“Há uma cisão na minha cabeça, eu transito de um lado para outro sem a menor contaminação. Por exemplo, quando escrevi Onze, eu estava insatisfeito com o jornal. Então, eu chegava em casa e escrevia. E era uma recusa do jornalismo, queria fazer alguma coisa contrária ao que fazia durante o dia, uma contraposição quase direta. Por outro lado, a experiência do jornalismo me ajudou muito na literatura. O pretexto da profissão faz com que a gente se confronte com situações que jamais confrontaria, a gente se embrenha na vida, na vida que não é sua. Um monte de histórias dos meus livros foi inspirada nesses contatos inesperados. Como correspondente na França e em Nova York, eu cobria tudo: crime, política, economia. E isso foi importante para mim como romancista. É óbvio que a literatura que faço não é realista, imediata, como é o jornalismo. Eu não vou relatar um fato, mas há uma potente transmutação daquilo na minha cabeça, uma força que eu não dispenso”.
Fonte: Cult (São Paulo), nº 10, maio de 1998 - Heitor Ferraz
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