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Como escrevo?
Marcos Santarrita

"Eu não tenho dois livros iguais. Eu não me repito. Às vezes tem armação igual. Agora, quando sento para escrever, eu raramente  sei o quê eu vou escrever, sobretudo no meio de um romance. Eu escrevo à mão, depois é que eu bato à máquina. Isso dá tempo para mais uma ação. Quando eu pego o papel e boto, eu não sei o que vou escrever. Eu não sei o que vai sair. Eu não bolo a história. Eu faço uma cena que pega ou não pega. É como uma semente que você planta no chão. Às vezes brota, às vezes não. Aí eu faço uma cena. Esta cena não será necessariamente a primeira cena do livro. Pode ser um núcleo. E aí eu geralmente escrevo de 15 a 30 páginas e abandono, porque aparecem problemas técnicos. Eu não sei como distribuir, como enfocar, como conduzir a narrativa. Não é como bolar a história. É como conduzir a história. E, em vez de ficar escrevendo e jogando fora, eu simplesmente abandono o projeto e deixo que o subconsciente resolva os problemas. Um belo dia eu sento e está tudo prontinho. Mas, não quer dizer que eu saiba. Eu sinto, eu não sei a história. Eu não sei o que o personagem vai fazer, o que ele vai dizer e nada. Eu sinto que chegou a hora. E geralmente sai. Aí oesse processo é demorado, porque eu passo às vezes seis meses, sete meses sem pegar no livro. Um dia eu pego e faço 30, 40, 50, às vezes faço o livro todo. Ou então paro mais um intervalo de três, quatro meses e não penso no livro. Eu acho que a criação literária, como qualquer criação, é mágica. Você não tem controle. Quando eu termino um livro, eu já o escrevi duas ou três vezes. Aí, já vi tanto aquilo que eu não tenho mais noção do que seja. A única coisa que eu tenho consciência é o seguinte: está um trabalho profissionalmente bem feito, tecnicamente bem feito, quer dizer, os personagens estão coerentes, os diálogos são bons, a narrativa está boa e tal, é a única coisa que eu tenho certeza. Quem vai fazer o livro é o leitor. É ele que não sabe o que vem depois, ele é que recebe a magia. Eu não posso ler o meu livro, porque fui eu que fiz. O controle que você tem é apenas de parte técnica. O resto é uma espécie de santo mesmo, uma espécie de demônio, como dizia, Faulkner. Ela baixa e você faz.   

Fonte: RICIARDI, Giovanni. Entrevistas com escritores do Norte e Nordeste. Lauro de Freitas, BA: Livro.com, 2009.

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