“Nenhuma atividade é prejudicial ao escritor, a menos que lhe tome tempo e idéias necessárias ao seu escrever. Qualquer experiência enriquece o escritor. As linguagens de quaisquer atividades de uma época enriquecem a literatura de cada período, justamente pela apropriação que os escritores fazem dessas linguagens. Refiro-me a escritores que não se submetem a elas, antes as dominam e transformam. A literatura do fim do século 19 já digeria o jornalismo, a do começo do século 20 foi enriquecida pela psicologia e pela pintura (impressionistas, surrealistas, cubistas), a do médio século 20 foi remexida pelo cinema, pela política, pela filosofia, a dos anos 1960 reciclou o new journalism e a pop art, a dos anos 1980 incorporou a linguagem e os modos do mercado financeiro e da publicidade, e a dos anos 1990, infelizmente, buscando o sucesso dos espetáculos, copiou as estruturas do videoclipe e dos roteiros de cinema e de tv. Não se pode dizer que houve prejuízo, a não ser no último caso, quando a literatura se colocou num papel subserviente, submeteu-se em vez de submeter. No caso atual, é preciso considerar o estágio pobre da linguagem do jornalismo impresso, que sofre influência do jornalismo superficial da televisão. Aí, no caso, não há nada de enriquecedor, de fecundador na linguagem jornalística. Na época de João do Rio, sim, havia necessidade de um certo arejamento, de um abalo nas hostes beletristas, e o jornalismo, em vez de prejudicar, pôde até ajudar. Se fosse prejudicial, tantos clássicos antigos e modernos que se dividiram em atividades jornalísticas não seriam o que são: Machado, Bilac, Graciliano Ramos, Monteiro Lobato, Oswald de Andrade, Carlos Drummond de Andrade, Ferreira Gullar, Antônio Callado e tantos outros....Mas há um caso em que escrever para jornal prejudica o escritor. É o caso do cronista, daquele que tem de usar a sua capacidade de tecer enredos e ficções, de criar personagens e de recriar a sociedade, colocando-a a serviço de uma produção cotidiana, fugaz, fácil de ser compreendida pelo grande público leitor de jornais, tangenciando os problemas mais profundos. Sim, o jornalista é um escritor, mas não é um criador. O médico e o engenheiro que escrevem tratados também são escritores, mas não criadores. A língua inglesa usa “writer” para o universo geral dos que escrevem, e “author” para o escritor-criador (pena que modernamente os dois conceitos começam a se misturar)... Não tenho em boa conta a linguagem jornalística, a estrutura é linear e pobre em termos de literatura, a temática fornece elementos que a própria vida urbana oferece. Tenho usado alguma coisa do jornalismo de forma paródica, ou irônica, ou como pastiche. Mas aí é um recurso consciente, não é uma influência. Assim como já usei poesia, rádio, documentos coloniais, tudo com a mesma intenção plástica”.
Fonte: www.penadealuguel.com.br - Cristiane H. Costa (27/07/2006)
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