“Qual ciência, meu amigo! Sempre fiz puro impressionismo e acho que assim é que deve ser. A obra dos julgadores de livros vale pela forma em que está vazada, pela ironia, pela irreverência, pelo que possa representar de negação dos valores oficiais. Nem a Medicina é ciência, quanto mais a Crítica... (3). Depois, isso de dar lições ao público cansa e não produz efeito. Porque repare que há uma maçonaria dos leitores: trabalhos elogiadíssimos constituem formidáveis encalhes, ao passo que outros, de que os aristarcos não gostam, vendem-se aos milhares. De um modo geral, abomino os criticóides. Para mim, a rigor, só contam os músicos e os poetas. E se ainda hoje leio Sainte-Beuve é porque escrevia maravilhosamente bem. Portanto, voltamos ao princípio: o que vale é a forma. Ademais, veja que a crítica, parecendo gênero difícil, pela soma de conhecimentos que deve exigir, ao contrário é muito fácil e até adolescentes conseguem exercê-la com sucesso, pelo menos entre nós... Depois, que coisa precária a emissão de juízos num país como este, onde os autores mais populares não conseguem vender cinco mil exemplares e os editores são obrigados a verdadeiros passes de mágica para lançar a terceira edição de um romance. Numa terra em que os livros, porque não têm contextura resistente, envelhecem tão depressa, para que assumir ares professorais e pedantescos ao tecer-lhes o comentário? É o caso de perguntar o que é feito de Os Corumbas, do Sr. Amando Fontes, volume que suscitou há tempos rumoroso e extenso movimento de opinião. E não me refiro apenas aos romancistas, pois nos outros ramos da atividade intelectual, na historiografia, por exemplo, ser-se aqui Capistrano ou Calmon é a mesma coisa, e o segundo vai até obtendo mais sucesso que o primeiro, por muitos considerado apenas um sujeito maçante...”
Fonte: SENNA, Homero. República das letras. Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 1996.
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