Esta seção, comandada pelo nosso correspondente no velho oeste paulista, Vicentônio Regis do Nascimento Silva, publicará semanalmente um breve perfil de alguns escritores destacados, porém pouco badalados, da literatura brasileira. É sabido que a nossa mídia é seletiva, onde apenas alguns autores aparecem, muitas vezes, mais do que merecem. Assim, Tiro de Letra também adota o critério da seletividade, só que ao contrário da grande mídia: vamos dar publicidade àqueles escritores que realmente merecem e precisam ser conhecidos pelo público. Iniciamos com a escritora gaúcha
VALESCA DE ASSIS: habilidades múltiplas
O passeio entre dois gêneros literários ou entre suas nuances nem sempre se dá de maneira satisfatória. Seja pela limitação despercebida do escritor ainda imaturo, seja pelas tentativas frustrantes e sem resultados claros, adultos e jovens ou romances e crônicas parecem fronteiras mais do que suficientes para repensar as técnicas narrativas e descobrir caminhos que levam ao mesmo destino. Nesse ponto – em que as técnicas são repensadas antes de aplicadas – destaca-se o trabalho da escritora gaúcha Valesca de Assis.
Educadora, filósofa, autora premiada e ministrante de oficinas literárias no Rio Grande do Sul, Valesca de Assis desperta a atenção por duas características que, embora interdependentes, se complementam na busca dos efeitos que aparentemente pretendem alcançar. Se o ensaísta e escritor mexicano Carlos Fuentes define a Literatura como o exercício idiossincrático da imaginação e da linguagem, Valesca de Assis sabe desempenhar maduramente os artifícios de que dispõe para transformar a linguagem em degrau de uma escada consistentemente construída.
A verificação dessa afirmação ocorre em duas de suas obras. A premiada “Harmonia das esferas”, romance destinado ao público adulto, mas que não contém nenhum empecilho aos leitores de todas as idades, narra a história de um casal, passada na Porto Alegre dos anos de chumbo da ditadura. Quem ultrapassa as dez primeiras páginas e se adapta à linguagem trabalhada para causar, nos moldes semelhantes em alguns trechos de Clarice Lispector, uma angústia pela relação conturbada dos protagonistas, se atém aos amantes que, em momentos de loucura, são capazes de se valer de artifícios pouco ortodoxos para encerrar o passado e retirar suas faíscas do centro da memória.
Numa leitura superficial, o uso de explosivos para mandar pelos ares e pelas águas uma ilha do Guaíba parece inverídico, mas, em um segundo momento, as iniciativas e práticas militares durante o regime de exceção beiravam o sem sentido, que certamente surpreenderia Kafka.
A linguagem de efeitos psicológicos e nem sempre fluida de “Harmonia das esferas” cede lugar a uma narrativa linear, corrente e empolgante em “Vão pensar que estamos fugindo!”, destinado ao público infanto-juvenil e publicado no ano passado por ocasião das comemorações dos duzentos anos da chegada da família real ao Brasil.
De situações hilárias e de fatos que prendem a atenção do leitor numa viagem pelos subúrbios da história brasileira, “Vão pensar que estamos fugindo!” vale como material pedagógico imprescindível para lançar na sala de aula, de maneira pedagogicamente eficaz, as discussões frugais e humanas que permearam a vida da nobreza que se instalava em nosso país. Dessa maneira, os longos discursos de exaltação das figuras públicas abrem espaço para as análises das vidas privadas.
Pela condução da linguagem e pela destreza no exercício do foco narrativo, Valesca de Assis deve se instalar na bibliografia dos que pretendem uma leitura divertida, mas não fútil, das relações amorosas e das angústias particulares dos personagens públicos.
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Próxima semana:
Josué Guimarães:
Mestre da literatura fantástica
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Vicentônio Regis do Nascimento Silva é
Crítico Literário, Educador, Contista e Cronista. Recebeu diveros prêmios literários nas categorias crônicas e contos, entre eles os da Academia de Letras de São João da Boa Vista (São João da Boa Vista - SP) e do concurso literário Felippe D'Oliveira (Santa Maria - RS); Participou de cinco antologias literárias; colabora em jornais e revistas paulistas, fluminenses e brasilienses cujos textos, em grande parte, estão reunidos no seu blog: www.vicentonio/blogspot.com (vicrenos@yahoo.com.br)