"Tive a sorte de estar morando perto do Cinema Paissandu, onde a juventude se reunia para ver e discutir os filmes de Godard, Fellini, Antonioni, essa gente. Eu lá estava, firme, a encher a cabeça de tanta coisa bonita. Foi, então, que me deu o estalo. Assistindo Alphaville, de Godard, descobri de repente que se um personagem morava no Largo do Machado, por exemplo, e ia se encontrar com um amigo no Leblon, não havia necessidade de descrever essa viagem de ônibus. Bastava encerrar uma cena e começar outra. A descrição, que faria a ligação, era perfeitamente dispensável. Bastava o corte para resolver o assunto. Essa descoberta - ah, que alívio - mudou a minha vida, me tirou dos porres e das prostitutas de Copacabana e me levou de volta à máquina de escrever. Foi assim que cheguei a Solidão em família, meu primeiro romance publicado, que teve a sorte de ser bem aceito pela crítica e pelo público e me estimulou a prosseguir. Depois eu voltei ao romance da seca, que terminou saindo com o título Convite ao desespero. E se alguém tivesse me falado no corte, alguns anos antes? Eu não teria sofrido nem bebido tanto. E teria evitado a tragédia das noites insones de frustração e desesperança".
Fonte:www.o-bule.com (21/05/2012)