por Alceu Amoroso Lima
Continuo a crer que o nome mais importante do modernismo, em seu surto incial. foi Mario de Andrade... foi a figura que reuniu em si maior número de causas, condições e efeitos para ser de fato o nome mais importante do modernismo. Foi ao mesmo tempo um oralista e um grafista. sua incontinênica verbal só se comparava à sua incontinência escrita. Adorava conversar e passava dias e noites falando, falando, falando, com a facúndia daqueles que têm em si uma fonte inesgotável de criatividade. Não baseada apenas em leituras, mas acima de tudo na própria espontaneidade criadora. Ao mesmo tempo em que era um conversador inesgotável, derramava-se na pena, como um perdulário. Suas cartas eram sempre de uma prolixidade que faria arrepiar Machado de Assis, que fôra aliás, com perdão da palavra, um pífio epistológrafo. Ao passo que Mario de Andrade, cuja obra criadora é, sem dúvida, incomparavelmente inferior à de Machado de Assis, era um admirável escrevedor de epístolas. foi, de igula maneira, um poeta e um prosador. Tã original numa forma como na outra. Tão desigual numa como na outra. Um grande ledor e um compositor espontâneo, sua cultura era universal, cosmopolita. Lia tudo, lia muito, lia nos grandes originais, das grandes líguas cultas .Mas toda essa cultura cosmopolita não o inibiu nunca de ser apaixonadamente ele mesmo, num indivídualismo violento, mas jamais contundente. Pois era um tempermento combativo, bastante combativo, - cuja arte foi sempre uma luta contra o academismo, contra o convencionalismo, contra o burguesismo, contra o falso esteticismo, contra o farisaísmo em todos os sentidos - e bastante afetivo, generoso, fraterno, amigável, grupalista... Roi, ainda um apaixonado da palavra,como expressão estética, e um musicólogo. Talvez mais um musicólogista que um verbalista. Pra ele a música era, realmente, a rainha das artes. Como foi, até mesmo, sua própria vocação profissional".
Fonte: Entrevista. Revista Vozes, ano 66, nº 1, fev. 1972.
por Aurélio Baurque de Holanda
"Quanto a Mário de Andrade, se é verdade que abandonou os exageros do verdadeiro esperanto em que está escrito, por exemplo, o Macunaíma, conservou até o fim numerosos cacoetes medernsitas e a preocupação de criar uma linguagem a que talvez chamasse brasileira, mas que é dele, só dele, pois seus livros não estão segundo a fala geral do país nem segundo nenhuma fala regional. E é isso, precisamente, que os prejudica. E note que quanto mais nos distanciamos, no tempo, do admirável polígrafo que foi o escritor paulista, mais dificuldade teremos em ler os seus livros. É que a linguagem falada, de que ele procurou aproximar demasiadamente seu estilo, enxertando-o, ainda, de regionalismos de todos os Estados do Brasil e de eruditismos e desconcertantes preciosismos de invenção própria, é uma linguagem que se altera com extrema facilidade. No início do movimento modernista, para fazer barulho, escandalizar o burguês, sacudir o ambiente, admito que se usasse, em entrevistas, conferências ou artigos de jornal, de uma linguagem daquelas. Mas passado esse instante, não; a não ser por pilhéria e em tom familiar. No entanto, o grande Mário não expurgou bastante nem mesmo seus últimos livros desses defeitos, o que, sobretudo num pais mal alfabetizado como o nosso, constitui verdadeiro desserviço ao ensino e à cultura. Frases como “Fulano se zangou com”, “eu sube, “Fazem dez anos”, freqüentes na obra do autor de admirável livro de ensaios que é O Empalhador de Passarinho, só podem causar confusão no espírito de leitores menos avisados. Prova de que sua maneira de escrever era personalíssima é que não fez escola, não deixou imitadores, a não ser o seu xará Mário Neme. Criada com certa pretensão de base científica, a linguagem do escritor que, cultivando tantos gêneros, em nenhum foi medíocre, era, afinal de contas, anticientífica.
Fonte: SENNA, Homero. República das letras. 3ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1996.
por Autran Dourado
"Conversando com Guimarães Rosa, num dia de modéstia dele, o que não era comum, ele me disse: 'todos nós viemos do Mario de Andrade'. Literatura é continuidade, terreno baldio, Um transmite para o outro sua linguagem. Às vezes preocupo-me muito com esse descuido atual com a linguagem, esses neologismos desnecessários... Quem não recebia carta de Mario não entrava para a literatura...Não o conheci, estava no meu aprendizado com Godofredo Rangel. Da Biblioteca Municipal de Belo Horizonte, vi-o descer o Grande Hotel, mas minha timidez me impediu de falar com ele. Mario, de certa forma, se prejudicou porque se dedicou a escrever cartas e mais cartas. É uma pletora de cartas, mas afinal ele era um professor e se preocupava com o seu pastoreio, além de sua necessidade de comunicação, de ser amado... Lamento não ter conhecido-o. Teria sido útil. Certamente teríamos nos correspondido".
Fonte: LUCENA, Suênio Campos de. 21 escritores brasileiros: uma viagem entre mitos e motes. São Paulo: Escrituras, 2001.
por Carlos Drummond de Andrade
“Oswald de Andrade publicou um romance, e eu, que era muito metido a fazer crítica literária, fiz um artigo, no Diário de Minas, sobre o livro dele. Dois anos depois, quando ele foi a Minas, com uma caravana de escritores, mandou indagar onde eu estava, porque queria conversar comigo. Sabendo quem ele era e que vinha a Belo Horizonte na companhia de Mário de Andrade, que já conhecia de nome, e da Tarsila do Amaral, chamei meus amigos e fomos lá no hotel. Era jornalista e minha idéia foi entrevistá-los. De todos eles, senti que o Mário de Andrade ia ser uma pessoa muito importante em minha vida, porque ele me tratou com muita atenção. E acabou pedindo que escrevesse para ele. Mantive, portanto, uma correspondência com Mário de 1924 a 1945. E esta foi uma coisa muito importante na minha vida. Porque a ele mi dirigia não só para pedir-lhe opinião sobre a poesia como para pedir opinião sobre a minha vida, o que devia fazer. Estava, por exemplo, com vontade de casar e perguntei, em carta a ele, o que achava. Na época, não me sentia muito maduro para o casamento e, gozado, ele que era solteirão, dava conselhos de como tratar as mulheres, de dar sempre razão à mulher, o que é muito difícil, ninguém cumpre isto. Portanto, Mário foi muito importante para mim”.
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/04/1985 – Gilson Rebello
“Essa correspondência (com Mário de Andrade) durou de 1924 até 45. Foi uma coisa deslumbrante na minha vida. Mário não era apenas um orientador literário, um crítico: era um amigo, um companheiro, uma pessoa que se interessava pela minha vida. Discutia comigo de igual para igual, não tinha caráter doutoral. Era ma relação muito boa... Era duro, mas ao mesmo tempo blandicioso. Me castigava com críticas ferozes, às vezes falava: ‘se você publicar isso, passo a me chamar Xavier’. Mas depois contrabalançava dizendo: ‘seu poema é maravilhoso, uma obra-prima’ etc. Havia uma pouco de exagero no elogio, mas sempre interpretei como a forma que ele tinha de compensar as lambadas que me dava”.
Fonte: Folha de São Paulo (Folhetim), 03/06/1984 – Augusto Massi e Lúcia Nagib
por Fernando Sabino
"Não publiquei ainda (correspondência com Mário de Andrade) por vários motivos. Um deles: o Mário amaldiçoou, em carta a Murili Miranda, aquele que publicasse suas cartas antes de transcorridos cinquenta anos de sua morte. Manuel Bandeira e Carlos Drummond certamente não sabiam disso - outras pessoas também não - e publicaram. São umas quarenta e tantas cartas, cheias de orientações e conselhos a um jovem escritor. (Obs. Este livro veio a ser publicado após a morte de Fernando Sabino: Cartas a um jovem escritor e suas respostas. Rio de Janeiro: Record, 2003).
Fonte: STEEN, Edla van. Viver & escrever 2. Porto Alegre: LP&M, 2008
por João Cabral de Melo Neto
"O Mário de Andrade... Uma vez eu estava com o Breno Accioly no Rio de Janeiro, em 1944, e o Acciolly disse: 'Você quer conhecer o Mario de Andrade? Ele está aí no Hotel Natal, na Cinelândia'. Eu disse: 'Vamos'. Eu já tinha publicado dois livros e havia mandado para ele. O Breno me apresentou a ele... o Mário de Andrade não fez a menor referência. A indiferença dele pela minha pessoa era um negócio, tanto que uma das coisas que eu acho mais engraçadas é que tenho a impressão de que sou o único poeta da minha geração no Brasil que não recebeu uma carta de Mário de Andrade, que não há nenhum sujeito em Bodocó que não tenha mandado um livro para Mário de Andrade, para quem ele não tenha escrito. Ee nunca me mandou uma palavra, e quando me conheceu, era como se eu fosse o caixa do açougue".
Fonte: Folha de São Paulo, 24/04/1987 - Ivan Cardoso
"Esta história de identidade nacional foi ele quem inventou. Esta história de fazer uma síntese do que 'é' Brasil é coisa dele. Este 'fuisonismo' é bobagem. Se você pegar o Gilberto Freyre, a Casa grande é um livrosobre o cotidiano da escravidão. Não quer sínteses. Por isso que é bom".
Fonte: Folha de São Paulo, 05/09/1991 - Arnaldo Jabor
por Manuel Bandeira
"Em 1921 Mário veio ler aqui sua Paulicéia Desvairada. Foi a última influência que recebi. O que veio depois me encontrou calcificado. Também não quis participar da Semana da Arte Moderna. Pouco me deve o movimento. O que devo a ele é enorme'.
Fonte: BLOCH, Pedro. Pedro Bloch entrevista. Rio de Janeiro: Bloch Editores, 1989.
por Pedro Nava
"Fui amigo do Mario, mas correspondente escasso. Eu só tinha para publicar, e publiquei nove cartas que me mandou, das quais, cinco da minha mocidade, cheia de conselhos literários, estéticos. Ele levou muito a sério o meu desenho e a minha poesia. Posso dizer isso porque publiquei as suas cartas e o que estou dizendo está nelas. Esse livro tem notas muito pequenas. Depois, eu e o Fernando Peres vimos que o gênero de anotação adotado por Drummond em seu livro - 90 cartas - era melhor. Ele fez uma espécie de histórico da época, um livro primoroso. O melhor livro de cartas do Mario de Andrade é este - das cartas dele ao Drummond, pela quantidade e pela maneira como o Drummond tratou o assunto. É como nós deviamos, talvez, ter feito... Mario de Andrade era uma pessoa encantadora . Era um correspondente admirável, fabuloso, aconselhava, dizia. Estou, atualmente, procurando imitá-lo nisso. Quando escrevo a uma pessoa, procuro não ficar apenas naquelas formas de cortesia, mas sim um comentário mais amplo, para imitar a atividadade didática que o Mario teve".
Fonte: D.O. Leitura, ano 18, nº 1, jan. 2000 - Edina Regina Pugas Panichi
por Oswald de Andrade
“Somente Mário fez coisa boa. Machado, Euclides e Mário foram os melhores. Até hoje me arrependo da briga que tivemos. Fui o culpado. Fiz uma piada cruel: ‘razões morais de Andrade’. Mário não me perdoou. E hoje eu também não me perdôo. Não havia nada de formal nessa confissão. Sentimento puro, grande mágoa e vergonha que chegou a me encabular. Éramos uns ignorantes. Apenas Mário de Andrade sabia de alguma coisa. Eu era capaz de discutir, mas ele sabia criar. Enquanto experimentávamos, Mário fazia livros definitivo”.
Fonte: Versus (São Paulo), n. 6, nov. 1976 – Marcos Rey (Extraído do Jornal da Senzala, n. 1, fev. 1968)
por Rubem Braga
"...Os paulistas é que não queriam nada comigo. Morava numa pensão, da qual fui praticamente expulso sob a acusação de "nortista", naquela loucura de sentimento xenófobo paulista. Um dia pedi um ovo frito e me disseram que não tinha, enquanto serviam o sujeito ao lado de omelete. Não sabia por que, já que meu aluguel estava rigorosamente em dia. A causa era pensarem que eu era "nortista". Certa vez, de brincadeira, escrevi um artigo dizendo que meu avô fora "bandeirante". Antoninho de Alcântra Machado, um paulista quatrocentão, e o Oswald de Andrade acharam muita graça e ficaram meus amigos a partir disso, mas o Mario de Andrade passou a implicar comigo pelo mesmo motivo. Ele tinha a essa altura uma grande paixão pela causa paulista, o que revelou em várias crônicas. Uma delas falava de sua viagem de avião sobre o "chão paulista", sobre a "terra paulista", sobre "as nuvens paulistas". Mário era crítico de música do "Diário de São Paulo", já era um sujeito muito importante e era até fã dele. Mas nunca cheguei a revelar isso porque o homem não queria me ver nem pintado".
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/10/1987 - Beatriz Marinho
por Wilson Martins
“Não se pode ignorar o modernismo, pois ele propôs princípios muito oportunos. Mas hoje ele não faz sentido algum. É um pouco o mesmo caso dos concretismo. O modernismo de 22 foi uma escola de obras falhadas. Você lê os manifestos, que são muito importantes, e percebe o que eles queriam ter feito e não fizeram. O próprio Mário de Andrade dizia: ‘Macunaíma, uma obra-prima que não saiu uma obra-prima’. Mario é um escritor que está em segundo plano em todos os gêneros. Não foi um grande romancista, não foi um grande poeta... Sua grande obra não foi esse ou aquele livro, mas o modernismo de 22... O Oswald de Andrade seguiu o mesmo caminho. A cada livro que Oswald publicava, dizia-se: ‘Bem, o próximo será um grande livro’. E o grande livro nunca veio. O modernismo foi só um movimento de agitação.
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/05/1998 – José Castelo
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