Volta para a capa
Grandes entrevistas

 

Benedicto Monteiro

No seu segundo número, com a data de 22 e 28 de janeiro de 1975, o semanário alternativo Bandeira 3 (de breve mas marcante existência), editado por Lúcio Flávio Pinto, publicou uma entrevista, de capa, com Benedicto Monteiro (1924-2008). Naquele início de ano, o escritor lançava O Minossauro, segundo volume de sua anunciada trilogia (iniciada com Verde Vago Mundo), que se converteria em tetralogia, acrescida A Terceira Margem, Aquele Um. Foi entrevistada por Lúcio e Raimundo José Pinto, e dessa conversa, bastante esclarecedora sobre a obra benedictina e sobre o próprio autor, selecionamos alguns trechos. É a homenagem desta página ao romancista, que se foi no dia 16 de junho, aos 84 anos.

Jornal Diário do Pará, domingo, 29/06/2008


– Depois da tua atividade política, o que levou a ingressar na  literatura?


Em primeiro lugar não foi propriamente ingressar na literatura porque eu, desde jovem, já tinha uma vivência literária. Publiquei em 1945 um livro de poesia no Rio de Janeiro. E militava no meio literário. Mas, naturalmente, isso foi interrompido pela minha militância política; e daí voltar a fazer literatura foi uma motivação de ordem humana, principalmente porque sou um cidadão com uma vocação pública, e como foram cassados os meus direitos políticos, não tinha mais como exercer essa vocação. E como eu já tinha, antes, essa vivência literária, procurei voltar a ela e tentar, através da literatura, exercer minha vocação de homem público.

– Essa volta foi motivada apenas pela sua cassação?

Acredito que se eu não tivesse sido cassado, as minhas responsabilidades como líder político talvez não me permitisse, materialmente, voltar à literatura.

– Em que essa longa atuação política beneficiou o escritor?

Os problemas da Amazônia, principalmente os problemas humanos, como decorrência da minha atividade política, foram a tônica do meu exercício de mandato. Então, claro que durante todo esse tempo tive uma experiência não só de problemas humanos, sociais, econômicos, políticos, como uma motivação muito grande em torno de todos esses assuntos; naturalmente que foi um caldeamento que se operou durante essa época e que permitiu usar todo esse material, atualmente, na trilogia que estou escrevendo.

Como surgiu a idéia de escrever o Verde Vago Mundo?

Eu precisava fixar, para mim mesmo, e também para a literatura, quem sabe, um mundo que está preste a desaparecer, que é, justamente, essa região do Baixo-Amazonas, talvez a região mais tipicamente amazônica e mais tipicamente paraense que existe, porque não foi atingida pela migração nordestina e por imigração estrangeira – não teve nenhuma influência. Essa população é de origem tipicamente indígena e portuguesa, mas muito acentuadamente a origem indígena. O caboclo do Baixo-Amazonas não apenas é um homem típico da região, como também o mundo em que ele vive é de uma civilização fundamentalmente fluvial. Como esse aspecto da nossa vida foi violentamente distorcido pela política de estrada de rodagem, possivelmente, daqui a alguns anos essa região que eu procuro retratar no Verde Vagomundo vai desaparecer porque vão surgir, lá, as frentes de trabalho, de progresso. A própria transferência que está ocorrendo de populações inteiras, que tiveram toda a sua vivência no meio fluvial para a terra firme, para a beira da estrada, já é uma violentação extraordinária e que possivelmente vai desfigurar o aspecto principal daquela região. Então, isso que me motivou, realmente, a escrever o Verde Vagomundo, quer dizer, pretendi fixar na minha triologia esse mundo que possivelmente vai desaparecer.

– Nos dois livros, Verde Vagomundo e no Minossauro, há uma grande intimidade com o meio ambiente, com esse mundo das águas. Como foi que chegaste a essa intimidade tão grande com as coisas da natureza e com as coisas típicas do homem dessa região? Como foi esse trabalho de registro mental ou registro escrito que permitiu criar um volume de informações tão grande sobre essas regiões?


Nasci e me criei, praticamente, em Alenquer, no Baixo-Amazonas. Sou filho de um fazendeiro, um pequeno criador, e embora tenha passado algum tempo da minha instrução no Rio de Janeiro, voltei para Alenquer e nessa região fui tudo que um indivíduo pode ser: criador, produtor de castanha, juiz, pretor, promotor, advogado, vereador. Então o exercício de todas essas profissões me permitiu, vamos dizer, me entranhar naquele mundo.

Além dos aspectos puramente intuitivos da obra, ela tem os seus aspectos de criação intelectual, de elaboração mental. Como é que foi possível, no caso da preocupação básica da triologia, que é unir o tempo universal com o tempo amazônico, modernizar a narração literária na região e criar um romance de contexto? Como é que foi feito esse trabalho de ligação do tempo amazônico com o tempo universal, através, por exemplo, no Verde Vagomundo, das emissões de rádio?

Bem, isso eu acho que partiu do próprio contexto, porque isso realmente significa a realidade do Baixo- Amazonas. Lá a vida é tão isolada que só há essa ligação. Apelei para o rádio transistor porque ele realmente processou uma revolução no Baixo-Amazonas. O rádio transistor levou àquele povo notícia e conhecimentos que ele jamais poderia ter porque é totalmente isolado do mundo. Depois que terminou a época do “regatão” no Baixo-Amazonas, que se extinguiram as grandes companhias de navegação, ou por outra, faliram as grandes casas aviadoras – Nicolau da Costa & Cia, Ferreira de Oliveira Sobrinho, Silva & Cia -, essa região ficou praticamente sem comunicação, porque a comunicação era o “regatão”. Quem levava as notícias para a cidade eram os navios em viagens constantes de Belém a Manaus e de Manaus a Belém. Mas isso desapareceu. Quer dizer: ficou uma região realmente isolada, o Baixo-Amazonas é praticamente uma região sitiada. O sistema rodoviário liga uma parte dessa região, agora através de Santarém e outra chegando até Manaus. Essa região ficou isolada de notícias e comunicação, daí sobrar só rádio transistor. Por isso que foi não só um achado, como também um reflexo da realidade.

Após o sucesso do Verde Vagomundo, que inclusive foi citado pela revista Veja como um dos 10 melhores lançamentos do ano, após todo esse sucesso, o que foi que o Benedicto Monteiro teve como lucro?

Materialmente, nenhum. Não tive grande lucro. Quanto ao aspecto intelectual foi imenso, porque para mim, particularmente, embora tenha todo amor, seriedade, todo o afinco em realizar esse trabalho, para mim foi uma grande surpresa o êxito alcançado.

Geralmente todo trabalho feito em Belém, para ter um consenso de aceitação, tem primeiro que ser reconhecido lá fora para depois ser aceito aqui dentro. Como foi a luta para que o Verde Vagomundo chegasse a sair dos limites do Pará?

Tive uma grande luta para suprir o dever que a editora tinha de fazer: a divulgação e apreciação através da crítica e dos meios literários. Acredito que se a editora tivesse maior responsabilidade da distribuição e divulgação desse livro, ele teria alcançado uma repercussão muito maior, porque foi verdadeiramente fortuita a maneira como a crítica tomou conhecimento do livro.

– Você já foi convidado pela Academia Paraense de Letras?

Realmente, fui convidado, vamos dizer, por amigos que tenho na Academia. Não foi um convite formal e por isso tomei por uma gentileza da pessoa que me fez o convite.


E se esse convite fosse formalizado, qual seria a resposta?

Se esse convite fosse formalizado, eu iria examinar com muito carinho.

Mas sem nenhuma atitude de precaução contra a naftalina da Academia?


– Quero dizer que agora existe, por exemplo, um grande amigo meu que entrou recentemente, o desembargador Silvio Hall de Moura, e só o fato de ele estar lá na Academia já seria uma pessoa com quem eu pudesse conversar.


Agora você não está identificado mais com Carlos Drummond de Andrade do que com Jorge Amado?


Bom, acredito que estou muito mais com Drummond do que com Jorge Amado.

“Mais olhos ninguém teve do que Benedicto Monteiro para ver o sofrer e o gozo milagroso de ser amazônida.” (Darcy Ribeiro)

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