"A idéia inicial de Por que sou gorda mamãe, bastante tola e pretensiosa, era uma carta à mãe, nos modelos da potente e arrasadora Carta ao pai, do Kafka. O problema era que, neste diálogo com a tradição, de volta aos mesmos temas, eu estava em franca desvantagem. Kafka é ressentido, duro, triste — apesar de não se arvorar a juízos de valor — e, sobre todas as coisas, capaz de ser belo. Kafka escreve que é um doido: ele expõe, os leitores dispõem. Ninguém pode querer se ombrear a ele, e nesse pecado eu me confundi. Durante seis meses, logo que comecei a escrever o novo livro, fiquei destrinchando minha relação com minha mãe. Ao final, nada me satisfazia. Pior: escrever não estava me dando mais a satisfação que sempre me deu. E, além de não ter mais o prazer da escrita, eu já havia julgado e condenado minha mãe por todos os pecados do mundo. E Kafka vinha me puxar os pés nas assombrações do sono. Eu queria fazer ficção. Mas estava cortando os pulsos em público. Fui para a terapia correndo. A idéia era a seguinte: biografia só durante as sessões. Ou só se eu achasse que dava algo razoável. Deixei Kafka no olímpo que ele merece. Só assim comecei a me divertir escrevendo. Foi quando o escritor Luis Antonio de Assis Brasil, que sempre me acompanhou, se deu conta de que comida era tema recorrente no livro, que o texto tinha alcançado um tom mais jocoso e sugeriu um novo título, exatamente esse que acabei por adotar. Relutei, porque o risco de fazer gracejos tolos sempre existe. Mas, em conversa com Lucia Riff, minha generosa agente, e com Luciana Villas-Boas, minha editora, acabei me convencendo de que a idéia poderia vingar. E eu até podia pensar num acerto de contas com minha mãe, que nunca foi necessário. Saiu um livro que tenta — tenta — explorar a graça que há no trágico. Uma escritora, que é a narradora-protagonista, engorda 22 quilos sem se dar conta. Na tentativa de emagrecer, percebe que a dor também pesa. E vai buscar no passado, nas relações familiares, a explicação da transformação física.
Fonte: http://agenciariff.com.br, em 26/11/2006
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