"Bom, eu poderia lhe dizer que Deus é o núcleo de tudo. Que pretensão que Ele seja o núcleo de uma série de romances! Escute aqui, eu sempre tive latente, permanente, dolorose mesmo, o sentido da religiosidade que se manifestava antes da minha conversão - naquele sentido que lhe dá Murilo Mendes, isto é, que todo dia é dia de conversão de uma porção de maneiras: pela amizade, pela fraternidade, pelo sexo, pelo teatro. Pois é, pelo teatro: todo o meu instinto religioso foi canalizado através do teatro. Cada espetáculo que eu produzia era um ato de fé. Afinal de contas, meu caro, Deus se manifeta apenas através de ofícios religiosos. Nunca tive, a rigor, a angústia de estar a procurá-LO, porque sempre O senti presente. Sempre, não. Às vezes eu falava sozinho no escuro (Continuo a falar uma vez ou outra), mas sempre havia um sinal. Creio que Mario da Silva Brito não exagerou quando disse que sou pagão como Miller e transcendental como Kazantzakis e quando minha mulher diz que sou uma mistura de anjo e demônio. É isto, precisamente, o homem. E principalmente o homem-artista. Discute-se muito se a obra de arte é devida a Deus ou ao Diabo. Eu sirvo a Deus, sim senhor, mas tenho profundo respeito pelo Diabo. É porque sou mesmo uma criatura facilima de cair em tentação".
Fonte: CORREYA, Juarez; ALVES, Leda (orgs.). A palavra de Hermilo. Recife: Companhia Editora de Pernambuco, 2007.
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