“Ainda trabalho no hospital psiquiátrico uma vez por semana, para não ficar maluco. Escrever é um ato esquizofrênico, que você pratica sozinho, entre quatro paredes, sem testemunhas. É um ato enlouquecedor. Mas, desde os anos 1980, venho me afastando gradualmente da psiquiatria. Em 1980, quando lancei Os cus de Judas no Brasil, já percebia que não poderia conciliar as duas atividades. Fui abandonando lentamente a psiquiatria e só não a abandono de vez para conservar a sanidade... A psiquiatria está presente em meus romances, mas não só da maneira explícita como os críticos habitualmente observam. Eles se prendem aos aspectos temáticos, mas há uma influência ainda maior, que aparece na técnica. A formação em psiquiatria é um aprendizado técnico, um exercício de lucidez e rigor. Ela me deu um raciocínio diferente, uma maneira particular e talvez mais aguda de encarar o mundo. Eu não teria a mesma visão de mundo e não seria o escritor que sou hoje se tivesse, por exemplo, estudado letras, como fazem quase todos os escritores portugueses. Além disso, a psiquiatria nos dá um contato intenso com o sofrimento e com a morte. Isso me enriqueceu muito e me fez ver que poucas coisas realmente valem a pena nessa vida. Ela me ajudou, também, a ver como relativos o sucesso e o insucesso. É claro que a literatura é importante, mas existem coisas muito mais importantes”.
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/04/1996 – José Castello
"Eu nunca deitei ninguém em nenhum divã e se o fiz ao longo da vida foi para me deitar lá também, não era para ficar a ouvi-la falar. A sensação que tenho é que estamos na idade da pedra do conhecimento, do entendimento humano e das emoções. Não sabemos nada, eu pelo menos sei muito pouco. Isto só tem a ver com a humildade, não sou vaidoso, apenas tenho orgulho. Sei mais ou menos qual é o meu lugar enquanto escritor e o resto da minha vida não é importante, falar da minha vida privada não tem importância nenhuma, os livros sim podem ser importantes mas eu até acho que todos deviam ser publicados anonimamente, sem nome de autor. Isso eliminaria imensos problemas".
Fonte:
Diário de Noticias (Lisboa), 30/09/2007.
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