“O problema de toda a pessoa que, mal ou bem, consegue escrever, durante 30 anos seguidos, é que você adquire um certo jeitão, ou estilo. Eu acho que o escritor tem que fugir o mais que pode desse jeitão, desse estilo. Ou melhor, tem que trazer a esse estilo, que é um tronco, do qual a gente não pode escapar porque somos nós mesmos, o maior número de ramos que esse tronco pode comportar. Acho que a minha luta é para ser surpreendido por mim mesmo, porque isso faz com que meu texto fique mais vivo, e menos deliberado. Fujo da deliberação. Tenho pavor disso, da poesia que tem princípio, meio e fim, causa e efeito, da poesia didática. Quero um texto em que o acaso colabore. E como faço isso? Faço isso procurando fugir do poeta... É aquele que não fecha seu texto. Acho a poesia drummodiana o maior exemplo do que disse, porque ao poema drummondiano você volta muito mais vezes justamente porque há sempre surpresas e há uma riqueza, há uma ambiguidade, há várias camadas de significado. Eu, por exemplo, já li A máquina do mundo, de Drummond, nem sei quantas vezes. Porque é uma poema tão instigante, tão misteriosamente rico! Você abre em diferentes fases da sua vida e encontra ali respostas, ou, pelo menos, questões que você vive. Então, voltando: na minha modesta fatura, procuro incorporar esse dado casual; porque acho que isso contribui para ampliar o alcance do poema. Veja bem, nunca escrevo aqui em minha casa, onde tenho meu escritório, as mesas, os livros de consulta, os dicionários. Escrevo sempre onde trabalho, numa mesa transitória, é uma coisa mais em trânsito onde me sinto menos responsável, não me sinto tão cercado de mim mesmo... Tenho horror ao repertório do belo, assim como ao repertório premeditado do formalismo, tipo Augusto e Haroldo de Campos. Acho que os poetas que lidam com o verbo e com o verso, visceralmente, como João Cabral, conseguem uma expressividade maior, porque ele não tem essa pobre camisa-de-força teórica do concretismo, que o obrigue a escrever com tão poucos elementos, tão fanaticamente poucos, que fetichizam o rigor”.
Fonte: RICCIARDI, Giovanni. Escrever 2. Bari: Ecumênica Editrici scrl, 1994
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“Escrever o pensamento à mão./ Reescrever passando a limpo/ passando o pente grosso, riscar/ rabiscar na entrelinha, copiar/ segurando a cabeça, pelos cabelos/ batendo à máquina, passando o pente / fino furioso, corrigindo, suando/ e ouvindo o tempo da respiração./ Depois, digitar sem dor, apagando/ absolutamente o erro, errar.”
Fonte: http://michellaub.wordpress.com (23/10/2012)
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