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Política
Philip Roth

"Ouvi, recentemente, o crítico George Steiner denunciar, pela televisão inglesa, que a literatura ocidental contemporânea é completamente desprezível e sem qualidade e proclamar que os grandes documentos da alma humana, as obras-primas, só podem surgir de espíritos que estão sendo subjulgados por regimes como da Tchecoslováquia. Gostaria, então de saber por que todos os escritores da Tchecoslováquia que conheço abominam o regime e desejam ardentemente que ele desapareça da face da terra. Não entendem, como Steiner, que esta é a oportunidade que têm de ser grandes? Às vezes, um ou dois escritores, com colossal força bruta, conseguem, por milagre, sobreviver e, tomando o sistema como assunto, transformam a perseguição que sofreram em arte de alta categoria. Mas a maioria deles, que permancece impedida de se manifestar dentro dos regimes totalitários, é de escritores destruídos pelo sistema. Esse sistema não cria obras-primas; cria tromboses coronárias, úlceras e asma, cria alcoólatras, cria depressivos, cria amargura, desprezo e loucura. Os escritores ficam desfigurados intelectualmente, desmoralizados espritualmente, adoecidos fisicamente e entediados culturalmente. São, com frequência, completamente silenciados. Nove décimos dos melhores deles jamais realizarão uma obra-prima, só por causa do sistema. Os escritores promovidos por esse sistema são os mercenários do partido. Quando tal sistema prevalece por duas ou três gerações, implacavelmente oprimindo uma comunidade de escritores durante vinte, trinta ou quarenta anos, as obsessões se tornam fixas, a linguagem se deteriora, o hábito de leitura desaparece aos poucos e a existência de uma literatura nacional com originalidade, variedade, vibração (que é muito diferente da brutal  sobrevivência de uma única voz convincente) torna-se quase impossível. A literatura que tem a má sorte de permanecer isolada, às ocultas por muito tempo, tornar-se-á inevitavelmente provinciana, atrasada, ingênua mesmo, apesar do cabedal de experiência sombria que possa inspirá-la. Em contraste, aqui, nossa obra não foi privada de autenticidade, porque não fomos reprimidos como escritores por um governo totalitário. Não sei de nenhum escritor ocidental, com excessão de George Steiner, que esteja tão pomposa e sentimentalmente iludido sobre o sofrimento humano - e 'obras-primas' - a ponto de voltar da Cortina de Ferro julgando-se desvalorizado porque nunca teve de lutar contra um ambiente intelectual e literário tão deprimente. Se a escolha for entre Louis L'amour, nossa liberdade literária e nossa vasta e ativa literatura nacional de um lado, e Soljenitzyn, o destino cultural e a repressão esmagadora de outro, ficarei com L'amour... Escrever romances não é o caminho para o poder. Não creio que, em minha sociedade, os romances provoquem mudanças sérias em ninguém, além de um punhado de pessoas que são escritores, cujos romances são, é claro, influenciados pelos romances de outros escritores. Não vejo nada semelhante acontecendo com o leitor comum, nem suponho que possa acontecer".

Fonte: Os escritores 2: as históricas entrevistas da Paris Review. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.

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