"Eu o passo à máquina duas vezes para corrigir, ou, às vezes, passo a uma filha moderna e computadorizada, minha filha, Cecília, que o faz maravilhosamente como eu não poderia fazer, para entregar aos editores. Mas o prazer que se tem, já com as provas, de rabiscar aqui e ali, tirar e pôr, é muito grande... No primeiro momento em que se descobre a escrita, há um prazer extraordinário. Recordo-me de que, quando tinha 18 anos e escrevi o primeiro conto que julguei publicável, senti uma alegria tão grande, que soquei as lâmpadas do lugar onde estava. Era o que podia fazer. [Franz] Kafka [(1883-1924), escritor tcheco de língua alemã] fala de sair às ruas como um louco, com vontade de gritar: “Consegui escrever um bom conto”. Há sempre um grande prazer. Um escritor não o perde e, se o perde, que se retire e faça outra coisa. Há muito que fazer no mundo. Mas o prazer que tenho na minha idade, Eric, é poder finalmente escrever os livros que queria escrever aos 20 anos e não sabia como. E isso me dá um prazer que não é o mesmo prazer de quando tinha 25 anos. Além do mais, aprende-se a escrever. Gasta-se muita energia quando jovem escrevendo, enfrenta a página em branco, "O que vou dizer exatamente?". Estive uma temporada na Universidade de Princeton, nos Estados Unidos e descobri meu modo de ganhar tempo e me cansar menos: todas as noites, dava um passeio literário e científico. Ia de minha casa à casa em que morou Albert Einstein [(1879-1955), físico alemão radicado nos Estados Unidos, famoso mundialmente por desenvolver a teoria da relatividade] e ia à casa em que morou Herman Broh [(1886-1951), romancista, ensaísta, dramaturgo e filósofo austríaco] e à de Thomas Mann [(1875-1955), romancista alemão e prêmio Nobel de literatura em 1929], em Princeton. E, nesse périplo, eu sabia o que devia fazer no dia seguinte. Sentava-me e escrevia com a maior facilidade, sem me cansar, como me cansava quando tinha 27, 28 anos. Hemingway dá uma grande lição, dizendo: "Sempre deve-se deixar a página quando se sabe o que vem depois". Deixar a página "Jake abriu a porta e...". Vamo-nos. Vou embebedar-me e, no dia seguinte, continuo".
Fonte: Programa Roda Viva, da TV Cultura, 06/10/1997
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