Autran Dourado
Entrevista conduzida por Julián Fuks, publicada na Folha de São Paulo, em 20/07/2005.
Ao alto de um edifício antigo do Botafogo, numa rua outrora menos barulhenta do Rio de Janeiro, retirou-se Autran Dourado. Acorda cedo e já em horas primeiras beira prateleiras e estantes de seu apartamento à prazerosa procura por algum livro. Os pés trêmulos, as mãos trêmulas, o mal de Parkinson a afetar-lhe os movimentos, desvia-se de um e de outro objeto antigo, mineiros como seu dono. Hoje, na manhã que precede a tarde em que recebe a visita da Folha, opta por Edgar Allan Poe. Com Poe, nos espera.
Dourado aproxima-se da porta com a mesma lentidão com que, a partir da pequena cidade de Patos de Minas, onde nasceu, vem hoje aproximando-se dos 80 anos. Entre essas duas distantes e igualmente irrelevantes marcas no tempo, seu nascimento e esta entrevista, publicou, entre romances, contos e ensaios, 23 livros, alguns altamente prezados pela crítica, como "Ópera dos Mortos". Agora, até o fim do ano, verá todos eles reeditados pela Rocco, movimento que se iniciou pouco depois de ele ter recebido o Prêmio Camões de Literatura, em 2000. Em agosto, dois novos velhos títulos: "O Meu Mestre Imaginário" e "Violetas e Caracóis".
O prêmio o estimulou, sim. Ele não nega a honra de ter se alinhado a João Cabral de Melo Neto ou Antonio Candido. Mas Dourado, menos que entusiasmo, é pura resignação: em suas palavras, na voz igualmente trêmula, literatura e seus meandros convertem-se em acidente, em acaso. São pura fatalidade.
- O senhor já disse que há um grupo de livros seus que pensa terem dado conta do recado. O que os dois que estão sendo relançados agora têm a acrescentar?
Sempre me perguntam, sobretudo quando vou a universidades, quais foram os autores que me influenciaram. Fiz "O Meu Mestre Imaginário" para não ter mais que responder a essa pergunta. Já estou quase com 80 anos, uma idade até vergonhosa de dizer, e em uma fase em que já selecionei meus autores. Leva-se a vida inteira selecionando os livros que se deve ler quando se está aposentado. Agora sei os livros que devo ler. E não tenho medo de clássicos. Os clássicos são necessários.
- E o que seria o clássico?
É aquele que, mesmo sem querer, inova. Alguém disse algum dia que ler Homero é chato. Mas a chatice não é uma qualidade literária para ser julgada.
- A erudição é necessária ao escritor?
A erudição é acidental, embora seja uma coisa que se busque. Quando o autor está começando a escrever, não pode pensar em ninguém. Nem em outros autores nem em seu público, porque sequer consegue saber quem é seu público. O escritor é aquele solitário. Eu não sei qual é meu leitor e não me submeto à posição de procurá-lo. É por isso que vejo com certo escândalo o que está acontecendo no Brasil: pessoas jovens que se iniciam na literatura e querem logo vender livro. Têm vocação de best-seller. São fabricantes de livro, e o livro que você vê não resultou de nenhum esforço maior, não correu nenhum sangue por ele. Isso não é ser escritor. Vender livro é um acidente na vida de um escritor.
- O senhor diz que o escritor é um solitário, e é impossível não pensar em seus personagens, que são também solitários, tomados de medo e angústia.
Meus personagens se parecem muito comigo. Eu os conheço muito bem e sofro a angústia que eles sofrem. Não tenho nenhum prazer em escrever. Depois de pronta a obra, aí me dá uma certa satisfação, mas a mesma que dá quando se descarrega dos ombros um fardo pesado.
- Se não dá prazer, então por que escrever?
É também uma fatalidade. Você é destinado à literatura, e não a literatura a você. Escrever é uma imitação. A gente escreve feito um menino que vê o livro como um brinquedo e pensa "ah, eu quero um". Quando eu li pela primeira vez "Dom Casmurro", eu disse "puxa, eu quero o meu". Daí a necessidade que se tem de ler. Quando estou para escrever, gosto muito de ler um poema, Drummond, João Cabral. Não é o poema que eu vou fazer, mas acho que me prepara.
- E que expectativa o senhor tem em relação à sua obra? Que inove sem que queira inovar?
É exatamente isso. Não é propriamente um propósito, mas a idéia é transportar uma chama, que passa para outro e para outro. É um encadeamento de autores, de autores de uma mesma família literária. Mas eu vivi recentemente a experiência de reler minha própria obra, e me deu uma coisa quase como uma náusea. Me dá uma náusea pensar nessas perguntas todas. O que se deve procurar é escrever bem. E selecionar os poucos autores que se deve ler, que são os que aperfeiçoam o trato da linguagem. Porque literatura é linguagem carregada de sentido.
- Os escritores são carapinas do nada?
São carapinas do nada. Você citou aí um conto meu de que gosto muito: "Os Mínimos Carapinas do Nada". São os velhos que ficavam na janela de casa, esculpindo, tirando pequenas aparas de madeira, fazendo caracóis. Procurando o nada. Escreve-se para chegar ao nada. O enredo, por exemplo, é uma das coisas menos importantes no romance. É o artifício que o autor usa para prender o leitor, para engabelá-lo enquanto bate sua carteira.
- E o que rouba?
A emoção dele, sentir que ele está preso ao livro, que você o tem pela mão. E não que ele esteja com você na mão.
- Escrever, então, é artifício, e não inspiração?
Há na palavra inspiração uma certa traição. Eu prefiro "idéia súbita". Quando me vem uma idéia súbita, eu a cultivo até encontrar a forma do romance.
- E sobre a possível morte do romance, que, depois das vanguardas, tanto se vaticina?
Quando o Fernando Sabino foi passar uma temporada na Europa, ele voltou e me disse: "Você está perdendo seu tempo. O romance morreu". Eu disse: "Ô, Fernando, você está me dando uma notícia tristíssima. Porque eu acabei de deixar um romance na editora. Justo hoje você vem me comunicar a morte de um parente meu?". Não morreu. O europeu é que é muito preocupado com essas coisas.
- E não vai morrer?
Se vai morrer, eu não posso dizer, porque quem pode morrer antes sou eu.
- No momento, o senhor está escrevendo alguma coisa?
Estou preparando um livro, mas nunca mostro antes de estar pronto. Mas estou escrevendo com muita dificuldade porque estou muito preocupado com aquilo que é permanente na literatura. Que é o valor literário, sobretudo os valores formais. É um peso que aumenta com o passar do tempo. O peso de já ter escrito.
x.x.x
SANTOS, Leonor da Costa. Autran Dourado em romance puxa romance ou a ficção recorrente. Rio de Janeiro: UFRJ, Fac. de Letras, 2008. 213 fl. Tese de Doutorado em Letras Vernáculas (Literatura Brasileira).
ENTREVISTAS COM O AUTOR – Autran Dourado
Data: 19 de julho de 2006.
Local: casa do escritor, Botafogo, Rio de Janeiro às 16:00 horas.
O risco dramático na narrativa de Autran
Primeira entrevista
- Quais as suas experiências, o seu relacionamento com o teatro grego trágico? Que peso tem esse conhecimento na sua obra?
O meu conhecimento foi bastante, vamos dizer, é bom. Porque eu tenho a maior admiração e acho que, no meu trabalho, é essencial. Eu fiz muito com a estrutura barroca, que era uma outra característica mineira, não é? O estilo barroco. Eu, então, estou sempre lendo os gregos, tenho até a coleção de todos os clássicos.
- De tal maneira que o senhor acha que houve uma influência decisiva em sua obra?
Acho. Foi decisivo na minha vida. Foi fundamental.
- Que aproveitamento tem a ópera como uma forma de teatro em sua narrativa? O que ela significa na composição do seu romance?
Ópera do ponto de vista de...O que é que você tinha falado primeiro? Tem o maior aproveitamento possível, sobretudo porque eu parto do princípio que é o esteio para o estilo barroco mineiro. A ópera para o barroco é uma representação íntima. Vamos dizer assim... Como você vê, por exemplo, em Minas, em Ouro Preto, o teatro é chamado Casa da Ópera. E como eu não pretendo seguir, eu digo, me inspirar. A ópera.... Mas eu não sou fanático por ópera. Eu raramente vou ao Municipal.
- O que não significa que seria um gosto pessoal.
Não pessoal, é mais intelectual. Mais da cabeça.
- Ópera dos Fantoches representaria reescrever um romance numa outra estrutura narrativa? O que distinguiria Ópera dos fantoches de Tempo de amar?
A releitura, por coincidência, foi feita no ano que eu completava cinqüenta anos, trinta anos atrás. Nessa releitura, eu resolvi me apropriar, entre aspas, do Tempo de amar.
- Por que isso?
Porque foi o meu primeiro romance. Mas eu só pego, a minha versão de Ópera dos fantoches, é em virtude de que eu resolvi reescrever Tempo de amar como...
- Uma narrativa mais madura
Eu resolvi aproveitar como técnica literária, em Ópera dos fantoches, o chamado monólogo interior. Eu sempre fui preocupado com duas técnicas de escrever, de narrar: uma é o monólogo interior e a outra o fluxo da consciência, em que as coisas são ditas e escritas, de uma maneira muito informal, como se fosse um sonho.
- Tipo um monólogo narrado aonde o personagem vai ele, por si só, tomando conta da narrativa, conduzindo-a, quase que apagando a figura do narrador?
Eu dou o formato de ópera. Ponho uma epígrafe. (“AUTOR - ...y pues que ya tengo todo el aparato junto, venid, mortales, venida adornaros cada uno para que representeis em el gran teatro del mundo!” El gran teatro del mundo, Calderón de la Barca.”) Cada personagem eu ponho dentro dele um monólogo.
- Aos capítulos também você dá o nome de cena, como no teatro. Isso significaria que Tempo de Amar não ficou a seu gosto?
Não! Ficou. Mas como foi meu primeiro romance, tenho uma visão crítica desse livro. Por isso é que eu resolvi reescrever o livro, mas a história é a mesma. Mas eu parto do princípio que a história é um dos recursos que o escritor usa quando quer distrair o leitor para lhe bater a carteira.
- Seria de fato o que menos conta o enredo?
O enredo é uma certa armação...
- Para construir uma narrativa.
Perfeito.
- E Ópera dos Mortos? Está ligada a uma tradição barroca?
Não. Era só ...É um livro bastante moderno.
- Sob que aspecto Ópera dos Mortos é moderno?
É moderno no sentido de que... Alguns dos... Recentemente, um professor de literatura, que tem até um livro, uma gramática boa de Filologia, ele explicou qual o sentido da obra. Eu expus a ele no Brasil, pouquíssimos escritores conhecem essa técnica. Sobretudo a técnica do stream, o fluxo da consciência. A narrativa feita à base de associação de idéias, que é o que caracteriza o stream, o fluxo da consciência. E o monólogo interior é a visão da ópera como se fosse uma ópera barroca.
- Essa seria a sua visão crítica sobre a Ópera dos mortos?
Eles confundem os narradores, confundem o monólogo interior com solilóquio. Confundem até com outras técnicas já tradicionais na literatura brasileira. Enquanto que o monólogo interior foi uma criação de Dujardin. Edouard Dujardin, que era um escritor francês que influenciou muito Joyce. É mais a influência... Eu sou um leitor de Joyce, mas nunca pelas extravagâncias do Dujardin. Ele ficou mais como uma raridade, o monólogo interior. Dujardin usa o monólogo simples. Ele, Dujardin, chegou a dizer, eu tenho um livro aí, que diz que o monólogo interior só fica bem na primeira pessoa. O que é um engano dele. Eu fiz muitas das falas em terceira pessoa.
- E ficou muito bom!
Ficou? Eu acho que ficou bom.
- E dá um resultado também tão bom como de primeira pessoa
Tem vários elementos que eu uso em Ópera dos Mortos para caracterizar a ligação possível e arbitrária, minha, da ópera barroca. Eu coloco, por exemplo, a epígrafe que é uma fala do teatro grego. Epígrafe que é a forma do teatro grego [“O deus de quem é o oráculo de Delfos não diz nem oculta nada: significa”. Heráclito] Como é função do monólogo grego.
- Que uso você faz do coro (típico do teatro grego) em alguns de seus romances? Ele aparece em Opera dos mortos, ele aparece em Sinos da agonia. Lá você fala em Tirésias.
Sinos da agonia é um livro muito barroco. Sinos da agonia é um livro que tem toda a consciência do personagem principal. É um livro em que eu adoto toda a história de Minas com uma forma particular, minha, como me apropriasse do contexto ali.
- Como você conseguiu trabalhar tão bem essa narrativa perspectivada, dando a cada personagem a possibilidade de recontar a história de sua forma?
Isso entrou, como nós vimos, já se falou em o Joyce, um dos maiores autores a usar o monólogo interior. Foi ele é que foi o principal autor a tentar esse aspecto pessoal da narrativa “desfazendo-se” através de monólogos interiores. O Valéry também adotou muito o monólogo interior.
-Teria sido em Sinos da agonia onde você melhor colocou isso? A técnica em evidência?
Sim, eu parto do princípio... Eu sou um leitor bastante assíduo dos livros de história de Minas. Então, eu tinha sempre uma preocupação em dois aspectos da arte barroca. Mas eu ...toda a técnica de Guimarães Rosa, por exemplo, eu não me aproximo dela, é uma obra bastante pessoal.
- Qual o porquê dessa recorrência de personagens e situações em sua obra? Que sentido tem isso?
Foi crescendo em mim. Porque eu preciso sempre de um extrato barroco. Mas o barroco literário meu, que eu uso em meus livros é um barroco deformado por mim. E não o barroco estilo de época. Eu conheço uma coisa...Meu genro providenciou para mim. Eu estava muito interessado no tema da música barroca, que é bastante diferente do teatro grego. Diferente, mas o conhecimento da ópera, o conhecimento veio do barroco. É um conhecimento mais moderno, do barroco como estilo de época. Como curiosidade, sobre os Sinos da agonia... Havia durante a colonização uma coisa que dizia o seguinte: Se matou uma pessoa... Morte em efígie. Apanha, pega um boneco, ou coisa que o valha, coloca em praça pública. Esse aqui é fulano de tal.
- Você falou que esta foi a mola que te levou...
Um detalhe, esse livro foi um livro muito combatido por alguns autores
- Sob que argumento? É um livro primoroso. A decadência do ouro. Minas ali tão... É claro que não é um romance histórico. É um passeio pela história do Brasil
É.. você colocou muito
- Casamentos direcionados...
Você colocou muito bem. Meus parabéns!
- Eu tenho um roteiro de entrevista feita pelo José Carlos Sussekind ao Oscar Niemeyer. Como eu pensei que, um dia, viria aqui, guardei essas perguntas para fazê-las a você e conhecer um pouco mais da sua pessoa. Lá vai!
- Para você qual seria o cúmulo da miséria?
Eu acho que seria a alma maldosa. O máximo da miséria moral.
- Onde o senhor gostaria de viver?
Eu gostaria de viver onde estou vivendo, no Rio de Janeiro. Porque eu não me sinto deslocado. Em Minas, Belo Horizonte, uma cidade construída, assim como Brasília. Eu não me sinto à vontade lá. Gosto de Belo Horizonte mas eu não botei, só botei um pedaço de uma narrativa minha que se passa em Belo Horizonte.
- Se lembra qual é?
Não.
- Provavelmente as memórias de João da Fonseca Ribeiro – O artista aprendiz
A cidade minha de adoção, que eu sou do triângulo mineiro, norte de Minas, mas fui educado e adotei a cidade de Monte Santo, que era no sul, para a qual meu pai, que era juiz de Direito foi transferido. E aquelas histórias todas da minha infância são baseadas na minha experiência, no tratamento da narrativa. Eu gostaria e vim a realizar que esta cidade do interior mineiro, eu não posso já não tem mais vivência. Ao passo que o Rio de Janeiro, hoje, pensando bem, comparando com os meus tempos de Belo Horizonte etc, foi o lugar onde eu mais tempo vivi. Hoje, embora seja uma bobagem dizer, eu sou bastante carioca.
- Mais carioca do que mineiro.
Que os mineiros não me ouçam. Eu não conheço o Rio de Janeiro. A maior parte do tempo vou do meu trabalho aqui para casa. A zona norte, se eu fui uma vez fui muito. Para mostrar que de tal maneira eu sou estranho ao Rio, é que eu estou escrevendo um livro de contos, histórias que se passam no Rio de Janeiro. É tão estranho que você vai pensar. Você vai ficar abismada de saber.
- Que Rio é esse?
Que Rio é esse onde o autor não conhece, nunca foi a uma boate?
- É um Rio diferente
Da classe média, da classe que vai à boate.
- E as praias o senhor chegou a freqüentar?
Não, muito pouco. Quando os meninos eram pequenos.
- Qual é o seu ideal de felicidade?
Ser feliz é muito difícil. Eu acho que... E só essa pergunta? Você é feliz? É uma pergunta muito direta. Eu não posso... Eu sou feliz, no sentido, por exemplo, literário. Eu sou feliz ao fazer, escrever a narrativa. Mas logo após a escrita da narrativa eu sou muito ligado... Na hora de escrever o autor sofre muito. Escreve com muita facilidade, não! Ele escreve com muita dificuldade. Para se escrever é muito difícil. Quando estiver escrevendo bem, dá uma parada, porque alguma coisa está acontecendo de errado. Mas escrever é muito difícil para o escritor. Já quem escreve rápido é o orador.
- Sim, aquele homem que gosta de falar em público. Quer dizer é difícil analisar... se é realmente no momento em que se escreve.
No momento em que se escreve é infeliz. Porque é difícil.
- Sofre, sente aquilo?
Sofre. Sofre, eu não tenho prazer, nenhum prazer em escrever.
- É imperiosa a escrita?
É imperiosa a escrita.
- Há como abafá-la?
É necessário que ela... Agora, você deve ter reparado que eu tenho...é que os autores são diferentes... Atente para o princípio: a minha narrativa, por exemplo, não há duas iguais. Um romance diferente do outro. O outro escrito de uma outra maneira. Escrever não há um estilo... Escrever é uma maneira que encontra o autor de reduzir à escrita toda a sua angústia. (Fiquei pensando a esse propósito, quando eu relia em Ópera dos mortos o momento em que Rosalina ia ter a criança. Também em Sinos da agonia o momento em que Januário tenta entrar na cidade. E ainda em Ópera dos Fantoches o momento em que Paula deixa a cidade, sozinha na estação, sem Ismael. Todas essas agonias me levaram a pensar: como esse homem sofreu para escrever tudo isso!) O autor está escondido para não ser visto.
- Qual seria a melhor qualidade no homem?
Para mim seria algo ligado à fala.
- Poderia dizer um pouquinho mais sobre isso?
A fala humana em geral. Todo sofrimento que as pessoas usam, para dar fala à sua angústia. Essa capacidade de driblar a angústia pela fala.
- E qual a qualidade da mulher? (Um casamento longo, uma trajetória de vida)
Na mulher, eu acho que seria a paciência. (risos)
- Isso é para dona Lúcia?
Brincadeira, se não ela vai ficar aborrecida comigo.
- Qual é a sua ocupação preferida?
A minha ocupação preferida...
- Leitura? Escrever ainda? Música?
Não, eu gosto de escrever. Eu sou um ser literário por excelência. Agora tenho lido desesperadamente. Porque eu... Agora eu acabei... Vou entregar... Na semana que vem eu entrego o meu último livro.
- Já está batizado?
Já está batizado.
- A gente pode saber o nome?
Amor de madureza. Não...não... O senhor das horas. É o título desse conjunto de narrativas.
- Curtas?
Nem tanto.
- Quantas reunidas?
Seis.
- E o nome é...
O senhor das horas.
- São todas novas?
São todas novas.
- Que beleza! Escritas recentemente? Quer dizer que o senhor continua produzindo?
Recentemente é o modo de dizer. Porque se leva muito tempo para escrever um livro. O conto menos porque é mais fácil. Mas o romance, não.
- Qual foi o romance seu que lhe tomou mais tempo?
Mais tempo foi Os Sinos da agonia.
- Inclusive, eu me lembro, li não sei onde que você usou um dicionário... fez uma pesquisa séria.
Foi de tal maneira... Eu para escrever esse livro... Eu gosto muito, sou muito leitor de dicionário. Só agora que com o computador eu não preciso estar no dicionário, é uma das formas de expressão.
- Esse que então lhe demandou mais tempo, Os sinos da agonia?
Mais sendo porque... eu usei até uma das extravagâncias desse livro. Foi escrever esse livro só com o auxílio do Moraes, Dicionário do Moraes, de 1813.
- Foi então uma epopéia.
Foi então o que demorou mais tempo. E é o maior.
- Lembra, mais tempo é o quê? Sabe precisar?
Não eu não posso...
(Uns dois anos. – dona Lúcia, intervém.)
Sinos da Agonia foram três anos escrevendo. Boa parte em Petrópolis. Nessa época eu passava o mês lá.
- Por falar em Petrópolis, que influência tem essa cidade na vida da família? Me parece que passam lá todos os fins de semana. É assim? Se sentem mais acolhidos?
Todos os fins de semana nós passamos em Petrópolis. Eu gosto muito de Petrópolis. É uma cidade muito bonitinha.
- E o frio não assusta?
Assusta demais da conta!
(A família não vai mais. A família ia. – corrige da. Lúcia)
- Mas agora o casal vai.
Os garotos ficaram grandes e agora não querem saber de lá.
- Quantos filhos são?
Quatro.
- Família grande.
Eu já sou bisavô.
- Que idade tem o bisneto?
Seis.
- Seis anos. Já é bisavô há seis anos. Qual o futuro do Brasil? A gente tem visto aí a política, o poder. Você esteve tão pertinho do poder, junto com o Juscelino, nos bastidores.
Aquele livro todo (apontando para Gaiola Aberta) é feito com um propósito: discutir o papel do escritor no poder, e o que sofre o escritor no poder. Pode trazer benefícios para ele de ordem pessoal, mas ele sofre muito. É uma luta tremenda com o poder.
-Faço uma idéia...
Eh...
- Vamos então, daqui a pouco a gente retoma os tempos JK. Como é que você vê hoje? Como você vê o Brasil hoje?
Eu olho com muito pessimismo. Não está nada bonito o Brasil.
- O que é que lhe incomoda mais?
Me incomoda mais a violência.
- E essa violência vem de onde? É resultado de quê?
Todo mundo é responsável. O presidente da república é responsável pela violência. O governador do estado é responsável pela violência.
- Nós somos responsáveis?
Somos.
- De que maneira?
De que maneira? Fugindo da nossa responsabilidade. Eu quase não saio mais de carro para ir... de carro.
- Não se expõe?
Não me exponho. De medo. Infelizmente... é o medo.
- Medo que nos trancou em casa?
O que está acontecendo em São Paulo é um absurdo! É quase um sinal de guerra civil. Guerra em que se mata à vontade.
- Então você vê o futuro com muito pessimismo?
Eu vejo com muito pessimismo. A não ser que haja uma mudança.
- E você percebe alguma coisa caminhando do nesse sentido? Ainda é possível mudar?
É possível.
- O que é que falta para mudar?
Falta ânimo. Há um certo cansaço do povo. Nós estamos com um presidente da república que se confessa, tem prazer de confessar que ele é ignorante. Então não posso realmente aceitar. Ele é culpado também, está aí, podia usar o exército, ou qualquer coisa que o valha, uma maneira de barrar essa quase guerra civil em São Paulo. O Rio também não está fácil!
- Como é que você vê essa trajetória de um metalúrgico que vai de alguma forma e chega até lá.?
Eu encaro isso de uma maneira assim. Ele é uma experiência. É um orador, não. Tem a mania de falar. Ele fala muito e diz muita besteira. Claudica em toda concordância tremendamente. Já não digo da regência, que seria exigir muito. Agora vamos mudar de falar em política.
- Sim, já mudamos. O que ainda sonha fazer?
Eu sou grato ao que já fiz. Eu não sei ainda mais quanto tempo mais eu ainda vou ter de vida. Estou com oitenta anos. Mas eu levo para escrever um livro uma média de dois anos. Eu calculo assim ... Eu sou muito medido. Eu espero que eu consiga mais quatro anos. Só peço mais quatro anos. Depois de quatro anos eu já fico satisfeito.
- Uma bobagem. Qual a sua cor predileta?
Minha cor predileta é o verde.
- Pela esperança?
É, pela esperança.
- Qual a fruta de sua preferência? Como mineiro lá dos quintais de Minas.
Minha fruta predileta, a preferida é a banana. (risos)
(Agora o bate bola. Um pingue-pongue).
- Um livro. Seu e de outro.
Um livro pelo qual eu tenho grande admiração, mas que se distancia de mim enormemente é o Grande Sertão: veredas, do Guimarães Rosa. É um escritor brasileiro que eu gosto muito.
- E um livro seu? Se passasse um tufão que livro você seguraria?
Eu esqueci de falar com você que você está citando grandes livros meus, grandes romances.
- Mas eu li todos
O que mais falou. O que mais sai, o que os colégios têm adotado É um livrinho pequenininho: Uma vida em segredo. É um livro que me toca muito. É uma novela. É um livro pequeno.
- Alguma afinidade com a Biela?
Há afinidade muito grande. Ela é um ser muito complicado. O que se passa com ela é quase... Ela é incapaz de resolver certas coisas. Também tem um livro que eu lembrei agora. Que um crítico brasileiro disse que eu ao escrever Uma poética de romance, ele não leu, com certeza. Escreveu: “Autran Dourado está, vamos dizer assim, fabricando uma receita de um romance qualquer, um romance com bula”.
- Um autor. Sem ser o Guimarães Rosa que você já citou pelo Grande sertão.
Eu prefiro. Fui amigo dela, a Clarice Lispector.
- Chegou a conviver com ela?
Ela costumava vir aqui em casa para passar o resto da tarde. Vinha, fazia o lanche comigo, e conversava.
- E pessoalmente, que tal ela?
Era uma mulher estranhíssima. Era muito sofrida embora parecesse o contrário. Era de uma extraordinária beleza, a Clarice. Era uma mulher...uma das mais bonitas que eu conheci. Olhos acidentados. Era muito estranha. Eu, por extravagância, peguei a mão dela e disse: “Me dá a sua mão que eu vou ler para você.” Ela ficou muito curiosa achando que eu ia ler... (risos)
.
- Um personagem. Escolha um personagem. Nesse universo enorme de
personagens. Mas se passasse um tufão...
Tem tantos personagens. Eu fugiria do tufão.
- Ah... fugiria? Não há nenhuma em especial? Nesse universo, dê três?
A Rosalina, por exemplo, é um personagem que me fascina. Aquele sofrimento dela. E a maneira de ser dela...Como ela tenta acabar com a solidão através do Juca Passarinho. A Rosalina é a personagem mais sofrida que eu conheço.
- O melhor dia. Me fale de um melhor dia
O dia em que eu fiquei conhecendo o Godofredo Rangel. Porque eu era um rapazinho de dezessete anos. Tinha um livro de contos. É mais ou menos isso: eu aprendi a escrever assim, como um filho. No dia em que eu fui à casa dele. Hoje não me diz nada o Godofredo. É um autor que ninguém mais fala.
- Me perdoe a ignorância, mas ele chegou a ter projeção na época?
Não, não chegou a ter projeção. Mas para mim, eu tinha chegado a Belo Horizonte, e tal, depois, ele era o escritor que eu mais admirava.
- Ele escrevia prosa?
Ele escrevia prosa. Um dos livros dele é Vida ociosa. E Os bem casados também. Ele me deu uma série de conselhos, no começo.
O pior dia. Um momento de aperto. Uma situação.
É muito difícil dizer isso. Te responder, muito difícil.
- Coisa negativa?
Eh...Coisa negativa.
(Com oitenta anos ele teve vários dias ruins – apontou dona Lúcia)
Não. O período da vida que eu passei sofrendo muito, por causa da contradição pessoal. Foi o período do Juscelino. Exatamente pelo problema do escritor. Nada pessoalmente contra o Juscelino. Eu tenho a maior admiração por ele. Mas foi um período em que deixei de escrever, de tal maneira que... Eu tenho de escrever bastante. Apesar do Juscelino.... Esse livro, Gaiola aberta, muitos da família do Juscelino e alguns juscelinistas ficaram irritados. Ficam irritados porque muitos brasileiros tratam o Juscelino não como um homem, mas como um mito, uma criação. Ele, o Juscelino, está destituído de qualquer... Está sempre tratado como um mito. Um mito que eu mesmo ajudei a formar. É muita bobagem do autor que assessora o presidente achar que ele pode mudar o objeto. Não pode. Ele está cerceado. Certas coisas ele não pode fazer.
- Uma boa idéia.
Cada livro tem uma história. Cada um tem a sua maneira, o seu estilo. Aquilo que eu falei a você: muita diversidade de estilo. Nenhum livro é parecido com o outro. A não ser Ópera dos fantoches que foi uma reescritura de Tempo de Amar.
- A melhor lembrança.
Não posso te dizer qual a melhor lembrança.
- Alguma, dentre várias. Da vida de menino. Que tal os tempos de Belo Horizonte? Foram agradáveis?
Foram agradáveis, mas não tinha muita diversão.
- Mas você era de se divertir?
Não, não era muito. Em geral sempre fui muito fechado. Embora na aparência eu possa parecer o que não sou. Sou muito trancado.
- O ditado mais sábio (nem que para o dia de hoje!) Mostra para mim, junto com o Donga Novaes.
Donga Novaes é um dos meus personagens.
- Você disse que quando o compôs, dos cento e cinqüenta provérbios, cinqüenta eram seus,)
Inventados.
- Qual seria um provérbio para encerrar a entrevista?
Não pode, não poder fazer hoje o que não pode ser feito amanhã. (Não poder fazer hoje o que...) Deixar sempre para dia seguinte. Amanhã eu faço. É uma maneira que eu tenho de escapulir. (Risos)
Segunda entrevista
Data: 08 de janeiro de 2008.
Local: casa do escritor, Botafogo, Rio de Janeiro às 16:00 horas.
Já no final deste estudo, resolvi entrevistar novamente Autran Dourado. Apesar do trabalho estar praticamente concluído, precisava do seu “aval” para os novos rumos que a pesquisa tinha tomado. Quando o entrevistei em julho de 2007, pensava em investigar o traço dramático de sua narrativa. Depois acabei enveredando pela recorrência contumaz de seus escritos, e tentei fazer desse traço, então, minha tese. Foi uma conversa muito agradável que, a seguir, reproduzo:
- Qual a sua narrativa mais primorosa?
A que mais gosto, mais me toca é Uma vida em segredo. Nasceu de uma situação vivida por mim. Eu ficava sentado numa canastra e minha avó me contava histórias.
- Em Matéria de carpintaria, você coloca isso: que da canastra de sua avó germinou a idéia que deu início a Uma vida em segredo. É real, então?
Sim, isso é real..È uma narrativa muito delicada, mas não é uma obra de porte, como, por exemplo, Sinos da agonia.
- O que levou você a estender, de alguma forma, Ópera do mortos, que num salto de personagens gera duas outras narrativas: Lucas Procópio e Um cavalheiro de antigamente?
Justamente a força do personagem. É ele que manda na gente e não o contrário, como pode parecer.
- Um de seus traços é a escrita em blocos, vide o trabalho tão interessante de O risco do bordado. Como surgiu a idéia de escrever dessa forma?
Surgiu naturalmente. Comecei a escrever, fiz um capítulo e quis ir adiante, mas pensei: não quero uma história linear. Daí parti para a montagem em blocos, exatamente como uma construção... (sem o alinhavo muito claro do enredo...)
- O que é que você falou?
Alinhavo
-Gostei do termo. Isso mesmo! Tenho percebido, em sua narrativa, o uso freqüente de um termo ligado à costura. O termo é “risco” e sempre relacionado a bordado, que além de título de livro, epígrafe de um outro, é citado com muita freqüência em O senhor das horas. O que sugere esse risco a você?
É uma metáfora, o risco serve para a gente não se perder. Na construção da narrativa em blocos se não houver esse planejamento, posso me perder. A gente tem que ir deixando rastro, senão não se acha mais o fio da meada.
-O risco do bordado para você corresponde a um rascunho?
Sim, primeiro faz-se o risco, depois se borda por cima dele. Gosto de lembrar que conforme dispõe o ditado popular “Deus é que sabe por inteiro o risco do bordado”.
- Eu já lhe perguntei, mas gostaria de perguntar de novo. O que havia em Tempo de amar para que você, depois de tanto tempo, voltasse a ele?
O que havia era um escritor mais maduro que poderia melhorar aquela narrativa primeira. Sabia lidar com técnicas mais apuradas de narrar e então me dispus a reescrevêlo. Não ficou melhor?
- Sim, deu uma boa melhorada. O que não despreza o valor do primeiro romance, já que você era um jovem escritor, ainda um estreante. Agora, uma mera curiosidade, como se situava um jovem escritor, numa família mineira que à época (1942) pretendia vê-lo advogando? Como era a sua relação com os seus pares, os jovens da sua faixa?
Pensei em cursar Filosofia ou Letras, mas o meu pai, que era quem pagava os meus estudos, disse que só continuaria pagando se eu estudasse Direito. Não tive outra alternativa, se não acatar a vontade dele.
- Como foi para a sua família quando você apareceu com sua primeira novela?
Meu pai não deu a mínima importância. Minha mãe que reparou em mim algo promissor. Daí a importância de Godofredo Rangel, que foi em quem me inspirei para começar.
- Como era a sua relação com os seus pares, os jovens da sua faixa? Você era muito diferente?
Sim, eu vivia muito isolado. Meus primos vinham a minha casa, mas eu não estava interessado nas coisas em que eles estavam. Desde cedo vivi muito sozinho.
-Estudei A serviço del-Rei e fiz um paralelo com Gaiola aberta.
Muito bem! São muito próximos. Quando escrevi Gaiola aberta pretendia contar o período em que trabalhei como assessor de imprensa do Juscelino. Já A serviço del-Rei é a mesma experiência vivida por João da Fonseca Nogueira também assessor de político. Aparece influenciando e sendo influenciado. Apesar de em Gaiola aberta a repercussão ter sido maior, já em A serviço del-Rei alguns juscelinistas se doeram com a publicação.
- Por falar em A serviço del-Rei, por que você entremeou esse romance com a Teogonia, de Hesíodo?
Não sei.
- Não se lembra?
Não.
- Qual será a relação entre a escalada do poder e o nascimento do cosmos?
Não sei. Hoje não me lembro mais. Ali o destaque fica com as epígrafes: todas são relacionadas com o poder. De Shakespeare a Bandeira, passando pelas cartas de Vieira.
[Neste momento levantei-me para pegar meu exemplar e juntos, apreciarmos as epígrafes. Quando abri o livro o escritor soltou uma gostosa gargalhada. Minhas anotações (quase frenéticas) deram a esse momento um tom muito bem humorado.
Eu não escrevo mais nada. Nem um mero algarismo. Eu sofro muito com isso. Cheguei mesmo a praticar taquigrafia, quando jovem.
- É uma punição inominável, não?
É uma punição. Faço tratamento com o neurologista, mas ele não me dá muita esperança. Isso me abate.
- Mas são as perdas da velhice, não é mesmo? Quando da publicação de O senhor das horas, saiu uma matéria no caderno de literatura de O Globo, frisando, na sua fala as perdas que o tempo traz. E ainda há gente que diz que tudo se renova... Que vem outras coisas...
Os meus oitenta anos foram muitos comemorados. Um rapaz da Folha de São Paulo me ligou dizendo que queria fazer uma entrevista comigo. Pelo telefone mesmo. Desagradável. Ele me perguntou: “Autran Dourado, como é fazer oitenta anos?” Eu disse: Dói pra burro! Não vou dizer que tá bom, não. (risos)
- Acredito que só não possa ser pior do que quem já se foi.)
Ah... É mesmo.
- Quem já foi aos sessenta, aos cinqüenta. Quero mostrar-lhe os pares que fiz de suas obras para você avaliar se são pertinentes, está bom? Meu primeiro par foi Tempo de amar e Ópera dos fantoches. Eu disse que aqui a ficção vem à própria origem beber nas suas águas. O segundo par casei Um artista aprendiz com Meu mestre imaginário.
Você fez um bom casamento. Como é que você percebeu a afinidade entre os dois?
- Muitas madrugadas de estudo...
Isso não é consciente, essa ligação entre as obras. Pelo menos não pretende ser consciente.
- Achei que ficava bem o casamento do mestre com o aprendiz. Aqui está um outro assunto que me interessa conversar contigo. Tomando o par Uma poética do romance: matéria de carpintaria e Breve manual de estilo e romance. Eu pergunto o seguinte: Acho que é um traço obsessivo, no bom sentido do termo, essa sua reiteração constante de poética. /Estou certa?
R.: Há uma obsessão mesmo, pela poética.
- Você é um ficcionista, que volta e meia interrompe a ficção, para mostrar como é que se constrói o texto literário. (O escritor folheou o pequeno manual com ternura e disse):
Ficou um guia muito singelo. Não saiu quase, saiu? (Pouco, não é? Esses livros das editoras universitárias costumam circular mais nos meios acadêmicos.) Um âmbito restrito. (Interessa diretamente ao público acadêmico, que é quem vai pesquisar como se escreve, como não se escreve. O leitor comum está interessado em ficção porque quer se anestesiar.) Gosto muito das suas metáforas. Das suas metáforas e das do Lula. (Risos)
- Bom... o próximo par [enquanto falava resolvi mostrar os romances]
Estou impressionado com a sua acuidade para perceber a minha obra. Você acompanha tudo.
- Finalmente tem-se Ópera dos mortos como base de onde surgem dois romances Lucas Procópio e Um cavalheiro de antigamente. Aqui não se trata de um par como os outros, mas eu usei o matricial (Ópera dos mortos)...
E é mesmo a matriz.
- Particularmente, desses dois, Lucas Procópio e Um cavalheiro de antigamente, particularmente achei Lucas uma narrativa mais sedutora, esse aqui (Um cavalheiro de antigamente) não tanto. Embora eu também tenha gostado porque eu sou uma...)
Só ter tido uma leitora como você valeu a pena... (risos)
- Eu quero saber. O que você me diz desses dois romances?)
Ah...É difícil...
- Fala dos personagens. Eu fiquei imaginando construir uma narrativa sobre um destrambelhado como o Lucas deve ser mais interessante do que sobre um cara todo certinho como o João Capistrano.
Ah... o Lucas é muito mais interessante que o próprio filho, o Capistrano.
- Por fim chegamos ao O senhor das horas, que li recentemente e que, embora não faça parte diretamente do meu trabalho, aponta fortemente para o tema da recorrência na sua narrativa.
Eu gostei muito da ilustração da capa. Mostra um relógio sem ponteiros.
(Em Ópera dos mortos os ponteiros param quando morrem alguém)
- Interessante que você retoma a história dizendo que o relógio que aqui aparece é o do espólio de João Capistrano. Então um daqueles do sobrado de Ópera dos mortos. Outra recorrência sua aqui ocorre quando você retoma o chevrolet de vovô Tomé, lá de O risco do bordado, de Um artista aprendiz. Fica clara essa sua característica de vir atrás e buscar, no passado, alguma coisa. Aqui também o forte é o tempo, o tempo interior. (Você fala muito que a única coisa que vale mesmo é o tempo interior. Como os nossos tempos são realmente muito diferentes uns dos outros. Valeu a pena, não é?
Assim terminou a entrevista, numa mensagem otimista, apesar das perdas de que falamos, do relógio que já se mostra sem ponteiros, e das diferenças do tempo interior. Enquanto desligava o gravador dei uma passada d’olhos na sua biblioteca, nesse momento vendo alguns livros de poesia, espichei a conversa um pouco mais.
-Vamos falar um pouco de poesia. Você falou que antes de começar a escrever é bom ler um pouco de poesia. É isso mesmo?
É bom. Antes de mergulhar no texto. Mas eu não sou poeta. Fiz pouca coisa e vi logo que não tinha habilidade para isso.
- Qual é o seu poeta preferido?
Drummond e João Cabral. João Cabral eu me dava com ele.
- Qual a grandeza da poesia de Drummond?
A novidade.
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