"No meu caso, houve algumas semelhanças entre uma experiência e outra (escrita de um libreto e escrita de um romance). Eu gosto de histórias fortes, que prendam o leitor e que o mantenham na expectativa sobre como o enredo se vai resolver. Em termos de fôlego narrativo, o libreto é como uma novela, porque só tem espaço para meia dúzia de personagens. Mas também há diferenças importantes. Uma delas consiste em saber que as palavras vão ser cantadas, o que nos leva na direcção da poesia. Eu escrevi uma espécie de prosa com métrica, quase sempre em pentâmetros jâmbicos, que é como o inglês flui melhor. Mas a principal diferença é que a ópera tem a sua própria lógica. Eu queria manter-me fiel a um certo realismo psicológico, sem elementos sobrenaturais, mas não consegui, porque é impossível haver realismo psicológico, ou outro realismo qualquer, quando as pessoas cantam. Justamente porque cantam, as suas emoções transbordam e tornam-se desmedidas... A primeira coisa de que me apercebi (vendo meu texto cantado no palco) foi que as personagens podem ser alucinadas, loucas e más na página, mas a música confere-lhes calor humano. Até Charles se torna simpático, ao ponto de quase sentirmos pena dele. Ou de Maria... Sim, desejei ser músico. Fui uma daquelas crianças que desistiu do piano demasiado cedo. Devia ter prosseguido os meus estudos. Mais tarde cantei em coros. E ainda hoje fico doido se ouço uma guitarra desafinada. Às vezes tenho a sensação de que perdi qualquer coisa".
Fonte: http://bibliotecariodebabel.com/entrevistas/ian-mcewan/ (30/04/2011)
|