"Sim, hoje, como sempre, é possível ser jornalista e escritor ao mesmo tempo. Uma coisa como que completa a outra, se interagem muito bem. Temos centenas de exemplos atualmente. No fundo, trata-se de escrever, que é um dom que se desenvolve. Grandes jornalistas costumam ser grandes escritores, a começar pelo cronista, contista, poeta e romancista Machado de Assis, nosso ícone, nosso mestre, orgulho do povo brasileiro. Sempre convivi muito bem, desde 1961, em
Belo Horizonte, com as duas atividades. Tentei me aperfeiçoar nas duas atividades paralelas, trabalhando, estudando, aprendendo com os mestres, com o esquecidos José Amádio e José Alberto Gueiros, Rubem Braga e Rachel de Queiroz (esses dois últimos eu conheci
pessoalmente e entrevistei Rubem Braga aqui em Brasília, no Hotel Torre, em 1986). Conflitos jamais tive, como lhe disse, meu instrumento é a escrita, passei a vida escrevendo – e comecei escrevendo cartas para a nossa empregada Maria Augusta, a saudosa “Baía” (que era mineira), lá em Mariana (MG), quando eu tinha 8, 9 anos de idade. Foi meu primeiro treinamento. Até hoje gosto de escrever cartas, não via e-mail, mas via Correios, com selo, carimbo, CEP e tudo. O Otto Lara Rezende, jornalista e escritor (que prefaciou meu livrinho Em Torno de Rubem Braga, 1991), escreveu tantas cartas – até pra mim – que, quando morreu, virou selo dos Correios. Foi no governo Itamar Franco, por sugestão do jornalista e escritor Pedro Rogério Moreira, mineiro, que mora em Brasília. E o selo do Otto ficou muito bom....Como eu disse, jornalismo e literatura se complementam. Quem gosta mesmo de escrever sabe disso. O ideal é buscar e aperfeiçoar um modo peculiar de ser escritor e até jornalista, sem que isso comprometa a informação jornalística. O jornalista, quando escreve apenas como escritor, como criador de um texto literário, tem que buscar o melhor, ter estilo, elegância, uma pitada de humor, outra de lirismo, outra até de indignação e protesto – se for o caso. Uma hora sou jornalista, outra hora tento ser escritor, escrevendo contos como As oito renas, Daphne e Peggy. E alguns pobres poemas. Mas o que gosto mesmo de escrever é crônica. Gênero ou espécie, a crônica é meu território de lirismo, de humor, de protesto, de política. Sou, visceralmente, um cronista. Modesto, mediano, mas cronista. Os cronistas são meus confrades, meus irmãos. Esses dias perdemos em São Paulo um dos melhores: Lourenço Diaféria".
Fonte: ANDRADE, Marcela Heitor. Jornalistas podem ser escritores: 21 entrevistas brasilienses. Monografia apresentada à Faculdade de Comunicação da UnB, como requisito para a graduação em Comunicação Social. Brasilia: UnB 2008.
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