“Eu escrevo onde posso e quando posso, mas sempre estou escrevendo... Desde que tive um acidente que me fraturou um dedo, não pude, por uns meses, manejar a máquina de escrever. Segui o costume de terna juventude e voltei a escrever à mão. Logo, quando melhorei de meu dedo, e pude manejar a máquina, já havia me reacostumado a escrever à mão. Verifiquei que escrevendo à mão tinha mais sensibilidade e que as formas plásticas de minha poesia podiam mudar mais facilmente. Quer dizer, compreendi que a mão tinha algo a ver com isso. Acabo de ler em Paris Review o que disse Robert Graves ao jornalista que lhe entrevistara: ‘Não lhe chama a atenção algo nesta casa, nesta peça? Tudo é feito à mão’. ‘O escritor – disse Robert Graves – só deve viver entre coisas feitas à mão’. Mas me parece que ele se esqueceu que também a poesia deve ser escrita à mão. Me parece que a máquina de escrever me separava de muita intimidade com a poesia, e a mão me trouxe de novo a essa intimidade... Não tenho horário (para escrever), mas de preferência pela manhã. Quer dizer, se a esta hora a Rita não estivesse fazendo-me perder o tempo, e perdendo o seu, eu estaria escrevendo... Não escrevo e leio muitas coisas no dia. Meu desejo seria escrever todo dia, porém, muitas vezes, a plenitude de um pensamento, de uma expressão, de algo que sai de uma maneira muito tumultuosa de minha própria inspiração, usando uma palavra antiquada, me deixa ou satisfeito ou exausto ou vazio. Ademais gosto demasiado de viver para estar todo o dia sentado em um escritório. Isto é algo que não está de acordo comigo; eu gosto de meter-me em todos os trajetos da vida, de minha casa, da política, da natureza. Estou sempre entrando e saindo. Não posso dizer então que consagro todo o dia a escrever, mas onde esteja e quando posso escrevo intensamente. Não importa que haja muita gente ao meu redor. Posso escrever e desenvolver meu pensamento ainda que estejam conversando, discutindo ou brigando. Mais ainda, se de repente ficam silenciosos, isso me pertuba”.
Fonte: http://www.latinartmuseum.net/neruda.htm (consulta em 09/05/2005)
Extraído de: Pablo Neruda (1904-1973) Entrevista con Rita Guibert. México: Editorial Novaro, S.A., 1974.
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