"O meu sistema de trabalho não é sistema. É só trabalho. não faço anotações de fulgurações criativas, fichas catalográficas, índices, nada. Nem tampouco esquematizo o que vou escrever. Não trabalho no caos, mas começo completamente às escuras. Sem saber, exatamente, qual o formato mais adequado ao que pintou na cabeça e, acima de tudo, sem saber como vai terminar, seja romance, seja conto, seja peça de teatro ou roteiro de cinema. Talvez a única exceção, no que diz respeito ao saber como vai terminar, seja o conto Síndrome da dúvida compressiva, publicado na antologia Síndromes & síndromes (e conclusões inevitáveis). comecei-o, exatamente, pelo fim. atravessava a praça da liberdade, em Belo Horizonte, quando as perguntas ir pra onde, merda? pro hotel?, me bateram na cabeça e não saíram mais. Corri prá casa dos contos, um restaurante/boteco da rua Rio Grande do Norte, onde escrevi grande parte da minha obra, sempre sentado na última mesa da varanda, junto da parede, e rascunhei o conto, que terminou, exatamente, com aquelas perguntas. De uma forma geral, não me preocupo com o que vou escrever. Preocupo-me, sim, com o quando vou escrever. Começar uma nova obra é sempre um terror. Fujo da folha em branco do papel (hoje da tela do computador) como quem foge da morte. Sem conseguir escapar. Porque, sem saber como, de repente, a vontade de escrever é maior do que o medo, e zás. Lá vem tudo. o estopim, o fulminante que detona o processo, tanto pode ser interior, caso do conto Síndrome da dúvida compressiva, quanto exterior. Caso do conto Pluna, publicado na antologia Fractal em duas línguas. Morava ainda no rio de janeiro e, um dia, chovia se deus dava, passando num ônibus pela Av. Rio Branco, vi um letreiro iluminado que dizia, Pluna Líneas Aéreas Uruguayas. Quando dei por mim, estava na Cinelândia, correndo da chuva, com a palavra pluna piscando na frente dos meus olhos. Assim nasceu Pluna, que nada tem a ver com aviação e, muito menos, com o Uruguai. O romance o longo tempo de Eduardo da Cunha Júnior nasceu dentro do antigo cinema Rian, na praia de Copacabana, no Rio de Janeiro. Não me lembro já em que ano, sei apenas que foi na década de 70, assistia eu um filme sobre Beethoven, onde ele tocava a Sonata ao luar, sozinho numa sala. De repente vê um vulto de mulher numa porta, pára de tocar, bate com a tampa do piano, levanta-se e corre para os jardins. Quando o filme terminou, eu já tinha a primeira frase do livro: meu nome não é Cunha de Leiradella. Só não sabia que o personagem Eduardo da Cunha Júnior iria consolidar-se neste romance".
Fonte: Resposta enviada pelo autor em 29/07/2008
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