"Como é o jornalismo que garante o pão na mesa, é natural que o sujeito tenha de, numa verdadeira escolha de Sofia, escolher pelo trabalho que o sustenta. E a carreira de escritor fica relegada a um plano secundário. Evidente que há os sábios que conciliam coisa e outra. Mas é muito difícil. Numa pequena e apressada conclusão: creio que o jornalismo facilita as coisas para o aspirante. Ali está o sujeito lidando com as palavras, trocando espadas com os sentidos, querendo expressar-se. E no jornalismo, neste torvelinho diário em que todos nos metemos, também o drama humano se expõe ao grande e ao completo. Ao final de um dia de trabalho, mesmo o jornalista que trabalha numa página de gastronomia pode escolher sobre o que escrever em sua ficção. Certamente toda a baixaria e toda a grandiosidade da vida — os extremos de que trata a literatura, afinal — passaram pelos seus olhos. Claro, há de ter olhos para ver. Mas para isso se é, ou não, escritor... O jornalismo e a literatura são parecidos, mas não são iguais. Tenho a convicção, porque trabalhei em pesquisa relacionada a oficinas de criação literária, de que a literatura é vocação, dom, chamado ou apelo. Nada a ver com metafísicas: simplesmente o indivíduo tem jeito para escrever; dê-se a isso o nome que se der. Por outro lado, o jornalismo, como a arquitetura ou a medicina, também depende de vocação. Ainda não localizei bem o que determina, ou não, se um cara é vocacionado para o jornalismo. Mas SEI quando ele é. Talvez o jornalista seja um escritor. Certamente ele, o jornalista, é um autor. Mas há coisas que diferenciam, essencialmente, coisa e outra. Sem entrar no mérito de definições, chamemos para aclarar as coisas o escritor Jorge Luis Borges, que dizia que o jornalista escreve para o momento e para o esquecimento, enquanto gostaria de escrever para a memória e para o tempo. É uma questão de diferenciar o texto jornalístico do literário. E, para complicar um pouco as coisas, temos esse gênero tão brasileiro e meio híbrido que é a crônica. Há crônicas que nascem para a morte no momento em que a tinta toca o papel. Há aquelas que nascem para a eternidade nesse mesmo instante".
Fonte: COSTA, Cristiane H. <www.penadealuguel.com.br>, 13 de dezembro de 2006.
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