"Note que a obra literária não depende de o artista levar ou não suas idéias políticas para o romance, o conto, a poesia etc. A meu ver, a obra literária que obedece a uma finalidade não literária evidentemente perde com isso. Porque a parte criadora da literatura não é argumentação, nem polêmica, nem publicidade. Se eu quero defender uma tese, fazer prosélitos, convencer meus concidadãos, disponho de vários meios normais de me dirigir ao público: artigos de jornal, ensaios, discursos, informes etc. Romance e poesia não foram feitos para demonstrar coisa alguma, a não ser indiretamente. É claro que um romance pode provar que existe determinada situação social, evidenciar a extensão de uma crise e mostrar as consequências de um desiquilíbrio. Mas não foi feito para convencer o leitor do melhor processo de corrigir essa situação social. Se o escritor não sabe conservar-se dentro de certos limites, seu livro deixará de ser romance e passará à categoria de ensaio politic ou sociológico. Se um escritor tem determinadas idéias, quando faz um romance é naturalmente levado a dar maior importância a fatos sociais, psicológicos e humanos ligados a essas idéias, mas seria imperdoável que no final fizesse a demonstração da superioridade do sistema que prefere. Na parte da criação, a literatura é essencialmente um meio de expressão. O ficcionista, portanto, exprime suas reações em face dos problemas e dos fatos que mais o impressionam e preocupam. Mas na medida em que for um puro escritor, a própria arte literária o aconselhará a não transpor determinado limite, para evirtar conclusões. O que não quer dizer que um romance não possa ser um extraordinário elemento de convicção, tanto mais poderoso quanto menos deliberado".
Fonte: SENA, Homero. República da letras. R.Janeiro: Civilização Brasileira, 1996
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