"Além do fato de ambos terem como ponto de partida o assassinato – o assassinato do pai na psicanálise; o assassinato em geral, no romance policial – ambos são exercícios da suspeita. Tanto no romance policial como na psicanálise, a verdade não é que se oferece docilmente, mas como um enigma a ser decifrado. Psicanálise e investigação policial são práticas de decifração. Ambos estão voltados para fragmentos da realidade, pequenos signos de uma história pessoal que apontam para algo oculto e distorcido: no caso da psicanálise, o desejo inconsciente recalcado; no caso da investigação policial, o autor do crime. O que importa não é o sentido manifesto dos signos mas um outro sentido, oculto pelo primeiro. Tal como o detetive dos romances policiais, o psicanalista é aquele que suspeita, que sabe que nosso relato é um enigma a ser decifrado, mas que sabe também que, por meio desse enigma, uma verdade se insinua. Essa analogia, porém, não deve nos levar a um engano que falsearia a natureza da prática psicanalítica. Ao contrário do detetive policial, o psicanalista não é aquele que descobre o crime e o comunica ao sujeito a partir de uma exterioridade. Na psicanálise, ambos analista e analisando, participam igualmente da investigação. A rigor, na psicanálise quem descobre o crime é o próprio criminoso (o paciente), mas essa descoberta só pode ser feita na relação com o analista”.
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/10/2001 – Luciano Trigo
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