mas aquele a quem me cheguei mais de perto foi Afrânio Peixoto. Ainda estudante fiz-me seu amigo e por iniciativa sua foi que publiquei meu primeiro livro, que aliás lhe é dedicado: os XIV Alexandrinos, de que acima lhe falei.
- Depois de formado, para onde foi?
Voltei para o meu Estado. Tinha então 21 anos. Meti na mala o diploma e os livros, no dedo o anel, e regressei a Maceió, onde passei a c1inicar. Era no início da Primeira Guerra Mundial. Na capital do Estado também fiz política, tendo sido eleito deputado por três legislaturas. Depois prestei concurso para a cadeira de Ciências Físicas e Naturais do Ginásio de Alagoas, ingressando assim no magistério, onde estou até hoje. Mais tarde deixei de lecionar ciências e passei a ensinar literatura brasileira. Foi disso e da clínica que vivi em Maceió até 1930, quando me mudei para o Rio. (4)
Quer dizer que por ocasião da Semana de Arte Moderna estava onde?
Em Alagoas.
- Não participou, então, do movimento?
Não, muito embora o tenha apoiado desde o início. E o apoiei por uma razão muito simples: é que aquilo que os rapazes de São Paulo faziam, era o que nós do Nordeste também achávamos que precisava ser feito. Havia então o sentimento generalizado da necessidade de uma renovação. Nós mesmos, que éramos considerados, por uns, simbolistas e parnasianos por outros, como Manuel Bandeira, Mário de Andrade e eu, pensávamos assim, aspirávamos por uma revisão do conceito de arte então dominante. Talvez não soubéssemos direito o que queríamos - como observaria mais tarde Aníbal Machado - mas sabíamos muito bem o que não queríamos. Aliás, essa necessidade de renovação, que é uma coisa biológica, mais tarde seria notada dentro do próprio Modernismo, que não ficaria circunscrito à fase folclórica, regionalista e do poema-piada, mas procuraria outras soluções mais universais e permanentes. Que havia em todo o país uma preparação psicológica para o advento de uma nova estética, prova-o o fato de o Modernismo haver surgido quase ao mesmo tempo em diversos lugares: em São Paulo, aqui, em Belo Horizonte, em Porto Alegre, no Recife etc. Em Maceió nós também fazíamos literatura modernista muito embora não nos prendesse aos próceres do Rio e de São Paulo qualquer laço mais estreito do que aquele que une escritores com as mesmas idéias. Naturalmente, nos centros maiores e mais populosos, o movimento suscitou maior curiosidade fez mais rumor. Na província, passávamos quase despercebidos, e não ganhávamos senão os ataques dos velhos que nos julgavam doidos, ou risinhos sarcásticos dos mais sutis.
- Havia em Maceió, nessa época, um bom grupo de escritores?
Havia sim, como não? Basta dizer que estavam lá, entre outros, Graciliano Ramos, José Lins do Rego, Aluísio Branco, Valdemar Cavalcanti, Raul Lima e Aurélio Buarque de Holanda.
- Vocês se reuniam sempre?
Em lugar pequeno os amigos nem que não queiram estão constantemente juntos.
- Mas havia no grupo um orientador, ou cada um fazia o que queria, agindo isoladamente?
Não, cada um agia por si, fato que, de resto, se observou em todo o Modernismo, onde, de modo geral, não houve chefes. Não passamos a fazer literatura modernista para imitar os nossos confrades de São Paulo e daqui. Abandonamos os velhos moldes porque também em Maceió, como em todo o Nordeste, aquele tempo, amadureceu e tomou forma, no espírito dos escritores, o desejo de fazer alguma coisa nova e diferente do que então se perpetrava por esse Brasil afora, na poesia, no romance, no ensaio etc.
- Que pretendeu quando, juntamente com Murilo Mendes, se propôs "restaurar a poesia em Cristo"?
Isso foi o seguinte: depois dos Poemas Escolhidos, que apareceram em 1932, comecei a sentir-me insatisfeito com a minha poesia, a ansiar por novas soluções. Passei a inclinar-me, então, não mais pelo gênero de poemas que fazia, mas por outro; de fundo místico. E como não tinha compromissos de escola, senti-me inteiramente à vontade para empreender a desejada renovação, já havendo compreendido que o plano mais elevado para isso seria uma poesia que se restaurasse em Cristo, que é a mais alta Poesia, a mais alta Verdade, o nosso destino mesmo, e tivesse não uma tradição regional ou nacional, mas sim a mais humana e universal das tradições, que é a bíblica. Aconteceu que, em palestra com Murilo Mendes, notei que ele estava animado da mesma intenção. Numa outra conversa, o dístico aflorou. Escrevemo-lo no frontispício de Tempo e Eternidade. Tanto bastou para que fôssemos combatidíssimos. Mas, surdo aos ataques que me fizeram (e ainda fazem), continuei a trilhar a mesma estrada. Depois do livro escrito de parceria com Murilo, publiquei A túnica inconsútil, que não é outra senão a túnica de Cristo, a única que não se pode dividir. Hoje noto que esse era o meu caminho natural, inevitável, pois minha infância me fez místico. É sabido o quanto os primeiros anos de vida marcam a pessoa. Através, muitas vezes, de mil equívocos, o homem maduro volta, afinal, a reencontrar o menino que foi. Uns, mais felizes, se encontram logo, não se perdem por trilhos errados. Para outros, a procura do seu caminho é demorada e penosa. Machado de Assis já disse, numa frase que se tornou célebre, que "o menino é pai do homem". Ora, com todos os antecedentes a que acima fiz referência, minha poesia teria de ser, por força, de fundo religioso.
A palestra é interrompida porque chega um cliente que Jorge precisa atender. E como naquele resto de tarde estará ocupado, enquanto veste o avental pede-me que volte no dia seguinte.
- No outro dia, peço-lhe que me fale do papel social da poesia. e a respeito eis o que me diz:
Meu caro amigo, não demos deliberadamente papéis à poesia. Podemos marcar funções para o teatro: as de educar, divertir, criticar. Ou para a oratória e a política. Mas não para a poesia, que não é mestre-escola, nem baedeker, nem meeting. Com muito acerto há vários anos José Lins do Rego já escrevia que infelizmente no Brasil a poesia tinha tarefas a cumprir, dias de trabalho marcado, horas de aulas a dar; ora continentalismo a sustentar, ora interesses de três raças tristes a defender. Desde que se dê à poesia a incumbência de puxar a sardinha para que lado for, ela deixa de ser poesia. (5) No entanto, em todos os tempos, teve uma função social importantíssima, já que o poeta foi sempre o anunciador das grandes reformas universais. Hoje, mais do que nunca, precisamos de poesia. Precisamos dela como se precisa de cantigas para ajudar um trabalho pesado, de verdadeiras cantigas de eito, deste eito imenso que é o mundo atual, convulsionado pela maior guerra de que se tem notícia. (6) Desconfie dos que saem à rua anunciando que vão fazer poesia nova, poesia burguesa, protestante, católica, social ou monarquista, porque não há poesia com tais rótulos. Não acredite nos especialistas em poesia. Esta dispensa estandartes. É como aquele bilhete de águia de que nos fala o filósofo: "o vento passa, a águia o segue".
A conversa estava me interessando e minhas notas, de tão ligeiras, eram rabiscos quase ininteligíveis. Mas o telefone veio cortá-la. A secretária do poeta passa-lhe o fone. Felizmente, é coisa rápida, e Jorge logo volta a falar:
Um exemplo podemos tirar do que ocorre atualmente: fala-se muito hoje em dia em literatura proletária. Ora, apesar de os seus cultores viverem entre operários, observando-os como os cientistas observam suas cobaias, essa literatura não tem, salvo raras exceções, a naturalidade e a força da águia do filósofo. Outra coisa será quando o operário ou o intelectual proletarizado puderem escrever suas vidas, fixar no papel, em contos, romances, novelas, poemas, suas rebeldias triunfantes.
- Mas que destino prevê para a Poesia? Pensa que ela se tornará cada vez mais livre, ou a tendência será para voltarmos aos moldes antigos?
Fique sabendo desde logo que não tenho o menor parti pris contra isso que você chama de "moldes antigos". Dentro deles se fez muito boa poesia. Mas daí a achar que o que caracteriza a poesia são a métrica e a rima, vai uma distância enorme. Depois que grandes escritores como Maritain e Henri Brémond clarificaram o conceito de poesia, tal confusao não se admite mais. A propósito, nada mais esclarecedor que aquele pequeno apólogo de Claudel - Animus e Anima, que você naturalmente já leu.
- De qualquer modo, conte o apólogo.
Narra Claudel que Animus e Anima eram um casal que vivia muito bem. Animus, isto é, o amante,' simbolizava a inteligência, a consciência, a vontade. E Anima, isto e, a esposa, a intuição, a sensibilidade, o subconsciente. O ménage transcorria em paz. Apenas Animus achava que Anima não tinha a menor inteligência, devia viver tão-somente para cuidar dos serviços domésticos, preparar-lhe a comida, prestar-lhe obediência.e ajudá-lo com seus dotes de intuição. Ora, acontece que um dia Animus vem mais cedo para casa, e, quando se aproxima, verifica que lá dentro alguém canta uma canção como jamais tinha ouvido outra tão bonita. Maravilhado, corre para verificar quem cantava, e descobre que a dona daquela voz tão suave e tão rica não é outra senão Anima. Esta, porém, assim que o amante entra, se cala. Animus pede-lhe que continue a cantar, mas isso é impossível, porque Anima sofre verdadeira inibição na presença de Animus. Desesperançado de tornar a ouvir aquele canto que tanto o fascinara, Animus, usando de um estratagema, sai outra vez. Da rua ouve de novo o canto. Volta, e Anima novamente se cala. Aqui termina o extraordinário apólogo, que serve para demonstrar que todas as vezes que a inteligência, a consciência, a vontade intervêm no mistério leigo da poesia, este não se produz. A preocupação de contar sílabas, escolher rimas, enfeitar o verso, faz com que Anima não cante...
- Quer dizer que devemos banir definitivamente esses ornamentos, que mais do que inutilidades são entraves à boa poesia?
Não digo tanto... Poderão ser utilizados quando ocorrerem naturalmente, Espontaneamente, sem nenhuma interferência da consciência ou da vontade, porque do contrário Anima se calará. Aliás, tenho para mim que o que vale é o momento poético que o indivíduo vive. Porque penso que a poesia, a verdadeira, a profunda poesia, pode existir em potencial dentro de qualquer pessoa, em estado quase de pureza química. Escreve-la, fixá-la, manipulá-la, é secundário. Chamam a um livro de poemas um livro de poesias. No entanto, na verdade, que é ele? Uma simples máquina, um motorzinho, um átomo, destinado a criar dentro do leitor um estado poético. (7) E só esse objeto é que tem o dom de conseguir isso? Absolutamente. Os mais diversos agentes são capazes de fazer com que experimentemos sensação idêntica: a contemplação da natureza, a bem-amada, a música e até os tóxicos como o álcool, a morfina, a cocaína, o ópio etc. É sabido, aliás, que os poetas românticos usaram e abusaram destes últimos, principalmente do álcool, para a criação de estados poéticos. Baudelaire foi um deles e inaugurou, mesmo, uma escola de satanismo, que teve grande voga. Não foi senão o uso de tais venenos a causa da morte prematura de tantos dos nossos românticos: Castro Alves. Varela, Álvares de Azevedo. Também a música, como acima frisei, pode criar dentro do indivíduo estados poéticos. A sinfonia nº 41 de Mozart, por exemplo, não é outra coisa senão um maravilhoso poema. Não há ninguém que não se emocione ao ouvi-la.
- Nesse caso, se o que vale é a sensação poética, que pode ser provocada por outros fatores, que interesse há em fixar a poesia?
Há interesse em fixá-la para que o estado poético experimentado pelo agente repercuta, com maior ou menor intensidade, conforme o leitor, num grande número de pessoas. Mas a função de um caderno de poemas é a mesma de um volume de fotomontagens, ou de um disco de Mozart, ou de um concerto do Cortot.
- Procurando esclarecer ainda certos fatos ligados à revolução literária de 1922, indago de Jorge de Lima quais, na sua opinião, os autores estrangeiros que maior influência exerceram no movimento modernista brasileiro. A propósito, e depois de pensar um pouco, diz-me o seguinte:
Creio ser falta de agudeza crítica achar que nossos modernistas devem muito a Marinetti e aos escritores franceses ditos de vanguarda, como Apollinaire, Max Jacob e outros. Eu, pelo menos, a esses não me sinto devedor. É claro que falo por mim, mas cabotino que jamais me seduziu foi o falecido Marinetti. Fui assistir à conferência que pronunciou no extinto Teatro Lírico, quando de visita ao Brasil. Mas não senti um instante sequer a menor inclinação por suas idéias.
- Não acredita, então, que houve influências estrangeiras no modernismo brasileiro?
Se formos esmiuçar caso por caso, descobriremos uma infinidade de pequenas influências. Mas, de um modo geral, houve escritores que, embora indiretamente, atuaram muito mais em nossos poetas e prosadores de então do que Marinetti e os franceses acima citados. Influências sérias e decisivas, a meu ver, foram, por exemplo, as de Proust e Pirandello. E, através destes dois, as de Freud e Einstein (8) O que, de resto, não aconteceu apenas no Brasil, mas no mundo todo. Note como, depois do Modernismo, em nossa literatura o relativo passou a preponderar sobre o definitivo. A quem se deve isso, senão a Proust? Desde então incutimos em nossos escritos, tanto em prosa como em verso, a fragmentação da personalidade. Antes de Proust, os personagens dos romances encarnavam sempre uma virtude, tinham um caráter único e rígido da primeira à última página, eram postos nos livros para desempenhar um papel determinado. Você veja por exemplo as criaturas de Balzac - o tio Goriot, Eugénie Grandet - ou as de Eça de Queirós - o Conselheiro Acácio, a criada Juliana, Jorge, João da Ega. Veio Proust e acabou com isso. Em seu romance, um judeu no primeiro volume pode perfeitamente converter-se ao catolicismo no quinto. Swann, que no início é ciumento ao extremo, no fim já não o é. Indiscutivelmente, os tipos do autor de A la recherche du temps perdu guardam muito mais do que todos os outros, criados antes dele, a relatividade e a inconstância da vida. Mas não só pelo relativismo introduzido em nossa literatura se fez sentir no Brasil a influência de Proust. Esta se nota também pela grande importância que os nossos escritores passaram a dar então às memórias de infância, de que o Menino de Engenho, de José Lins do Rego, pode servir de exemplo. Nunca a infância, com todas as suas dimensões e seus seres intemporais, proustianos, foi mais explorada. Como você naturalmente não ignora, um volume inteiro - Du côté de chez Swann - nasce como uma feitiçaria, um passe de mágica, da sensação gustativa que dá ao escritor um biscoitinho molhado no chá, o qual lhe tira da memória toda a meninice perdida, passada em Illiers.(9) Pois esse processo de recuperação do tempo seria também usado em larga escala pelos autores brasileiros do Modernismo. Mas espere aí. Vamos ilustrar isto que lhe estou dizendo com alguns exemplos.
Levanta-se, some pelo corredor e logo depois volta, sobraçando alguns volumes.
A influência de Proust não se fez sentir, porém, apenas no romance. Também na poesia ela pode ser notada. Um de meus poemas intitula-se, mesmo, "Poema relativo", e tem versos assim (abre um dos livros que trouxe e lê):
Vem, ó bem-amada,
Porque, como te disse,
se não há pássaros no meu parque,
pode ser, se o vento
não soprar forte,
que venham borboletas.
Tudo é relativo
e incerto no mundo.
Também tuas sobrancelhas
parecem asas abertas.(10)
Falei há pouco de Pirandello. Pois num simples verso de Ismael Néri, que você pode ler aqui neste outro livro - "Meu Deus, para que pusestes tantas almas num só corpo?" - sente-se a influência do escritor italiano: após a fragmentação da personalidade, a tragédia da reconstituição da unidade, quando no mesmo poema exclama: - "ó Deus estranho e misterioso, que só agora compreendo! / Dai-me, como vós tendes, o poder de criar corpos para as minhas almas." (11) Também o subconsciente, o sexo, os sonhos, passaram a ter grande valor para os nossos escritores, e isto graças a Freud. Um livro do excelente João Cabral de Meio Neto chama-se, mesmo, Pedra do Sono Além disso, depois de 22, notamos em nossas letras fenômenos de multiplicação da personalidade, de abstração do tempo e de ubiqüidade, que trazem a marca do gênio de Proust. Mário de Andrade, por exemplo, tem um poema intitulado "Eu sou trezentos". E em outro exclama: "Estou pensando nos tempos de antes de eu nascer".
Não nasci no começo deste século,
Nasci no seio do Eterno,
são os dois primeiros versos da "Vocação do Poeta", de Murilo Mendes. (12) A ubiqüidade, o simultaneísmo de Ronald de Carvalho, no seu poema "Brasil", chega a ser alarmante. Nesse poema de Ronald, sente-se a velocidade do poeta moderno, que anula tempo e espaço. Outro exemplo de como a nossa literatura se tornou relativa está nos versos de Felipe d'Oliveira que lhe vou mostrar, onde a relatividade é atribuída à possibilidade de um daltonismo do maquinista:
Longitudinal, centrífugo.
o trem racha em duas metades
a espessura do escuro
e, cuspindo pela boca da chaminé as
estrelas inúteis à propulsão,
atira-se desenfreado
nos trilhos livres.
Mas se o maquinista fosse daltônico
a locomotiva teria parado. (13)
- Deixando o volume em que lera os versos, volta a falar:
Freud e Einstein, judeus, através da obra do judeu Proust, não largarão mais os modernos. E graças a eles nossa literatura se enriqueceu de possibilidades até então nem sequer suspeitadas. Nem as criaturas de Proust nem os poetas modernos poderiam mover-se no limitado espaço de Galileu em que se movimentavam os personagens de Balzac. O que não quer dizer que os escritores modernos do Brasil, quando escreveram as obras que acima citei, já tivessem lido Proust, Pirandello, Freud, e conhecessem as teorias de Einstein. É que se deu um fenômeno curioso: as idéias que esses grandes homens fixaram andavam um pouco pela cabeça de muitos dos poetas e prosadores que entre nós fizeram o Modernismo. Hoje podemos estabelecer ligação entre suas obras e as daqueles geniais inovadores, mas é inegável que em muitos casos terão agido inconscientemente, movidos apenas pela intuição.
- Houve outras influências?
Houve a grande saturação russa com a sua literatura social que entre nós se manifestou com os inúmeros poemas proletários e principalmente com os romances revolucionários que surgiram abundantemente.
- A esta altura senti que já havíamos conversado bastante e que as notas que tinha dariam uma entrevista talvez até maior que as outras. Não quis, porém, despedir-me do poeta, sem primeiro indagar para onde vão suas preferências entre os vários gêneros de arte a que se tem dedicado. Sua resposta não se fez esperar:
Prefiro a poesia. Tudo o mais que tenho tentado, inclusive a pintura, está subordinado ao sol da poesia, são caminhos para ela, às vezes simples exercícios para conferir-lhe novas dimensões, outras profundezas.
- Se tivesse de organizar hoje uma antologia de seus poemas, quais escolheria?
Assim de memória é difícil responder. Para que a resposta seja sincera e consciente, será preciso reler alguns deles, folhear os meus livros.
Deixe que depois lhe fornecerei uma listinha.
Dias mais tarde recebi, de fato, uma relação de seus poemas prediletos, que aqui vai transcrita: de Poemas Escolhidos: "Guerreiro", "Boneca de Pano" e "Minha Sombra"; de Tempo e Eternidade: "A noite desabou sobre o cais", "Na carreira do vento" e "Eu vos anuncio a consolação"; de A túnica inconsútil: "Poema do cristão" , "Olha antes a semente" , "O nome da musa", "Lâmpada marinha", "A noite da louca", "O grande desastre aéreo de ontem", "Duas meninas de tranças pretas". "O poeta que dorme dentro de vós", "A ave", "CristoPeixe", "Marta e Maria", "Alta noite" e "Invocação a Israel".
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Notas:
(1) Em reportagem que escreveu "No décimo aniversário da morte de Jorge de Lima", Valdemar Cavalcanti, que o conheceu ainda em Maceió, lembra que o ambiente do consultório que ele veio a montar, depois, no Rio, era mais ou menos o mesmo do que mantinha na Rua do Comércio, na capital de Alagoas: "Nessa época era ele conhecido, em Maceió, como o médico dos pobres; porque aos pobres atendia com inexcedível solicitude, fosse dia ou noite, atento a qualquer chamado, só para rico tirando conta. Tinha o consultório no fundo de uma farmácia, na rua principal da cidade: havia duas salas a que se chegava por um longo corredor, sempre cheio de gente. Ali Jorge de Lima dava consultas e injeções, lia e escrevia, trabalhava como um mouro com o ar mais fagueiro deste mundo, quase sempre assobiando baixinho. Quando ali chegava, cedo ainda, já tinha, desde as cinco. andado pelos bairros. visitando seus doentes. Se o cliente não tinha recursos, mandava aviar a receita na farmácia, de graça. No consultório, o mínimo de ordem. Nas estantes, amostras gratuitas de remédio, aos montes, misturadas com livros de toda natureza. A um canto, pequena mesa com um fogareiro constantemente aceso, fervendo seringas. Rapazinho, freqüentei muito esse consultório, quando não era para tomar injeções era para conversar literatura: ora cálcio, ora Proust; era bismuto e era Mário de Andrade em profusão. Jorge, nunca o vi intranqüilo ou nervoso: o mesmo sempre, inalterável, o ar generoso e discreto, paciente com todo mundo, às vezes dando até a impressão de desligado e aéreo. Ao lado da clientela do médico, a clientela do poeta. Um que sempre por lá andava, a todo instante, era José Lins do Rego, que entrava sem bater na porta, falava muito e saía quando menos se esperava. Enquanto numa sala, às vezes, Jorge tratava dos doentes, na outra ia aceso o debate de temas de cultura. E a impressão que ele dava era a de um mágico, pela maneira como fazia as coisas, pelo jeito ele ir e vir, pelas surpresas que causava como uma espécie de prestidigitador". (ln Correio da Manhã de 23-11-1963.)
(2) Estas e outras confissões autobiográficas foram depois ampliadas nas memórias que, em capítulos, publicou no Jornal de Letras, de outubro de 1952 a junho de 1953. Interrompidas em virtude da doença que o vitimou nesse mesmo ano de 1953, essas páginas alcançam a época em que se formou em Medicina, no Rio (1914). Deu-lhes o Autor um tratamento sobretudo poético e constituem preciosa fonte de informações sobre sua infância e juventude. Podem hoje ser lidas em Obra Completa, vol. da Editora Aguilar.
(3) V. Obra Completa, cit., p. 208.
(4) Na reportagem citada. Valdemar Cavalcanti assim se refere à mudança do poeta para o Rio: "Alvo de perseguição política (e mesmo de um atentado), fechou consultório, arrumou as malas e, desfazendo-se de uma das mais belas casas de Maceió, então à beira de um rio. veio embora com a família, para iniciar um novo ciclo de sua vida."
(5) Coisa semelhante diria Carlos Drummond de Andrade ao poeta João Acióli, em carta de 1948, ao discutir. a propósito do livro deste último, A Canção sem amanhã, o problema da poesia social: "Não só a poesia social, como toda poesia não pode ser nunca o tratamento direto do fato. Para esse tratamento existe a prosa. Poesia é essencialmente expressão indireta das coisas, na forma transposta, elíptica, oblíqua e mágica do poeta. (Mágica no sentido de emprestar novos atributos ao material comum da linguagem, pelo seu uso especial. não em um sentido de milagre.) E mais adiante: "Poesia não se faz com preocupações alheias à própria poesia; e se estas se instalam no interior do poema, por força do tema selecionado pelo poeta, o que se deve desejar é que essa penetração de um cuidado alheio à poesia não prejudique esta. Só." (Revista de Poesia e Crítica. Brasília, S. Paulo, Rio de Janeiro, 2(4):71-73, abril de 1978.)
(6) A entrevista é de 1945)
(7) "A obra de arte é uma máquina de produzir comoções", já havia dito Mário de Andrade. (A escrava que não í Isaura, in Obra imatura, São Paulo, Livraria Martins, 1960, p. 258.) Em 1981. escrevendo sobre a "estética da recepção", o crítico Wilson Martins teve ocasião de lembrar o artigo que quase trinta anos antes publicara na Revista Brasileira de Poesia. VI, junho de 1953. Nesse artigo, na verdade de grande agudeza crítica, observava ele, em conceitos que de certa forma ampliam e aprofundam o que nos disse Jorge de Lima neste trecho da sua entrevista: ‘O poema, a obra poética, nada mais são, portanto, que uma forma excepcional de excitação' e a poesia que neles encontramos não está. na realidade, neles mesmos; está em nós, e varia segundo o que variamos, vale o que valermos. Parece um paradoxo gratuito sustentar que a poesia está tanto em quem a recebe como em quem a transmite, tanto no leitor como no poeta. Entretanto, a verdade é essa." (Jornal do Brasil de 25/07/1981.)
(8) Segundo Jaeques Riviere, as teses psicanalistas já se encontravam espalhadas - sob várias formas - no romance proustiano, antes do aparecimento da teoria freudiana. (Apud Alcântara Silveira - Compreensão de Proust, Rio de Janeiro, Livraria José Olímpio, 1959, p. 13.)
(9) Et dês que j’eus reconu lê gôut du morceaux de madeleine trempe dans lê tilleul que me donnait ma tante (...) ettout Combray etses environs, tout cela qui prend forme et solidité. est sorti. ville et jardins. de ma tasse de thé." A la recherche du temps perdu, I Du côté de chez Swann. (Premiere partie, Paris, Gallimard, 1946, pp. 68/69.)
(10) De Poemas Escolhidos, in Obra Completa, cit., p. 332.
(11) "Oração de I.N.", in Antologia de Poetas Modernos, organizada por D. Milano. Rio de Janeiro, Ariel Editora, 1935, p. 82.
(12) Antologia, cit., p. 148.
(13) “Entrecruzamento de linhas”, in Antologia cit., p.67
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