"O ritmo marca muito minhas frases. Mas isso vem da escola, vem dessas leituras em voz alta. Nelas, você pega o ritmo das palavras, som, cor, imagem, até sabor. A leitura em voz alta leva muito a isso. Por isso que minhas oficinas são marcadas por essa leitura, por essa música. Um tema recorrente na minha cabeça é o 'Blue Monk' de Thelonious Monk. Na minha fantasia cada 'frase' da músca é uma frase que eu escrevo. Fecha-se um bloco substantivo, bem definido, ritmado. Depois entra o saxofone, a bateria, a cozinha toda, aí você solta a franga, desmunheca. Manda entrar todos os adejtivos, advérbios, tudo que te proibiram usar. Se você já foi capaz de fazer todo substantivado, você tem moral suficiente de fazer o que quiser no próximo bloco. Claro que isso é uma viagem de quem escreve. Mas eu acho que o ritmo marca muito aquilo que escrevo, me dá uma pontuação de fato. Eu sinto isso em determinados momentos. Por exemplo, no começo do meu romance Meu querido canibal: 'era uma vez um índio. E nos anos quinhentos nos séculos das grandes navegações - e dos grandes índios'. Esse travessão para o leitor não significa nada, mas para mim significa tudo. Uma quebra, uma dissonantada à Thelonious Monk. É isso que eu gostaria de atingir... Às vezes fico ouvindo Miles Davis tocar uma música chamada 'Enigma'. Um solo maravilhoso. Se conseguisse amarrar isso e trazer para o mundo das palavras, eu seria o escritor mais feliz do mundo".
Fonte: Um escritor na biblioteca: 2011. Curitiba: Biblioteca Pública do Paraná, 2013.
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