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Como escreve?
Érico Veríssimo

"Quando o consciente percebe (o consciente às vezes é meio lerdo em matéria de percepção de coisas sutis) que está correndo o risco de “copiar” uma pessoa da vida real, ele trata de ‘despistar’ e usar apenas em parte – ou recuar totalmente – as informações do inconsciente. Um verdadeiro romancista não fotografa, quero dizer, não retrata conscientemente as pessoas que conheceu. Mesmo que queira fazer isso, verá que não é de todo possível. Muitas vezes fiz planos para um personagem meu, e lá de repente ele começou a dizer e fazer coisas que não estavam previstas. Isso era um sinal de que tinha vida própria, estava vivo. O remédio sensato foi deixá-lo livre. Isso aconteceu com Rodrigo Cambará, Ana Terra, Bibiana, Bio e dezenas de outros personagens. Dou um exemplo específico. Em 1954, no saguão de um hotel na cidade de Caracas, onde me encontrava tomando parte de uma reunião interamericana de Ministros de Educação da OEA, vi sair de um elevador um homem de meia-idade, tipo indiático, metido em roupas evidentemente novas, compradas para a ocasião, e com um chapéu gelot na cabeça. Achei o tipo curioso (um bugre diplomata, pensei) e ‘esqueci’ a imagem e o momento. Ora, quem esqueceu foi o consciente. O inconsciente registrou tudo isso. E nove anos mais tarde, no Brasil, estando com papel e lápis na mão, a pensar em como deveria começar um livro de impressões sobre a Grécia, eis que a mão – dirigida pelo inconsciente – desenha uma cara indiática coroada com um chapéu Gelot. Esqueci Atenas e fixei-me no desenho. Uma idéia começou a nascer... Escrevi por baixo da figura O Senhor embaixador. Essa foi a origem do romance desse nome que apareceu no Brasil dois anos mais tarde e já foi traduzido para o inglês, o alemão e o russo".

Fonte: Dinorah, Maria. Correio do Povo. Porto Alegre, 07/06/1970.

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