" A dívida da Psicanálise para com a Literatura é tão grande que Lacan dizia não ser suficientemente poeta para ser um grande analista. Dizia isso, embora ele tenha sido o mais poeta dos psicanalistas. Uma das suas grandes referências era Joyce, sobre o qual ele fez um seminário. Chamava-se “Joyce, o Sintoma”. Lacan estava interessado no sintoma, e Joyce quis mostrar, através da sua literatura, o sintoma dos seus conterrâneos. Queria revelar o sintoma de Dublin, sua cidade natal. Tive a pretensão de revelar o sintoma de São Paulo, “a cidade que não pode parar”, em Consolação, o meu último romance. Agora, o texto em que a minha ficção mais se alimentou da Psicanálise foi O Papagaio e o Doutor, que eu levei muitos anos fazendo e depois traduzindo para o francês. Trata-se de um romance sobre os “turcos” do Brasil. A história é narrada por uma descendente deles, Seriema, que foi à França fazer sua análise com um renomado Doutor – inspirado em Jacques Lacan. Rememorando a análise e o passado dos imigrantes, ela se libera do Doutor e dos ancestrais, para se tornar quem ela deseja ser, cultivar a língua brasileira ou a língua do ão, em que ela sonha. Pela irreverência, esta personagem evoca a Emília do Monteiro Lobato e o herói sem caráter, Macunaíma. Como Emília, ela diz o que pensa. Como Macunaíma, faz pouco do sentimento de culpa. Ri de si mesma e dos outros para se libertar. Só que, à diferença do Macunaíma, ela não morre no fim do romance, não vira estrela, sai de cena gostando de ser brasileira, mestiça e mulher".
Fonte: http://www.bettymilan.com.br/psicanalise-e-literatura-iii/
Entrevista na Fliporto, em 19/12/2012
***
"No meu caso, os dois ofícios (Psicanálise e Literatura) são indissociáveis. Sou psicanalista e escritora desde sempre. Escrevo estilizando a oralidade. A escuta é fundamental para a minha literatura, e a minha relação com a escrita molda a maneira de intervir enquanto analista. Me lembro de sessões que são verdadeiros poemas. Também sobre isso eu falo no meu novo livro, contando a análise com Lacan. Por sinal, ele dizia que não era suficientemente poeta para ser um grande analista, ou seja, sabia da importância da poesia para a análise".
Fonte: http://www.bettymilan.com.br/psicanalise-e-literatura-iii/
Revista Psique, Ano VI- edição 82 – out de 2012.
|