Burroughs: O Comissário dos Esgotos
Sid Summers
William Seward Burroughs. Garoto educado tradicionalmente, oriundo de uma família abastada (herdeiro da Burroughs Corporation fundado por seu avô). Estudante da John Burroughs School, onde em 1929 publicou seu primeiro ensaio: “Magnetismo Pessoal”. Na Universidade de Harvard, quando estudava artes, conheceu os amigos que iriam mudar sua vida e o rumo da literatura e da própria história do planeta. Juntos eles formariam a chamada Geração Beat.
O que começa na década de 40 como um movimento literário torna-se um fenômeno sociológico de importância e repercussão mundial, uma revolução cultural. Nas palavras de Allen Ginsberg, poeta beat, um movimento de “libertação espiritual, feminina e racial”. Na década de 60, com o advento do hippismo, se converteu no movimento político que trouxe a tona várias inquietações dos jovens e que tornaram possíveis diversas mudanças. Nas palavras do Burroughs, se “protestava a favor do fim da guerra do Vietnam, da legalização da maconha, o fim da censura, reconhecimento dos direitos das minorias e quase todos esses objetivos se alcançaram”. Em suma, a beat aglutinou um grupo de poetas notáveis que anunciaram o novo por via da linguagem. Bem se aplica a frase do diretor italiano Federico Fellini: “A realidade pertence ao visionário”.
Burroughs inventou seu estilo de literatura (experimental, escatológico e urbano). Foi o primeiro a ficar famoso por coisas que se ocultam, tais como o uso abusivo de drogas, sua orientação sexual confusa, um poeta sujo e original. Sua mulher, Joan Volmer, foi a primeira ocidental a ser internada num manicômio por abuso de drogas na época em que exagerava na mistura do álcool a benzendrina. Segundo Amir Baraka, poeta beat, se referindo a Burroughs, sua postura drogada serviu para “denunciar ao mundo que existiam drogados nos EUA e isso foi um avanço social”. Ainda que Walt Whitman (quem considero o maior poeta de língua inglesa de todos os tempos) tenha assumido sua homossexualidade muitíssimo antes, o impacto foi completamente diverso. Como Jean Genet e Pier Paolo Pasolini, ele assumiu quando havia perigo em sua afirmação.
Na década de 60, nos EUA, homossexualidade era ainda um tabu, era praticamente proibido falar sobre o mundo gay, que era considerado um meio criminoso, uma doença. Burroughs foi um pioneiro no movimento de libertação gay e trabalhou conjuntamente com o Andy Warhol nos primórdios desse movimento. “Tenho que escrever essa novela gay, sou o único que pode fazê-lo, é o meu dever” – Disse Burroughs sobre seu livro Queer.
Introduziu na literatura “cus” e “heroína”. Junkie, um livro de inspiração autobiográfica, trata do vício em opiáceos do seu autor. Entretanto, quem lê sua obra, antes nota-se uma advertência ao não uso da heroína, apesar de ter feito boa parte do que escreveu sob efeito da droga, do que o incentivo e glamorização do uso dela. “Por que sempre uso a paródia? Porque nem na vida nem na escrita encontro sinceridade” – afirmou Burroughs.
Em 1962, sua obra mais famosa, Naked Lunch (lançada em 1959), foi julgada e condenada por conter em suas páginas infanticídio e pedofilia, para somente em 1966 ter sua sentença revogada e ter efetivamente reconhecido o seu redentor valor social. Nas palavras de Anne Waldman, fundadora junto a Kerouac e Ginsberg da School of Disembodied Poets, Naked Lunch foi “uma alegoria contra a pena capital, a maneira de A Modest Proposal de Jonathan Swift”.
Burroughs rompeu as barreiras das artes e influenciou diversas outras expressões artísticas, quais a musica e o cinema. É o que se observa no título do clássico do cinema Blade Runner, no batismo da banda Soft Machine ou mesmo no termo Heavy Metal, que lhe foi atribuído. Por isso, Victor Brockis o considera “o escritor mais genial do mundo na segunda metade do século XX”. Trabalhou conjuntamente com sua poesia junto a diversos músicos ilustres, como Frank Zappa, John Cage, Philip Glass, Tom Waits, entre outros, além de estar entre os que aparecem na capa do antológico Sargent Peppers dos Beatles.
Considerado também o padrinho do movimento punk, pois o futuro comportamento da juventude da década de 70 foi profetizado em seus livros, como Naked Lunch ou The Wild Boys. David Cronemberg, que adaptou ao cinema o inadaptável Naked Lunch, Burroughs participando e opinando nas filmagens em 1991, disse: “Creio que os escritos de Burroughs eram bastante revolucionários. Falavam de coisas que não se diziam, especialmente nos EUA de sua época, devido a tradição puritana”.
Acho estranho, chocante e um cúmulo de ignorância, que ainda hoje um autor revolucionário e original ainda sofra com a deturpada imagem do beatnick da década de 50. Um adjetivo pejorativo que funde o vocábulo beat ao Sputinik, um estereótipo comercial usado na venda de periódicos que exploravam a imagem do “garoto mal”. Nesse sentido, referente ao desconhecimento da sua obra, Burroughs e a beat precisam ser redescobertos, no mínimo lidos. Burroughs é o exemplo do uso da linguagem para descobrir verdades, verdades novas. Me sirvo de um provérbio blakeano para o trabalho dos jovens destoantes da sua época, que permanecem vivos hodiernamente: “A cisterna contem, a fonte transborda”.
Fonte: www.verbo21.com.br (27/05/2013)
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