"Trabalho numa revista mensal, chego à editora por volta das onze da manhã e saio pelas sete e meia da noite. É perfeitamente possível escrever uma ou duas horas de manhã cedo ou à noite. Eu nem conseguiria escrever mais do que isso. Tenho um tempo útil, coisa de hora, depois do qual não sai nada que preste. Se trabalhasse num jornal, a coisa seria diferente. Em épocas de fechamento da revista, quando as jornadas são maiores, sinto-me esgotado para escrever qualquer coisa que seja. Isso acontece durante uma semana ao mês. Quanto aos benefícios, é difícil medir. No meu caso, acho que aprendi muito sobre organicidade de um texto, sobre concentração narrativa e clareza – qualidades essenciais no tipo de literatura que me proponho a fazer – por meio da atividade jornalística. O fato de editar textos alheios e ter um ‘olho’ apurado para as falhas de ritmo, melodia, de exatidão léxica e vocabular etc. também me treinou para que, nas segundas e terceiras (e quintas, e quadragésimas...) leituras dos meus próprios textos, eu sem dúvida conseguisse melhorá-los – e às vezes salvá-los... O que é um ‘escritor’? Se é alguém que escreve, que passa pelo processo de criação do texto, claro que o jornalista é um escritor – às vezes, escrevendo uma crítica de cinema, sofro de uma angústia parecida com a que um texto literário me impõe. A diferença é que a angústia do texto jornalístico dura duas horas ou dois dias. No Música anterior, durou um ano e meio. No romance que estou escrevendo agora, já tem um ano, aproximadamente, sem que eu tenha definido sequer o tom do texto, para onde os personagens vão etc. Em suma: o sofrimento da literatura pode ser absolutamente em vão (será, por exemplo, se eu jogar fora este novo romance, ou se ele não ficar da maneira como eu quero que fique). O do jornalista nunca é: o artigo sai de qualquer jeito, sempre. E é remunerado decentemente, claro".

Fonte: COSTA, Cristiane H. <www.penadealuguel.com.br>, 13 de novembro de 2006.