"Quando estou trabalhando em um livro ou um conto, escrevo diariamente de manhã, a partir da hora em que surge a primeira luz. Não tem ninguém para perturbar, é fresco, ou mesmo frio. Começo a trabalhar e vou esquentando conforme escrevo. Leio o que fiz no dia anterior e, como sempre paro num trecho a partir do qual sei o que vai acontecer, prossigo desse ponto. Escrevo até chegar a um momento em que, ainda não tendo perdido o gás, posso antecipar o que vem em seguida; paro e tento sobreviver até o dia seguinte, para voltar à carga. Se começo às seis da manhã, digamos, posso ir até o meio-dia, ou interromper o trabalho um pouco antes. A interrupção dá uma sensação de vazio, como quando se faz amor com quem gosta. E ao mesmo tempo não é um vazio, mas um transbordamento. Não há nada que o atinja, nada acontece, nada tem sentido até o dia seguinte, quando você faz tudo de novo. Difícil é viver a espera até o dia seguinte... Eu sempre reescrevo, na manhã seguinte, o trecho do ida anterior. Naturalmente, quando acabo, repasso tudo outra vez. E tem-se mais uma chance de corrigir quando outra pessoa datilografa, e se vê o texto passado a limpo, datilografado. A útlima oportunidade é nas provas. É bom ter tantas chances diferentes ".
Fonte: Os Escritores 2: As históricas entrevistas da Paris Review. São Paulo: Cia. das Letras, 1989.
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